Sociedade

Hierarquia civil e hierarquia militar

Hierarquia civil e hierarquia militar

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Hierarquia significa ordem e subordinação dos poderes eclesiásticos, civis e militares.

 

Na hierarquia civil, há uma graduação de autoridade correspondente a inúmeras categorias de servidores públicos lato sensu (agentes políticos, funcionários públicos, empregados públicos) da mesma forma que na hierarquia militar, há ordenação da autoridade em diferentes níveis dentro da estrutura das Forças Armadas. No Exército, o General de Exército encontra-se no topo da hierarquia. Não existe mais o posto de Marechal de Exército em tempo de paz. Na Aeronáutica, situa-se no topo da hierarquia o Tenente Brigadeiro, ao passo que, na Marinha, o posto de Almirante de Esquadra representa a mais elevada graduação em tempo de paz.

 

Há, contudo, uma diferença sutil entre a hierarquia militar e a hierarquia civil. A hierarquia militar está diretamente relacionada com a instituição militar, ao passo que, a hierarquia civil encontra-se relacionada com a pessoa física ocupante do cargo ou função.

 

Por isso, na hierarquia militar a sua observância é bem mais rigorosa e a sua quebra implica desestabilização da estrutura institucional. A quebra de hierarquia no Exército, no passado, serviu de estopim para a deflagração do Movimento Revolucionário de 1964. No governo Geisel, quando houve divergências entre o Presidente da República e o Ministro do Exército, General Silvio Frota, representante da linha dura, em 12 de outubro de 1977, este foi exonerado e toda corporação militar passou a subordinar-se, sem problemas, ao novo Ministro. O importante é a instituição e não quem está no comando da instituição.

 

Mais recentemente, quando o Presidente da República interferiu na hierarquia e disciplina no âmbito da Aeronáutica, impedindo a punição dos militares controladores de vôos que haviam se rebelado (motim), houve imediata 2 reação das três forças singulares, exatamente porque a hierarquia militar está mais ligada à instituição militar, de natureza perene, e menos à pessoa que exerce a autoridade, necessariamente, de natureza temporária. Por isso, o Presidente da República teve que voltar atrás. Para alguns leigos o Presidente da República, por ser o comandante supremo das Forças Armadas, poderia passar por cima do comandante da força singular. Ora, exatamente por ser o comandante supremo a quebra da disciplina e da hierarquia militar por parte dele é bem mais grave do que a quebra perpetrada, por exemplo, por um sargento. A hierarquia civil está sempre ligada à pessoa que detém o poder hierárquico, o poder de ordenar. As pessoas são passageiras, ao passo que, as instituições são permanentes. Por isso, ela é menos eficaz do que a hierarquia militar. As autoridades são sempre passageiras.

 

É comum os servidores de escalões subalternos deixarem de executar as ordens emanadas de escalões superiores, quando há mudanças das pessoas ocupantes de cargos correspondentes a esses escalões superiores. A ordem dada por um governante (Presidente da República, Governador ou Prefeito) no final de mandato dificilmente será cumprida pelos subordinados. Só para citar, um exemplo no âmbito do Município de São Paulo. Em setembro de 1988, o então Prefeito Jânio Quadros autorizou a ACAL – Associação Cultural e Assistencial da Liberdade, antiga Associação de Lojistas da Liberdade, a ocupar, a título precário, o terreno sito à Av. Liberdade, remanescente de desapropriação, e que vinha servindo como depósito de lixos, para edificação de sua sede social.

 

O despacho publicado no DOM do dia 10-9-1988 tem o seguinte teor:

 

“I – Tendo em vista que a construção do Centro de Cultura Oriental sob o patrocínio da Associação dos Lojistas da Liberdade, se revela de especial interesse para a comunidade local e para a Cidade, AUTORIZO que a entidade ocupe, em caráter precário, a área municipal localizada na Avenida Liberdade, contígua ao Viaduto Guilherme de Almeida.

II – PATR, deverá, incontinenti, promover estudo e elaborar minuta de projeto de lei visando à concessão de uso da área municipal em apreço. Publique-se.

São Paulo, 09 de setembro de 1988.

Jânio Quadros

Prefeito”.

 

A autorização a título precário ocorreu em virtude da proximidade da data de inauguração da sede da ACAL, com o objetivo de abrilhantar o festejo comemorativo do convênio celebrado entre São Paulo e Osaka tornando-as cidades irmãs.

Entretanto, o legítimo despacho do item II, proferido no uso das atribuições normais do Chefe do Executivo Municipal para que o Departamento Patrimonial da Prefeitura (PATR) providenciasse incontinenti a elaboração da minuta de projeto de lei de concessão de uso real jamais seria cumprido, porque o Prefeito Jânio Quadros encerrava o seu mandato naquele ano de 1988. Decorridos anos, PATR resolveu vistoriar a área encontrando a sede pronta com jardim oriental. Logo cuidou de invocar um filigrama jurídico para não ter que prosseguir no trabalho de medição da área, elaboração de planta e de projeto de lei. Tratou de classificar a área como sendo uma praça pública, portanto, bem de uso comum, a impossibilitar a concessão de real de uso. Confundiu-se, deliberadamente, praça pública com jardim oriental que faz parte integrante do projeto de edificação do prédio-sede da ACAL. Resultado, passou-se por cima daquele despacho legal e legítimo. Servidores de menor hierarquia induziram a Prefeitura a ingressar com a ação de reintegração de posse, a qual, já foi julgada procedente em primeira instância, aguardando julgamento da apelação.

 

Tamanha é a indisciplina e desprezo ao princípio da hierarquia que enquanto o escalão superior da administração municipal discute com os dirigentes da ACAL a forma de preservação e manutenção da paisagem oriental do Bairro da Liberdade, bem como as programações de eventos com a ajuda da Sub Prefeitura 4 local, servidores de escalões inferiores estão empenhados em alijar a ACAL do imóvel. Talvez, esses servidores queiram reimplantar o lixão que lá existia e que atraia moscas e roedores daninhos.

 

Esse tipo de balbúrdia, indisciplina e confusão jamais ocorreu, nem ocorreria no âmbito das instituições militares em que a disciplina e a hierarquia aparecem como valores constitucionalmente consagrados (art. 142 da CF).

 

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.

Site: www.haradaadvogados.com.br

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Hierarquia civil e hierarquia militar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/hierarquia-civil-e-hierarquia-militar/ Acesso em: 18 abr. 2024