“A polícia chegou lá de uma maneira cruel, atirando, jogando granada, sem perguntar quem era”[1]. Esse é o relato de um pai, que como muitos outros perdeu seu filho em uma operação policial no estado do Rio de Janeiro. Trata-se de do pai de João Pedro, que foi alvejado por um tiro de fuzil dentro de sua casa, no Complexo do Salgueiro, cidade de São Gonçalo. O caso gerou comoção nacional, diante da forma ocorrida e do desaparecimento do corpo do jovem, onde a família não foi notificada, sabendo que seu corpo se encontrava no Instituto Médico Legal de Niterói. A tia do jovem, Denise Roz, afirmou que:
“A polícia chegou atirando e não sabíamos de nada. Quando conseguimos chegar na casa, as crianças já estavam do lado de fora, no muro, e os policiais dentro da casa dizendo que nós não poderíamos entrar. Um dos meninos que estavam na casa começou a gritar quando a polícia entrou, avisando que ali havia crianças e uma menina na casa. Depois que viram que ele estava baleado, o João Pedro foi levado para dentro do helicóptero que estava pousado no campo. Depois disso, ninguém teve mais notícias”
Porém, o caso de João Pedro não é o primeiro e infelizmente, é pouco provável que seja o último. Isso pode ser explicado durante toda a história do Brasil, que passou por um período escravocrata, terminado a pouco mais de cento e trinta anos, que oprimia negros, praticando todos os tipos de violências possíveis. O período de escravidão foi tão marcante na história do país que até hoje a sociedade carrega o “pensamento colonial”, que remete a prática de achar tudo que é branco mais bonito, remetendo não só a cor, como traços, cabelos, religião, entre outros.
A mentalidade retrógrada do brasileiro se mostrou evidente em relação ao caso do menino Miguel, que morreu após ter sido deixado aos cuidados da patroa de sua mãe, onde a criança, sem os devidos cuidados, fatalmente acabou caindo do nono andar do edifício que reside a patroa[2]. Uma das coisas mais chocantes do ocorrido foi o fato da mãe de Miguel estar trabalhando em plena pandemia, apresentando mais uma prática colonial brasileira, a empregada doméstica. Em uma entrevista à BBC News, uma historiadora afirmou “A nossa supremacia branca é assim. Não tivemos leis segregacionistas, como nos Estados Unidos, mas temos o mesmo princípio de que algumas pessoas são mais humanas do que outras[3]”. A cultura colonial do Brasil é tão grande, a grande diáspora brasileira para Portugal, advinda há poucos anos, fez as imobiliárias portuguesas se adaptarem a construção de imóveis com quartos para empregados domésticos[4].
É possível observar as semelhanças entre o passado colonial do Brasil, que se negou a aceitar a sua população como negra, fazendo de tudo para “embranquecer” os afrodescendentes. Isso ocorreu principalmente em decorrência da grande imigração europeia que chegou em sua maioria entre os séculos XIX e XX. Naquela época, a teoria da eugenia, que se baseou fortemente no darwinismo social, estava começando a se fortalecer pelo mundo, com o pensamento que pessoas brancas seriam superiores apenas por serem brancos.
O quadro “A Redenção de Cam”, datado de 1895 e feito pelo pintor espanhol Modesto Brocos y Gómez, detalha a realidade do Brasil à época. Basicamente, a obra apresenta uma mulher negra, seguida de sua filha, que é uma negra de pele clara segurando um bebê branco, com o seu marido ao lado, possivelmente um imigrante europeu. O quadro é uma clara referência ao embranquecimento ocorrido no Brasil.
Além disso, as desigualdades se mostram evidentes em se tratando de diferença salarial. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2018, mostrou que o rendimento médio mensal da população branca era de R$2.796, enquanto que para a população negra era de R$1.608. Na educação também há uma disparidade[5]. A taxa de analfabetismo entre a população negra que, ainda hoje, representa 9,1% e a proporção de indivíduos negros com 25 anos ou mais que possuem ensino médio ainda é de apenas 45%.
O encarceramento da população negra também é gritante. De acordo com o Infopen, um sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário, o Brasil hoje tem o quarto maior sistema carcerário do mundo, com aproximadamente 700 mil presos, onde 61,7 % são negros ou pardos[6]. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mais de 60% das mulheres e 25% dos homens presos respondem por tráfico, que é a causa mais frequente de prisão para ambos os gêneros. Isso escancara que a atual Lei de Drogas apenas leva ao encarceramento em massa da população negra.
Dessa maneira, é possível observar que o ocorrido nos dias atuais é apenas reflexo da história. É imperiosa a reflexão no tocante a continuidade do pensamento colonial inserido na cultura do brasileiro, que tenta a oprimir, segregar e marginalizar o negro. A escravidão, terminada há mais de cento e trinta anos, reflete nos dias atuais, nos levando ao questionamento se ela realmente acabou, pois ao observar a segregação presente na sociedade brasileira, parece que a escravidão não acabou, apenas está diferente.
Referências
Autor:
Pedro Vitor Serodio de Abreu: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, auxiliar jurídico na área do Direito Empresarial, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica. Formação complementar em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Senado Federal, Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão, Gestão das Finanças Públicas pela Organização das Nações Unidas e Conselhos de Direitos Humanos pela Escola Nacional de Administração Pública.