Sociedade

Acesso ao Prontuário Médico aos Enfermeiros e o Livre Exercício de Profissão

Acesso ao Prontuário Médico aos Enfermeiros e o Livre Exercício de Profissão

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite *

 

 

1. Introdução – Regulamentação do Exercício Profissional de Enfermeiro e Técnico de Enfermagem no Brasil:

 

O art.5º, XIII, da Constituição Federal, estabelece: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A Constituição Federal, como norma que se encontra no ápice do sistema legislativo brasileiro, somente autoriza que LEI estabeleça requisitos capacitatórios objetivos, e que tenham relação com as funções a serem exercidas, para o condicionamento de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

 

A Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem no Brasil estabelece:

 

“Art. 6º – São enfermeiros:

 

I – o titular do diploma de enfermeiro conferido por instituição de ensino, nos termos da lei;

II – o titular do diploma ou certificado de obstetriz ou de enfermeira obstétrica, conferidos nos termos da lei;

III – o titular do diploma ou certificado de Enfermeira e a titular do diploma ou certificado de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz, ou equivalente, conferido por escola estrangeira segundo as leis do país, registrado em virtude de acordo de intercâmbio cultural ou revalidado no Brasil como diploma de Enfermeiro, de Enfermeira Obstétrica ou de Obstetriz;

IV – aqueles que, não abrangidos pelos incisos anteriores, obtiverem título de Enfermeiro conforme o disposto na alínea “d” do Art. 3º. do Decreto nº 50.387, de 28 de março de 1961.

 

Art. 7º. São técnicos de Enfermagem:

 

I – o titular do diploma ou do certificado de Técnico de Enfermagem, expedido de acordo com a legislação e registrado pelo órgão competente;

II – o titular do diploma ou do certificado legalmente conferido por escola ou curso estrangeiro, registrado em virtude de acordo de intercâmbio cultural ou revalidado no Brasil como diploma de Técnico de Enfermagem.”

 

Além dessas exigências o art. 2º, da lei supra citada, requer que tais profissionais, regularmente habilitados, estejam inscritos no Conselho Regional de Enfermagem com jurisdição na área onde ocorre o exercício.

 

Portanto, são esses os requisitos que o Enfermeiro(a) e Técnico(a) de Enfermagem devem cumprir para o exercício de sua profissão.

 

 

2. Atividades Legalmente Permitidas ao Enfermeiro e Técnico de Enfermagem

 

A Lei, autorizada pela Constituição Federal, estabelece as atividades que podem ser desenvolvidas por tais profissionais.

 

Ao enfermeiro incumbe, privativamente, ou seja, são atividades que somente este profissional pode exercer, conforme art. 11 da Lei nº 7.498/86:

 

“I – privativamente:

a) direção do órgão de Enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública ou privada, e chefia de serviço e de unidade de Enfermagem;

b) organização e direção dos serviços de Enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;

c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de Enfermagem;

d) – (vetado)

e) – (vetado)

f) – (vetado)

g) – (vetado)

h) consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de Enfermagem;

i) consulta de Enfermagem;

j) prescrição da assistência de Enfermagem;

l) cuidados diretos de Enfermagem a pacientes graves com risco de vida;

m) cuidados de Enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas;

 

II – como integrante da equipe de saúde:

a) participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;

b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde;

c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde;

d) participação em projetos de construção ou reforma de unidades de internação;

e) prevenção e controle sistemática de infecção hospitalar e de doenças transmissíveis em geral;

f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de Enfermagem;

g) assistência de Enfermagem à gestante, parturiente e puérpera;

h) acompanhamento da evolução e do trabalho de parto;

i) execução do parto sem distocia;

j) educação visando à melhoria de saúde da população;

 

Quanto a obstetriz ou enfermeira obstétrica a lei dispõe que a ela ainda incumbe (parágrafo único, do art. 11, acima mencionado):

 

“a) assistência à parturiente e ao parto normal;

b) identificação das distocias obstétricas e tomada de providências até a chegada do médico;

c) realização de episiotomia e episiorrafia e aplicação de anestesia local, quando necessária.”

 

Ao Técnico de Enfermagem, que exerce atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de Enfermagem em grau auxiliar, e participação no planejamento da assistência de Enfermagem, cabe especialmente:

 

“a) participar da programação da assistência de Enfermagem;

b) executar ações assistenciais de Enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro, observado o disposto no Parágrafo único do Art. 11 desta Lei;

c) participar da orientação e supervisão do trabalho de Enfermagem em grau auxiliar;

d) participar da equipe de saúde.”

 

Nesse ponto cabe ressaltar que o Técnico de Enfermagem não pode realizar as atividades privativas de enfermeiro, dispostas nos incisos I e II do art. 11, acima elencadas, por expressa disposição legal.

 

 

3. Valor Legal e Obrigatoriedade das Resoluções dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem

 

Numerosas são as profissões que possuem seus órgãos reguladores, cada qual com características próprias; entre elas está a Enfermagem, que tem nos Conselhos Federal (COFEN) e Regionais (CORENs) os seus órgãos devidamente sistematizados pela Lei Federal nº 5.905, de 12 de julho de 1973.

 

 O exercício do poder de disciplinar se verifica freqüentemente, em nosso Direito, através de entidades especiais, criadas por autorização legislativa do Congresso Nacional por Lei específica, que estabelecem as diretrizes gerais sobre a disciplina e fiscalização das categorias técnico-profissionais jurisdicionadas.

 

É importante entender que não são os Conselhos, associações de classe no sentido sindical, nem sociedades de caráter cultural ou recreativo. São, isto sim, entidades de Direito Público, com destinação específica de zelar pelo interesse social, fiscalizando o exercício profissional das categorias que lhe são vinculadas.

 

São, assim, os Conselhos de Enfermagem, como outros órgãos congêneres, entidades administrativas autônomas, criadas por lei, com Personalidade Jurídica de Direito Público, patrimônio próprio e atribuições específicas, quais sejam a disciplina e a fiscalização, na área ética, do exercício das profissões e ocupações técnicos e auxiliares da Enfermagem,  mediante a autorização legislativa ex vi Lei nº 5.905/73, artigos 2º e 15, inciso II.

 

Cada Conselho de Enfermagem se constitui em autarquia, cada uma com sua personalidade jurídica própria sob a coordenação do Conselho Federal, autarquia vértice do Sistema COFEN/CORENs.

 

Por delegação feita pela Lei nº 5.905/73, artigo 15, inciso XI, cabe aos Conselhos Regionais de Enfermagem, dentro das respectivas competências legais, a fixação de contribuições anuais para as Pessoas Físicas e Jurídicas inscritas, de natureza parafiscal, bem como o valor das multas e preços de seus serviços administrativos internos, cujas tabelas destes valores são publicadas na Imprensa Oficial da Entidade, tendo validade a partir desta publicação.

 

Há que se acrescentar que ao contrário do interesse corporativo, as autarquias corporativas investidas do poder de fiscalizar o exercício profissional são dotadas do poder de polícia, para defender os interesses públicos e a coletividade e do cidadão que usa dos serviços  dos profissionais submetidos à profissão regulamentada.

 

Os Conselhos Profissionais além do poder processante e punitivo dos infratores, detém a prerrogativa de só permitir o exercício   da profissão pelo habilitado portador de registro no órgão.

 

As importantes funções exercidas pelos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem, conforme a introdução acima, devem obedecer àquelas autorizadas pela lei para tanto, o que foi feito pela Lei nº 5.905/73, respectivamente em seus art. 8º e 15, senão vejamos:

 

“Art. 8º. Compete ao Conselho Federal:

I – aprovar seu regimento interno e os dos Conselhos Regionais;

II – instalar os Conselhos Regionais;

III – elaborar o Código de Deontologia de Enfermagem e alterá-lo, quando necessário, ouvidos os Conselhos Regionais;

IV – baixar provimentos e expedir instruções, para uniformidade de procedimento e bom funcionamento dos Conselhos Regionais;

V – dirimir as dúvidas suscitadas pelos Conselhos Regionais;

VI – apreciar, em grau de recursos, as decisões dos Conselhos Regionais;

VII – instituir o modelo das carteiras profissionais de identidade e as insígnias da profissão;

VIII – homologar, suprir ou anular atos dos Conselhos Regionais;

IX – aprovar anualmente as contas e a proposta orçamentária da autarquia, remetendo-as aos órgãos competentes;

X – promover estudos e campanhas para aperfeiçoamento profissional;

XI – publicar relatórios anuais de seus trabalhos;

XII – convocar e realizar as eleições para sua diretoria;

XIII – exercer as demais atribuições que lhe forem conferidas por lei.

 

Art. 15. Compete aos Conselhos Regionais:

I- deliberar sobre inscrição no Conselho e seu cancelamento;

II – disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, observadas as diretrizes gerais do Conselho Federal;

III – fazer executar as instruções e provimentos do Conselho Federal;

IV – manter o registro dos profissionais com exercício na respectiva jurisdição;

V – conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo as penalidades cabíveis;

VI – elaborar a sua proposta orçamentária anual e o projeto de seu regimento interno e submetê-los à aprovação do Conselho Federal;

VII – expedir a carteira profissional indispensável ao exercício da profissão, a qual terá fé pública em todo o território nacional e servirá de documento de identidade;

VIII – zelar pelo bom conceito da profissão e dos que a exerçam;

IX – publicar relatórios anuais de seus trabalhos e relação dos profissionais registrados;

X – propor ao Conselho Federal medidas visando à melhoria do exercício profissional;

XI – fixar o valor da anuidade;

XII – apresentar sua prestação de contas ao Conselho Federal, até o dia 28 de fevereiro de cada ano;

XIII – eleger sua diretoria e seus delegados eleitores ao Conselho Federal;

XIV – exercer as demais atribuições que lhes forem conferidas por esta Lei ou pelo Conselho Federal. “

 

Observa-se pelo elenco das funções acima, autorizadas por lei, que não constam a possibilidade de emissão de Resoluções que alterem o livre exercício profissional estabelecido pela Constituição Federal e a de restrição das funções admitidas aos Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem pela lei que criou e regulamentou as atividades permitidas a esses profissionais.

 

Assim, a criação de categorias internas ou padrões entre os Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, limitando as funções que possam ser exercidas por cada um deles, é ato ilegal que não pode ser admitido por contrariar as disposições legais e constitucionais.

 

 

3.1. Resoluções do COFEN – 260/2001, 261/2001 e 266/2001.

 

            As Resoluções dos Conselhos não podem alterar o sistema jurídico profissional constituído, devendo apenas expedir instruções para uniformizar procedimento,  aperfeiçoamento profissional e congêneres, desde que não limitem as funções profissionais, o que a lei não autoriza, podem resolver quanto a atividade profissional da categoria desde que não desconstituam direitos já concedidos por lei.

 

A Resolução do COFEN 260/2001 fixa as especialidades de enfermagem, em:

 

1. Obstetrícia
2. Trabalho
3. Hemodinâmica
4. Educação Continuada
5. Dermatologia
6. Traumato-ortopedia
7. Unidade de Esterilização
8. Psiquiátrica
9. Saúde Mental
10. Cardiovascular
11. Endoscopia
12. Home-Care
13. Oftalmologia
14. Oncologia
15. Centro-Cirúrgico
16. Estomaterapia
17. Nefrologia
18. Auditoria
19. Unidade de Tratamento Intensivo
20. Gerenciamento
21. Nutrição Parenteral
22. Terapias Naturais
23. Neonatologia
24. Pediatria
25. Ginecologia
26. Saúde de Família
27. Saúde Coletiva
28. Gerontologia e geriatria
29. Endocrinologia
30. Aero-espacial
31. Informática
32. Diagnóstico por Imagem
33. Emergência
34. Clínica Cirúrgica
35. Clínica Médica
36. Atendimento Pré-Hospitalar
37. Infecção Hospitalar

 

Contudo, observe-se que tais especialidades não podem vincular as atividades expressas na lei, sendo admitidas como meras atividades de uniformização da profissão, mas que não podem restringir a atividade do enfermeiro no livre exercício de profissão. Naquilo em que não alterarem as disposições legais podem ser admitidas, mas não podem contrariá-la de forma alguma.

 

Quanto a atividade de Auditoria, a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, em art. 11, I, h, a lei a autoriza a qualquer Enfermeiro, mas de modo privativo, ou seja, apenas o Enfermeiro, aquele definido nos termos do art. 6º dessa mesma lei pode exercê-la (item 1).

 

Assim, qualquer limitação estabelecida por Resolução do COFEN, quanto a atividade de Auditoria, deve ser dita como mera orientação não vinculando o profissional – Enfermeiro.

 

Dessa forma a Resolução 266/2001 do COFEN que aprova as atividades do Enfermeiro Auditor, estabelece tão somente uma orientação, já que somente a lei poderia estabelecer distinções, e onde a lei não distinguiu não pode o poder regulamentar da entidade diferenciar. Nas atividades onde a lei não veda atuação do Enfermeiro pode a Resolução do COFEN ampliar, desde que não contrarie qualquer disposição legal, o contrário, ou seja, vedar onde a lei não ousou fazê-lo não pode se admitir.

 

Veja-se o anexo da Resolução 266/2001, que estabelece:

 

I – É da competência privativa do Enfermeiro Auditor no Exercício de suas atividades:  Organizar, dirigir, planejar, coordenar e avaliar, prestar consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre os serviços de Auditoria de Enfermagem.

II – Quanto integrante de equipe de Auditoria em Saúde:

a) Atuar no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde;

b) Atuar na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde;

c) Atuar na elaboração de medidas de prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados aos pacientes durante a assistência de enfermagem;

d) Atuar na construção de programas e atividades que visem a assistência integral à saúde individual e de grupos específicos, particularmente daqueles prioritários e de alto risco;

e) Atuar na elaboração de programas e atividades da educação sanitária, visando a melhoria da saúde do indivíduo, da família e da população em geral;

f) Atuar na elaboração de Contratos e Adendos que dizem respeito à assistência de Enfermagem e de competência do mesmo;

g) Atuar em bancas examinadoras, em matérias específicas de Enfermagem, nos concursos para provimentos de cargo ou contratação de Enfermeiro ou pessoal Técnico de Enfermagem, em especial Enfermeiro Auditor, bem como de provas e títulos de especialização em Auditoria de Enfermagem, devendo possuir o título de Especialização em Auditoria de Enfermagem;

h) Atuar em todas as atividades de competência do Enfermeiro e Enfermeiro Auditor, de conformidade com o previsto nas Leis do Exercício da Enfermagem e Legislação pertinente;

i) O Enfermeiro Auditor deverá estar regularmente inscrito no COREN da jurisdição onde presta serviço, bem como ter seu título registrado, conforme dispõe a Resolução COFEN Nº 261/2001;

j) O Enfermeiro Auditor, quando da constituição de Empresa Prestadora de Serviço de Auditoria e afins, deverá registrá-la no COREN da jurisdição onde se estabelece e se identificar no COREN da jurisdição fora do seu Foro de origem, quando na prestação de serviço;

k) O Enfermeiro Auditor, em sua função, deverá identificar-se fazendo constar o número de registro no COREN sem, contudo, interferir nos registros do prontuário do paciente;

l) O Enfermeiro Auditor, segundo a autonomia legal conferida pela Lei e Decretos que tratam do Exercício Profissional de Enfermagem, para exercer sua função não depende da presença de outro profissional;

m) O Enfermeiro Auditor tem autonomia em exercer suas atividades sem depender de prévia autorização por parte de outro membro auditor, Enfermeiro, ou multiprofissional;

n) O Enfermeiro Auditor para desempenhar corretamente seu papel, tem o direito de acessar os contratos e adendos pertinentes à Instituição a ser auditada;

o) O Enfermeiro Auditor, para executar suas funções de Auditoria, tem o direito de acesso ao prontuário do paciente e toda documentação que se fizer necessário;

p) O Enfermeiro Auditor, no cumprimento de sua função, tem o direito de visitar/entrevistar o paciente, com o objetivo de constatar a satisfação do mesmo com o serviço de Enfermagem prestado, bem como a qualidade. Se necessário acompanhar os procedimentos prestados no sentido de dirimir quaisquer dúvidas que possam interferir no seu relatório.

III – Considerando a interface do serviço de Enfermagem com os diversos serviços, fica livre a conferência da qualidade dos mesmos no sentido de coibir o prejuízo relativo à assistência de Enfermagem, devendo o Enfermeiro Auditor registrar em relatório tal fato e sinalizar aos seus pares auditores, pertinentes à área específica, descaracterizando sua omissão.

IV – O Enfermeiro Auditor, no exercício de sua função, tem o direito de solicitar esclarecimento sobre fato que interfira na clareza e objetividade dos registros, com fim de se coibir interpretação equivocada que possa gerar glosas/desconformidades, infundadas.

V – O Enfermeiro, na função de auditor, tem o direito de acessar, in loco toda a documentação necessária, sendo-lhe vedada a retirada dos prontuários ou cópias da instituição, podendo, se necessário, examinar o paciente, desde que devidamente autorizado pelo mesmo, quando possível, ou por seu representante legal. Havendo identificação de indícios de irregularidades no atendimento do cliente, cuja comprovação necessite de análise do prontuário do paciente, é permitida a retirada de cópias exclusivamente para fins de instrução de auditoria.

VI – O Enfermeiro Auditor, quando no exercício de suas funções, deve ter visão holística, como qualidade de gestão, qualidade de assistência e quântico-econômico-financeiro, tendo sempre em vista o bem estar do ser humano enquanto paciente/cliente.

VII – Sob o Prisma Ético.

a) O Enfermeiro Auditor, no exercício de sua função, deve fazê-lo com clareza, lisura, sempre fundamentado em princípios Constitucional, Legal, Técnico e Ético;

b) O Enfermeiro Auditor, como educador, deverá participar da interação interdisciplinar e multiprofissional, contribuindo para o bom entendimento e desenvolvimento da Auditoria de Enfermagem, e Auditoria em Geral, contudo, sem delegar ou repassar o que é privativo do Enfermeiro Auditor;

c) O Enfermeiro Auditor, quando integrante de equipe multiprofissional, deve preservar sua autonomia, liberdade de trabalho, o sigilo profissional, bem como respeitar autonomia, liberdade de trabalho dos membros da equipe, respeitando a privacidade, o sigilo profissional, salvo os casos previstos em lei, que objetive a garantia do bem estar do ser humano e a preservação da vida;

d) O Enfermeiro Auditor, quando em sua função, deve sempre respeitar os princípios Profissionais, Legais e Éticos no cumprimento com o seu dever;

e) A Competência do Enfermeiro Auditor abrange todos os níveis onde há a presença da atuação de Profissionais de Enfermagem;

VIII – Havendo registro no Conselho Federal de Enfermagem de Sociedade de Auditoria em Enfermagem de caráter Nacional, as demais Organizações Regionais deverão seguir o princípio Estatutário e Regimental da Sociedade Nacional.

IX – Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Federal de Enfermagem.

 

 

A Resolução 261/2001, mencionada no inciso II, alínea “h”, acima citada, exige o título de pós-graduação em Auditoria do Enfermeiro para exercício da referida atividade ou especialidade. Entende-se que tal Resolução e as acima citadas criariam restrição não imposta pela lei, podendo ser combatida por pretensão apresentada ao Poder Judiciário, caso o COFEN ou CORENs limitem a atuação profissional do Enfermeiro Auditor. No ponto a Autarquia excedeu-se no poder regulamentar e instituiu ditames mais gravosos que a lei que regulamenta a profissão e a própria Constituição Federal, o que, de todo, é desproporcional e, portanto, inconstitucional.

 

Mesmo considerando que o Regimento Interno do COFEN (Resolução 242/2000) tenha autorizado tal medida (inciso XII da referida resolução), a mesma é dessarrazoada e contrária ao sistema legal vigente, impedindo o amplo acesso profissional ao Enfermeiro, que dentre as suas atividades privativas concedidas pela lei pode atuar livremente como Auditor (art. 11, alínea “h”, da Lei nº 7.498/86).

A lei que instituiu o COFEN e estabeleceu suas funções somente autorizou estabelecimento de Regimento Interno para o órgão, medida de caráter eminentemente administrativo, não permitindo discriminações quanto ao exercício da profissão.

 

Mas, ressalte-se que qualquer medida que impeça o exercício da profissão deve ser combatida judicialmente, caso não seja possível a conciliação.

 

 

4. Acesso ao Prontuário do Paciente aos Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem

 

Os dispositivos legais que instituem e regulamentam as atividades de Enfermagem e congêneres no Brasil não vedam ou restringem o acesso do Enfermeiro e Técnicos de Enfermagem aos prontuários de pacientes no exercício da profissão. Portanto, qualquer espécie de ato regulamentar que o faça é ilegal e deve ser prontamente desconstituído judicialmente.

 

Apesar de tal documentação ser denominada, usualmente, de maneira corriqueira, “Prontuário Médico” o mesmo não pertence ao médico, mas sim ao paciente, conforme estabelecido pelo artigo 14,  inciso II, do Decreto 94.406/87, que regulamenta a lei do exercício da enfermagem, e declara que o prontuário é do paciente:

Incumbe a todo o pessoal de enfermagem:
(…)

II – quando for o caso, anotar no prontuário do paciente as atividades da Assistência de enfermagem, para fins estatísticos”.

 

Observe-se que pessoal de enfermagem são todos aqueles elencados pelo referido decreto, art. 1º: Enfermeiro, Técnico de Enfermagem, Auxiliar de Enfermagem e Parteiro. Logo, todos esses profissionais devem ter acesso ao prontuário do paciente.

 

Celso Schamalfuss Nogueira conceitua: “O prontuário médico é constituído de um conjunto de documentos padronizados, contendo informações geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo” .

 

Assim, o prontuário do paciente deve ser de acesso livre aos profissionais de saúde que com ele lidam para que possam dar-lhe amplo acesso a esse direito fundamental assegurado a cada cidadão.

 

O COFEN insurgiu-se contra a Resolução 1605/00 do Conselho Federal de Medicina, que exigia dos Profissionais de Saúde, para manuseio e acesso ao prontuário do Paciente, a autorização do Médico Assistente. O Dr. Charles Renaud Frazão de Moraes, Juiz Federal Substituto da 14ª Vara Federal do Distrito Federal, proferiu a seguinte decisão quanto ao tema, invalidando a referida Resolução:

 

“Extrai-se do artigo 14,  inciso II, do Decreto 94.406/87 que faz parte do exercício da profissão de enfermeiro fazer anotações no prontuário dos pacientes. Assim, a Resolução nº 1.605/00 que proibiu o acesso dos enfermeiros a esses documentos inviabilizou o pleno exercício desta profissão, uma vez que é nos prontuários onde se encontram os registros de todos os dados relativos à saúde do paciente no período em que se encontra no hospital. Ao se permitir a permanência dos efeitos dessa resolução, estar-se-á, certamente, contrariando a própria natureza da profissão dos enfermeiros, que é a de acompanhar, por meio da observação e da averiguação dos apontamentos feitos no prontuário a evolução dos pacientes.

 

Há que se notar, ainda, que o conteúdo restritivo da referida resolução atenta contra o princípio constitucional da razoabilidade, insculpido na cláusula substantive due process of law. Assim é que toda e qualquer norma despida do necessário coeficiente de razoabilidade entre os meios e os fins a que se destina deve ser tida como insubsistente em nosso ordenamento jurídico. Máximo quando concebida por um órgão de classe restringindo direitos de profissionais de área distinta.

 

Acrescenta-se, ainda, que o réu extrapolou o seu poder regulamentar, ao criar a referida obrigação não prevista em lei, o que é proibido por nosso ordenamento jurídico.

 

Resta dizer ainda que estabelecer proibições em desacordo com o disposto em lei é ilegal, por ofensa ao princípio da hierarquia das leis que não pode ser relegada, sob pena de criação de normas ilegais e inconstitucionais.

 

É mais do que sabido que instruções normativas, resoluções e atos administrativos inferiores não podem regulamentar comandos superiores, como as leis ordinárias.”

 

 

5. Conclusão

 

Dessa forma, pode-se concluir que quaisquer limitações instituídas por regulamentações, resoluções, portarias ou atos da mesma natureza estabelecida pelo Conselho Federal de Enfermagem, Conselho Regional de Enfermagem ou qualquer outra Autarquia Profissional não pode limitar o livre acesso profissional do Enfermeiro, estabelecido pelas leis em análise.

 

Logo, pode-se afirmar que o Enfermeiro, expressão genérica utilizada pela lei, que não admite limitações, pode livremente exercer suas atividades privativas, conforme descrito no item 1 desta análise, para tanto, livre o seu acesso ao prontuário do paciente, conforme Decreto 94.406/87. Assim, todos os profissionais de Enfermagem têm livre acesso prontuário do paciente e não podem sofrer quaisquer restrições no exercício de sua atividade primordial.

 

Quanto à atividade de auditoria a mesma foi autorizada pela lei a todo Enfermeiro, de modo privativo, não sendo a mesma admitida ao Técnico de Enfermagem, o que deve ser observado no exercício da profissão. Mas, a exigência de pós-graduação a esses profissionais através de Resolução do Conselho Federal de Enfermagem é ato ilegal e não deve ser tida como obrigatória, mas mera observação, da qual não há caráter vinculativo.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

1. Moraes, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: 4ª Edição, Editora Atlas..

2.Kurcgant P et al. Administração em enfermagem. São Paulo: EPU, 1991. 237p.

3. Sá A L. De Curso de auditoria. 4.ed. , São Paulo:Atlas, 1969. v.1.

4. www.planalto.gov.br/legislacao

5. www.portalconfen.com.br

6. www.trf1.gov.br

7. www.portalmedico.org.br

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduada em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

Como citar e referenciar este artigo:
, Ravênia Márcia de Oliveira Leite. Acesso ao Prontuário Médico aos Enfermeiros e o Livre Exercício de Profissão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/acesso-ao-prontuario-medico-aos-enfermeiros-e-o-livre-exercicio-de-profissao/ Acesso em: 29 mar. 2024