Sociedade

A entrevista do Min. Celso de Mello sobre o déficit de qualidade das leis

A entrevista do Min. Celso de Mello sobre o déficit de qualidade das leis

 

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

A entrevista, no “Estadão” de 15-3-06, pág. A13, faz jus à sua excelente reputação de inteligência — com invulgar rapidez de leitura — e equilíbrio, qualidades que nem sempre caminham juntas. Há homens de inteligência “brilhante” — aspas malévolas — mas carentes do senso de proporção. Outros, menos “brilhantes”, são verdadeiros poços de bom senso, mas não devidamente apreciados porque portadores de qualidades menos vistosas. As mulheres, por exemplo, apreciadoras natas de jóias e roupas coloridas, preferem, inicialmente, os “brilhantes” aos sensatos, embora finalmente busquem os sensatos, em busca da segurança, via marido.

 

As aspas no “brilhantes” explicam-se porque a própria falta de equilíbrio já é uma forma branda de fraqueza mental. Há quem explique a ascensão de Hitler ao poder como uma comprovação de sua inteligência. Afinal, triunfou ao retirar a Alemanha do caos em que estava mergulhada após a Guerra de 1914-1918. Se formos medir a inteligência pelos “resultados”, o ditador seria invulgarmente inteligente, pois não era apenas a “massa” que ficava magnetizada com seus discursos. Mas os fatos comprovaram, posteriormente, na 2ª Guerra, a ausência daquela pitada de equilíbrio e sensatez que autoriza o carimbo definitivo de uma pessoa como sendo “muito inteligente”. Corria, até, uma anedota de que quando Hitler estava no apogeu havia na Alemanha uma ala, em asilo de loucos, que se caracterizava pela admiração fanática pelo grande líder. O doentes o imitavam em tudo: nas roupas, nos gestos, no penteado, no bigode. Sensibilizado, Hitler decidiu visitá-los. Entrando sozinho no recinto — fez questão de deixar a segurança de fora — ficou surpreso de ver apenas “sósias”. E mais surpreso ainda quando os doentes, enfurecidos, o atacaram gritando: “Matem o impostor!” Aí os seguranças entraram mas naquele confusão era difícil saber quem era o verdadeiro Hitler. Concluíram que era um deles e metralharam os demais. No dia seguinte “Hitler” invadiu a Rússia e depois declarou guerra a todo mundo, inclusive torpedeando os cargueiros brasileiros. Estaria assim explicada a súbita queda na inteligência do político que conturbou não só a sua época como depois, porque até hoje sentimos os reflexos de sua falta de equilíbrio. Não houvesse tanto racismo, nem o Holocausto, os judeus talvez não houvessem abandonado a Europa na escala em que o fizeram. E provavelmente, o Oriente Médio não teria se transformado na região explosiva que é hoje.

 

Pedindo perdão, ao leitor e ao Portal, pela liberdade da divagação, retorno à entrevista com o Ministro Celso de Mello.

 

O ilustre jurista e magistrado ressalta o déficit de qualidade das leis brasileiras e a conseqüente necessidade de “ativismo judicial”, justamente para compensar algumas falhas legislativas. Considerando que “errar é humano” e nenhum Poder está isento de “escorregões”, cabe, aqui, uma pequena defesa do legislador.

 

A função de fazer leis é a mais difícil das atribuições estatais, porque trabalha com o futuro. O Judiciário lida com fatos pretéritos, imutáveis, e o Executivo com fatos presentes, muito mais do que com o futuro. Já a lei vale a partir de sua publicação. Rege o comportamento do homem futuro, imerso numa situação talvez diferente da atual. Os fatos mudam e o próprio homem, também. Este é imensamente imprevisível, até mesmo quando interpreta um ato legislativo. Tenta, de todas as formas, adequar o sentido da lei ao propósito que mais o interessa. Um Prêmio Nobel de Economia, — cujo nome agora me escapa — chegou a dizer que as Ciências Sociais não merecem sequer o nome de “Ciência”, porque os homens são essencialmente imprevisíveis, e sem previsibilidade não há Ciência.

 

Como disse, lidar com o futuro é difícil. Daí que legislar é intrinsecamente mais difícil que “julgar” e “executar”. Além o mais, é sempre mais fácil corrigir um erro, cometido pelo juiz ou pelo chefe do executivo. Se o juiz profere uma decisão, pode voltar atrás, em muitos casos. Se ele não volta atrás, a instância superior o faz, dando outra decisão, e isso pode ocorrer mais de uma vez, como uma gangorra. O chefe do executivo pode, também, modificar suas determinações, com grande prontidão, modificando sua administração. Franklin D. Roosevelt, que foi eleito quatro vezes presidente dos EUA — morreu antes de exercer o último mandato —, e um dos maiores presidentes de sua história, tinha por norma, em situações com várias alternativas — todas razoáveis —, escolher uma delas. Testava-a e, não dando certo, experimentava outra solução. Já na elaboração das leis há, normalmente, um imenso caminho a percorrer, com centenas de cabeças para convencer. E o legislativo sente-se meio envergonhado quando tem de modificar a mesma lei várias vezes, num “vai e volta” que o desmoraliza.

 

Justamente pela dificuldade de modificação da lei é que são oportunas as palavras do Min. Celso de Mello. Mantida a intenção do legislador, cabe ao juiz — com honestidade intelectual — como que “ajudar” e “perdoar” os escorregões do legislador, dando à lei o sentido que o próprio legislador pretendia, presumidamente, formular. Daí a legitimidade da construção judicial.

 

 

* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LEIS, A entrevista do Min. Celso de Mello sobre o déficit de qualidade das. A entrevista do Min. Celso de Mello sobre o déficit de qualidade das leis. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/aentrevminmello/ Acesso em: 28 mar. 2024