Sociedade

Homossexualismo é doença?

 

Antes de indagar se o homossexualismo é uma doença, dever-se-ia indagar: o que é o homossexualismo? Dizer que ele se caracteriza quando um indivíduo, homem ou mulher, sente atração sexual por outro do mesmo sexo define outra coisa: tendência homossexual.

 

Um indivíduo pode passar a vida toda sentindo essa atração, porém, por motivos religiosos, morais ou quaisquer outros, jamais praticar um ato sexual com outro do mesmo sexo. O fato de um indivíduo sentir um forte desejo de quebrar a cara de outro não caracteriza agressão física nem produz lesões corporais.

 

Para caracterizar tal coisa, é preciso que ele movimente seu braço na direção da cara do outro e desfeche um soco deixando o outro com dentes quebrados e lábios inchados. Do mesmo modo, o homossexualismo se caracteriza quando um indivíduo vai além da mera atração, se aproxima do outro e acaba praticando um ato sexual com o outro do mesmo sexo, coisa que, repetidas vezes feita, torna-se um costume.

 

Mas, se ele se limita a abraçar, acariciar e beijar o outro? Devemos considerar isto mera preparação para um ato sexual homossexual, algo além da mera atração – e o indivíduo que faz tal coisa um homossexual – ou só devemos considerá-lo um homossexual quando ele introduzir seu pênis no ânus do outro e/ou ter seu ânus penetrado pelo pênis do outro? A diferença entre homossexual ativo e passivo pode até ter relevância, mas não neste contexto.

 

Qualquer que seja a resposta dada para a questão acima, estaremos simplesmente produzindo uma definição nominal (ou definição-de-dicionário) de homossexualismo – definição esta que se limita a esclarecer o uso lingüístico de uma palavra, mas que nada esclarece sobre a(s) causa(s) do fenômeno a que ela se refere e as motivações que levam um indivíduo a tornar-se um homossexual.

 

De um ponto de vista cognitivo, é mais interessante fazer outras perguntas: Qual (ou quais) a(s) causa(s) do homossexualismo? Qual (ou quais) a motivação (ou motivações) que levam um indivíduo a praticá-lo?

 

A resposta é de uma simplicidade acachapante: Ninguém sabe! O máximo que podemos fazer é lançar hipóteses de caráter heurístico, que não levam à formulação de uma teoria testável, embora possam estimular nossa imaginação teórica e talvez um dia conduzir a uma melhor compreensão do fenômeno.

 

Tais hipóteses na realidade têm sido aventadas, embora quase sempre revestidas de ares de teoria e eivadas de falsas certezas e, às vezes mesmo, de detestáveis preconceitos.

 

Para alguns pesquisadores do assunto, o homossexualismo é inato, uma espécie de defeito cromossômico no código genético produzindo um distúrbio hormonal. Supondo que isto possa ser comprovado, o homossexual estaria numa condição semelhante a do daltônico, que se equivoca na percepção de certas cores e nada pode fazer para desfazer seu equívoco. A natureza o fez assim e ele, ainda que contra sua vontade, vê-se obrigado a seguir sua natureza.

 

Há os que rejeitam essa hipótese e aventam outra: o homossexualismo não é nenhuma coisa de natureza inata, mas sim um comportamento adquirido. Mas, supondo que seja, que espécie de comportamento adquirido?

 

Para alguns trata-se de um comportamento adquirido na infância cuja motivação consiste na educação. É sabido que alguns pais educam seus filhos como se fossem filhas, os vestem de meninas, os incentivam a brincar de bonecas, etc. O mesmo é feito com as meninas educadas como se meninos fossem. Assim sendo, eles recebem fortes motivações para se tornarem afeminados e elas masculinizadas.

 

Todavia, um afeminado ou uma masculinizada não são necessariamente levados à prática do homossexualismo, podem até parecer homossexuais, mas não são necessariamente homossexuais. Limitam-se às vezes a simplesmente se vestirem de modo afetado e a ter gestos típicos do sexo oposto ao seu.

 

No caso dos homens, eles eram conhecidos como dandies na segunda metade do século XIX. Até seguramente a década de 70 do século passado, eram conhecidos como “frescos” e hoje são conhecidos como “metrossexuais” – palavra cujo uso conheço, porém cuja origem desconheço.

 

Tal parece ter sido o caso do poeta de Charles Baudelaire, que passeava pelas ruas de Paris com seu poodle e seus cabelos pintados de verde – certamente pour épater le bourgeois – e tal poderia ter sido o caso do romancista e dramaturgo Oscar Wilde, caso ele não fosse amante de Bossie, filho de Lord Douglas que moveu três processos contra o referido literato por sodomia. E é preciso acrescentar que, na Era Vitoriana, sodomia era crime contra os costumes. Se ainda fosse hoje, as prisões inglesas ficariam abarrotadas…

 

Para explicar satisfatoriamente o homossexualismo como produto de um certo tipo de educação, parece que alguma coisa está faltando e ainda há o questionável pressuposto de que o indivíduo é mero produto do meio e da educação recebida por ele, sem levar em consideração a capacidade do mesmo de reagir contra o que recebeu e traçar seu próprio rumo na vida.

 

Outra hipótese é que o homossexualismo não passa de um efeito produzido por uma desilusão com o sexo oposto resultante de problemas de comunicação e conflitos afetivos. Neste caso, os homossexuais seriam levados a procurar no mesmo sexo aquilo que não encontraram em seu relacionamento com o sexo oposto.

Mas não necessariamente, pois muitas vezes um relacionamento estável com o sexo oposto quando se torna impraticável, pode fazer com que os indivíduos só procurem relacionamentos temporários de caráter heterossexual, mas sem nenhum compromisso, seja o mesmo relacionamento caracterizado pela “galinhagem” ou por sexo feito com profissionais do ramo.

Uma mulher pode mesmo desejar não manter relacionamentos heterossexuais de nenhum tipo, mas isto não a leva necessariamente a ter relacionamentos homossexuais com outra: ele pode simplesmente “fechar para balanço” e acabar “pedindo concordata”.

 

Para o homem, a abstinência sexual parece uma coisa mais difícil, mas não podemos dizer que seja impossível. Os biógrafos de Newton e de Kant nos garantem que ambos morreram virgens, sem nunca ter mantido relações sexuais com nenhuma mulher nem com nenhum homem.

 

Ernest Jones, discípulo fiel de Freud, fala no fenômeno da afanise, ou seja: desaparecimento do desejo sexual. Segundo este autor, a afanise seria, nos dois sexos, objeto de um temor mais fundamental que o temor da castração.

 

Outra hipótese ainda assume que o homossexualismo é um comportamento adquirido, porém que não resulta de educação paterna, mas sim de um tipo de convivência na adolescência em que jovens estudando em colégios internos não só experimentam uma segregação sexual como também costumam dormir em dormitórios coletivos. O mesmo poderia ser dito de quartéis militares e de conventos de freiras ou frades.

 

Desconheço uma estatística mostrando que o número de homossexuais é maior ou menor em internatos, conventos e quartéis do que em outros lugares, mas não acredito que a simples ausência do sexo oposto e a maior proximidade do mesmo sexo sejam em si suficientes para gerar relacionamentos homossexuais.

 

Uma opinião bastante corrente sobre o fenômeno alega que o homossexualismo não é uma doença nem constitui problema psicológico: é apenas uma questão de escolha, semelhante a preferir café puro ao pingado, ir domingo à praia ou ficar em casa desfrutando o prazer do ócio, etc. Os que adotam essa opinião falam em “orientação sexual diferente”.

 

Sabemos que o homossexualismo é um fenômeno típico do Homo sapiens. Já ouvi histórias sobre homossexualismo entre cachorros, gatos e outros animais, mas já ouvi também histórias sobre duendes, fadas e dragões. Contudo, é inteiramente desnecessário fazer uma estatística, para verificar que apenas uma minoria ínfima de membros da espécie Homo sapiens mantém relacionamentos homossexuais. Que significa isto? Que se trata de um comportamento desviante de uma norma e, portanto, anormal?

 

Ora, os gênios também são desviantes de uma norma e anormais: constituem uma minoria ínfima de membros da espécie Homo sapiens cuja maioria não é constituída de gênios nem de imbecis, mas sim de inteligências medíocres, em graus maiores ou menores de mediocridade, como a minha e a sua.

 

 E aqui não vai nenhuma ofensa, a não ser que um indivíduo se sinta diminuído por ter tirado 5 numa prova de valor mínimo 0 e valor  máximo 10, por não ter compreendido a teoria da relatividade de Einstein ou o conceito de número transfinito de Cantor.

 

No entanto, o que nos causa espécie e reclama uma explicação, não é o comportamento da maioria heterossexual que segue o padrão biológico da maioria dos organismos – introdução do pênis do macho na vagina da fêmea – mas sim comportamento da minoria homossexual.

 

De nenhum modo, estou insinuando que o comportamento da maioria é moralmente correto e o da minoria incorreto – muitas vezes a maioria está errada e uma minoria moralmente certa.  Estou apenas afirmando algo bastante simples e razoável: o que nos causa estranheza ou perplexidade não é nunca um fenômeno extremamente freqüente, mas sim um que não é freqüentemente observável. É justamente este, e não o outro, que demanda uma explicação.

 

Se um cachorro latir, isto não causa nenhuma surpresa, pois é da natureza dos indivíduos da espécie dos cães (Canis familiaris) latirem de vez em quando, mas se um cachorro, à noite, olhar para a Lua e ulular, podemos ficar surpresos. Trata-se de um comportamento típico dos lobos, embora algumas raças de cães aparentadas com a dos lobos (Canis lupus) também costumem ulular.

 

No entanto, baseados no fato de que o homossexualismo é um padrão biologicamente desviante de um padrão normal e, portanto, contrário à natureza, alguns filósofos e líderes religiosos consideram-no, na mais suave das hipóteses, um comportamento imoral e, na mais grave, uma doença da alma, um pecado.

 

Não há dúvida de que se trata de um padrão biologicamente desviante, além de algo encontrável somente na espécie Homo sapiens, mas é imprescindível reiterar que desconhecemos as causas e as motivações que levam indivíduos humanos a adotarem o referido comportamento.

 

E no desconhecimento das causas e das motivações, parece não ser cabível emitir nenhum juízo quanto à moralidade ou imoralidade da prática homossexual e a fortiori quanto à sua natureza supostamente pecaminosa ou não.

 

Contudo, de um ponto de vista estritamente teleológico, seria desnecessário qualquer conhecimento sobre as causas e as motivações de um comportamento, para tomar uma decisão quanto à moralidade do mesmo e/ou quanto ao seu caráter psicologicamente são ou doentio, bastaria examinar se esse comportamento gera boas ou más conseqüências afetando os outros.

 

Porém, não conseguimos vislumbrar que conseqüências, boas ou más, a prática do homossexualismo poderia acarretar, e somos, portanto, compelidos a suspender nosso juízo tanto no que se refere ao aspecto moral quanto no que se refere ao psicológico.

 

Não faz muito tempo um pastor evangélico, sabedor de que a Bíblia considera o homossexualismo um pecado – se não estamos enganados, primeiramente praticado por um dos filhos de Noé após ter tomado muito vinho – oferecia a cura do mal para os que o praticavam, mas não se sentiam bem com sua consciência moral.

 

Não sabemos os resultados alcançados pelo pastor, mas não podemos fazer nenhuma crítica à sua iniciativa, apesar de não possuirmos nenhum juízo formado a respeito da natureza do homossexualismo, ou justamente por causa disso.

 

Mas considerando que os fiéis que o procuravam não se sentiam bem com aquilo que faziam e procuravam ajuda, era mesmo dever do pastor fazer alguma coisa no sentido de ajudá-los a se livrarem daquilo que, fosse doença ou não, era considerado por eles como tal.

 

Mais recentemente lemos em O Globo (1/8/2009) que o CFP (Conselho Federal de Psicologia) puniu a psicóloga carioca Rozangela Alves Justino, com censura pública, por ela pôr em prática uma terapia destinada a curar homossexuais.

 

O referido Conselho baseou-se numa resolução do mesmo publicada há dez anos, que proíbe e condena qualquer tipo de terapia destinada a curar o homossexualis-mo. Sentindo-se ameaçada pelo Conselho, a psicóloga declarou:

 

“Não estou impedida de atuar como profissional, mas estou impedida de falar e fazer um trabalho que faço há 20 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o homossexualismo um transtorno e garante que qualquer pessoa pode procurar tratamento. Eu sou especializada em psicologia clínica e não recebo apenas esses casos” E completou seu pensamento dizendo:

 

“Os psicólogos não oferecem esse serviço, mas qualquer pessoa pode procurar um profissional para solicitar esse tratamento. Acho que existem profissionais no Brasil inteiro que querem que esse direito seja garantido.”

 

De minha parte, apesar de não ter nenhum juízo formado sobre se o homossexualismo é ou não uma doença ou um “transtorno”, e se sendo uma coisa ou outra, tem cura, penso que há muitos homossexuais que o consideram assim, sentem-se mal e têm vontade de se livrar do mesmo.

 

Assim sendo, não consigo ver nenhuma razão plausível para se impedir que um líder religioso ou um psicólogo procurem dar uma assistência àqueles que os procuram. Ainda que não consigam realizar a cura, eles estarão ao menos tentando minimizar o sofrimento daqueles que são homossexuais, porém não se sentem bem nessa condição. Se por acaso se sentissem bem, não procurariam ajuda. Talvez participassem alegremente das paradas gays do Rio e de São Paulo e teriam todo o direito de fazer tal coisa. E digo isto em nome da liberdade de escolha dos indivíduos.

 

 

* Mario Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

 

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. Homossexualismo é doença?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/homossexualismo-e-doenca/ Acesso em: 20 abr. 2024