Sociedade

Isabella, uma vítima do sistema

Isabella, uma vítima do sistema

 

 

Gisele Leite[*]

 

 

Essa questão de guarda de menor, de direito de visitação de pais separados é sempre polêmica, principalmente se a ruptura da sociedade conjugal e, mesmo do casamento não se dá de forma amigável e civilizada.

 

Não raro são os filhos que ficam exatamente bem no meio da confusão e da profusão de sentimentos confusos e afetos doentios que tanto laboram para prejudicar a educação e a formação dos filhos menores.

 

Pergunto-me, secretamente: uma mãe que sabe verdadeiramente que o lar do ex-marido é instável, ou que seu novo casamento não oferece um ambiente seguro e sadio para sua filha, pode querer preservá-la, e aí requerer que a visitação se realize com a devida supervisão?

 

Na minha modesta opinião, é claro que sim. Apesar de ser emblemática a situação.

 

Estava pensando o que seria realmente possível fazer para evitar essas tragédias que vitimizam crianças como essa menina de SP que ninguém sabe se foi arremessada do edifício, ou se foi um acidente.

 

O fato é que algumas rupturas conjugais se mostram tumultuadas e mesmo perigosas àqueles que ainda não podem se defender sozinhos.

 

Quando que a instabilidade de humor e comportamento poderão servir de base para que se permita uma visitação supervisionada (monitorada), ou pelo menos mitigada a total liberdade de um dos pais sobre os filhos menores?

 

A jurisprudência teria que ser pesquisada a respeito.

 

A perícia recente constatou que a menina fora antes de seu óbito pela queda espancada. Quem responderá por isso, até por que não fora o espancamento o motivo primacial da morte dela?

 

Até aonde vai o poder de correção dos pais, até a caracterização de uma lesão corporal? A convivência com outras pessoas (como madrastas, babás e, etc.) forçada pela formação de uma nova família é positiva? É duvidosa, ou simplesmente, é no mínimo preocupante?

 

 Fico pensando nas mães que fogem com seus filhos, fogem até dos olhos da Justiça com fito único de proteger a vida, a segurança e saúde mental de seus pais. Principalmente se há um conflito raivoso entre os ex-cônjuges.

 

Precisamos doutrinariamente, defender o melhor interesse da criança (que tem amparo constitucional) que nem sempre está em defender a convivência e a visitação livre com pais que podem agir de forma temerária ou pelo menos negligente.

 

Não importa a culpa de quem seja. Se do pai, se da mãe, se da madrasta ou se das circunstâncias. O fato que uma menina de cinco anos perdeu a vida, sem ter tido a chance de se defender, de ser vista efetivamente como um sujeito de direito, que faz jus ao direito a vida, à dignidade humana, à saúde, a decência e, sobretudo à segurança familiar e social.

 

É comovente como a opinião pública se mostra abalada pois todo mundo se coloca na ingrata posição da mãe que perdeu a filha pois estava dando cumprimento a uma sentença que homologou certamente a visitação do pai, aos fins-de-semana e, feriados e, tantas outras ocasiões onde certamente deverá ter corrido algum risco ou até nenhum. Mas um único momento foi o suficiente para limar-lhe a vida brutalmente e inexplicavelmente.

 

Repito: não importa de quem seja a culpa. Mas é importante que o Judiciário repense ao radicalizar direitos, principalmente direitos esses, que podem mais tarde se tornarem ofendículas prestes a lesar fatalmente uma vida que ainda se começa.

 

A questão do processo criminal, me perdoem os leitores, é secundária. Qualquer que seja o culpado. Mas, a questão de direito de família é mais pungente e mexe com normas de ordem pública que devem ser mitigadas sempre em razão do interesse do mais fraco, e daqueles que a lei sempre procurou preservar e tutelar adequadamente.

 

A guarda compartilhada, por exemplo, só funciona mesmo se houver perfeito entendimento e amistosidade entre os ex-cônjuges, o que sejamos francos, é raro. Ademais, como pedagoga que também sou, reconheço de plano que a criança precisa para crescer de forma sadia de referenciais estáveis e seguros. Enfim, ter seu quarto, sua casa, seus hábitos, amigos, escola e, sobretudo, uma estabilidade emocional de estar aonde é desejada e respeitada.

 

Fazer da criança um alvo de cabo de guerra é muito comum, ainda nos dias de hoje, aonde um pai ou uma mãe, faz da criança um meio de ainda atingir e ferir o outro cônjuge, seja pelo motivo que for. Que se torna imediatamente torpe por desrespeitar frontalmente a dignidade da pessoa humana da criança.

 

Seria da minha parte , um exagero? Ou , ao revés, todo cuidado é pouco quando nos dirigimos àqueles que ainda não estão aptos a bem se defenderem e sobreviverem à selva emocional e conjugal que há depois de findo o casamento?

 

Na verdade quero mesmo é acalentar a polêmica sobre guarda, visitação de pais separados. Sobre a guarda compartilhada. Sobre a possibilidade legalmente prevista de visitação mediante supervisão que é o mais recomendável…

 

Enfim, quero fazer ver que não existe um ÚNICO culpado e, sim, um monte de fatores que corroboraram para que a criança viesse a morrer…

 

Já reparou nas fotos da mãe, o ar sofrido e  arrependido… Ela intimamente deveria já saber que isso era possível, o ex-marido houvera em outra ocasião profiro ameaças a ela e à própria criança… Depois naturalmente deve conhecer a índole emocional do ex- cônjuge…

 

Se ela se negasse, por exemplo, enviar a criança para visitação, por achar que não era um bom momento para o ex-marido e da madrasta( afinal tinha duas outras crianças pequenas…).. enfim…

 

Quero polemizar… Esse julgamento poderá ser pífio, basta que só tenhamos somente indícios e nenhuma prova contundente que, a previsão constitucional da inocência do réu irá prevalecer, e eles sairão livres, leves e soltos… E, ainda serão vitimados pela opinião pública.

 

A criança segundo a perícia recentemente realizada demonstra que pode ter sido asfixiada e espancada… Isso não levanta outra questão, até aonde podem ou não os pais irem ao educar e corrigir os filhos? O que é reprienda e o que é lesão corporal e mesmo tentativa de homicídio…

 

Dizem, por exemplo, que a grade de proteção foi recortada… propositalmente… enfim, foi um crime culposo, doloso, um acidente infeliz ou uma negligência coletiva…

da mãe, do pai, da madrasta, das famílias e da justiça que as vezes decreta coisas sem saber com segurança o que é melhor para a criança… risos

É a polêmica que deve aguçar os sentidos críticos, para preservarem adiante outras crianças em situações semelhantes e, talvez quem sabe, se Deus permitir, evitar seus óbitos…

 

Temos que defender o direito à felicidade das crianças mesmo ante a dissolução conjugal de seus pais. E preservar sua integridade física além da emocional, é um desafio que temos que vencer.

 

Recebi um email de uma mãe aflita… Há dois anos e meio vive fugindo da justiça pois se separou do marido que a espancava, era violento, e depois de resolvida a separação litigiosa fora decretado em acordo homologado os dias de visitação. Mas, numa única vez que a criança fora visitar o pai, voltou com enorme hematoma sobre o rosto… Então, decidiu fugir da cidade, não deixar paradeiro… E, aí ela me escreve, me perguntando, se a lei permite, por exemplo, por precaução, a visitação com supervisão para proteger a criança.

 

É claro que permite… Mas, pouco se divulga isso… Depois os juízes são receosos de aprová-la por entender que fere a privacidade do pai com a criança.

 

Mas, lhe pergunto: e se o pai oferece perigo à criança? é um desequilibrado? um bêbado, toxicômano?? Enfim,… e aí???

 

Isso remete-nos a necessidade do judiciário atuar mesmo sem ter sido provocado, evitando o conflito de interesses, prevenindo litígios, e prestando a tutela atenta aos mais fracos.

 

O fato além de ter conseqüências criminais pois se configurou como delito, nos remete também a necessidade do juiz na hora de decidir sobre a sorte e a vida de crianças e adolescentes se fazerem asessorar por psicólogos ou mesmo psicanalistas que poderiam num laudo antever a tragédia, e certamente, impedi-la.

 

Resta uma triste conclusão, a Isabella fora mesmo vítima do sistema, que ao empilhar processos e prover providências em massa, desumaniza, vilipendia questões complexas com meras soluções positivistas mas, não nos acenam com a esperança de ver a dignidade de qualquer pessoa humana integralmente respeitada.

 

 

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[*] Professora universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Colunista em diversos sites jurídicos especializados: www.jusvi.com , www.netlegis.com.br , www.lex.com.br, www.abdir.com.br, www.jornalismo.com.br, www.uj.com.br , www.forense.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Isabella, uma vítima do sistema. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/isab/ Acesso em: 26 abr. 2024