Sociedade

Erro médico e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro

João do Nascimento*

Rafael Neres*

Mauro Lúcio*

Resumo: Este artigo propõe um breve panorama sobre a questão do erro médico e seus reflexos no ordenamento jurídico, discutindo a prestação de serviços médicos, sua eficiência, as perspectivas em torno da culpa; conceitos e noções mais significativas para o entendimento do tema. O que se pretende é lançar algumas ideias e interpretações sobre o erro médico.

Sumário: 1. Introdução; 2. O Erro médico perante a legislação brasileira; 3. Novas perspectivas; 4. Considerações finais; 5. Referências.

Palavras-chave: Erro médico, dano, culpa, responsabilidade, indenização, legislação.

1. Introdução 

Este artigo propõe uma discussão sobre a temática do Erro médico, tema que vem despertando a atenção da jurisdição nos últimos anos, devido aos danos causado a aqueles que se submetem a alguma intervenção médica e muitas vezes não obtém o sucesso esperado. Com base nessa assertiva, iremos discorrer sobre o conceito de erro médico para a medicina, para o ordenamento jurídico e a culpa ou responsabilidade subjetiva daqueles que concorreram chamado erro médico.

Para início de discussão é necessário definir um conceito técnico para o termo erro médico, que norteará as argumentações; pensando nessa circunstância, França, 1995, define da seguinte forma.

Erro médico é o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do médico. O erro médico pode se verificar por três vias principais. A primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da “falta de observação das normas técnicas”, “por despreparo prático” ou “insuficiência de conhecimento” mais frequente na iniciativa privada por motivação mercantilista. O segundo caminho é o da imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. O terceiro caminho é o da negligência, a forma mais frequente de erro médico no serviço público, quando o profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a instituição. O erro médico pode também se realizar por vias escusas quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às doenças.[1]

O autor faz uma breve descrição do termo para elucidar o caminho para a efetivação do agir médico e o conhecimento técnico, seguido ou não para o desfecho da situação a ser interpretada nos parâmetros da medicina como sendo procedimentos realizados fora do que se tem como adequado pelas práticas médicas.

Além do conceito técnico proposto pelo autor, temos ainda a conceituação do assunto, que é referenciada pelo entendimento do leigo, fugindo dos aspectos legais, descritos para concretizar uma ação ou omissão. O leigo entende o erro médico como sendo “resultado da ordem natural da vontade divina, ou seja, a uma presunção de infalibilidade da ação divina, sendo a cura a purificação e o erro a expressão do pecado” (França, 1995).

Analisando o conceito de erro médico, tanto no aspecto técnico e do senso comum podemos perceber que se trata de uma intervenção no organismo humano, que deveria ser realizada de forma a preservar a integridade física nos patamares aceitáveis, sem que resulte em incapacidade física permanente, resultante de procedimentos feitos de maneira incorreta, inadequada ou desrespeitando normas técnicas de saúde.

Nesse ponto, é de suma importância ressaltar que o simples atos de um processo de intervenção corpórea mal sucedido já é motivo suficiente para o queixoso recorrer ao ordenamento jurídico para pleitear a devida reparação dos danos sofridos e consequentemente a responsabilidade civil e penal e administrativa pelo executor do ato lesivo.

2. O Erro médico perante a legislação brasileira

Quando ocorre procedimentos médicos vistos como mal sucedidos e resultando em provocação da justiça para averiguação dos fatos, através dos ritos processuais e o devido processo legal, ou seja, isonomia, ampla defesa e o contraditório, conforme a força normativa da Constituição Federal de 1988; verificar-se-á os dispositivos da legislação em que irão serem evocados para fundamentar a ação proposta e tentar resolver a celeuma existente.

A legislação brasileira prevê três modalidades de culpa no que se refere a prática da atividade médica, sendo elas imprudência, imperícia e negligência, lembrando que esta previsão em primeiro momento é de caráter subjetivo, pois não possui comprovação do elemento culpabilidade de alguém no envolvimento na conduta danosa.

Antes de ingressarmos propriamente na ótica do erro médico no ordenamento jurídico, discorreremos sobre a efetividade dos Conselhos Regionais de Medicina, no tocante as funções de fiscalização, normatização e orientação dos profissionais da saúde na realização de procedimentos, que ofereçam segurança à integridade das pessoas.

O Conselho Federal de Medicina como órgão regulador da atividade médica no Brasil, possui competência para decidir administrativamente sobre a conduta dos profissionais de saúde que tiverem sua atuação sendo averiguada, seja por desvios ou circunstâncias que comprometerem o bom nome da atividade no seio da sociedade.

De acordo com o Decreto nº 20.931 de 11 de janeiro de 1932, em seu artigo 11, descreve que:

Art. 11. Os médicos, farmacêuticos, cirurgiões dentistas, veterinários, enfermeiros e parteiras que cometerem falta grave ou erro de ofício, poderão ser suspensos do exercício da sua profissão pelo prazo de seis meses a dois anos, e se exercem função pública, serão demitidos dos respectivos cargos.[2]

Atualmente, ocorrem várias proposituras de ação judiciais, mas para que seja configure o erro médico como ato ilícito e se impute a responsabilidade o dever da reparação, é necessária a presença de três elementos considerados essenciais para a culpabilidade, são eles:

– Conduta culposa;

– Resultado danoso;

– Nexo causal entre a conduta culposa e o resultado advindo;

3. Novas Perspectivas

Dentre os paradigmas emergentes, destaca-se primeiramente a análise interpretativa, perspectiva pela qual o pesquisador trabalha com contrapontos (ideia/ação, sentido/realidade, poder/resistência, trabalho empírico/método crítico) e de maneira cética, nunca tomando categorias tradicionais como certas de imediato. Esta teoria interpretativa da ação refaz a distinção entre ideias e comportamento, considerando a ação social como um conjunto de práticas em que se misturam interesses e representações de mundo, ou de mecanismos e hábitos que autorizam os atores sociais a adaptarem-se a situações mutáveis. Dessa maneira, este tipo de análise alcança posições críticas sobre o direito numa reação realista ao formalismo dominante, elaborando conceitos como interpretive e non-interpretive levados aos Tribunais da Common Law. E dessa forma trazendo para a consciência social uma breve discussão do erro médico como falha profissional que gera impactos na vida de pessoas, tornando-se problema de saúde pública onde o corpo humano não pode ser objeto de especulações mercadológicas ou de ganho financeiro.

Uma vez que a complexidade é marcada pela imprevisibilidade, a preocupação passa a ser a descoberta de modos de inteligibilidade e racionalidade dos sistemas. A teoria da complexidade busca obter modelos de explicação e compreensão de estrutura, funcionamento e transformação de sistemas e subsistemas. A análise complexa tenta examinar interações e recorrências ocasionadas por fatores positivos e negativos de ordem e desordem, dialeticamente antagonistas e complementares (como observou E. Morin). Contudo, ao incorporar incertezas, fenômenos aleatórios e contradições, o paradigma da complexidade traz à tona a questão da gestão ou redução da complexidade (trabalhada por autores como N. Luhmann e A.J. Arnaud).  

4. Considerações finais

O objetivo do texto foi enfatizar que no universo das ciências médicas ocorre erros médicos assim como ocorrem em outras carreiras, mas o erro médico traz consequências devastadoras na vida do atingido, da família e repercussões profundas no ordenamento jurídico, pois muitas vezes o erro médico ceifa a vida, retira a dignidade do pessoa atingida e faz com que a jurisdição fique mais abarrotada com o volume processual, mas ao mesmo tempo faz com os legisladores repensem novas regras de regulação da atividade médica.

Enfim, o texto pretendeu mostrar que o erro médico é um fato que permeia a sociedade atual, gera consequências as vezes irreparáveis para o atingido, principalmente se a pretensão do serviço médico visa dar perfeição a estética daquele que contratou o serviço; sabe-se que existe riscos em todo processo cirúrgico invasivo ao corpo humano, mas muitas vezes esses riscos são ocultados para não comprometer publicidade mercadológica no mundo das ciências médicas; contudo, aquele profissional ou empresa que oferece um serviço cuja intervenção cirúrgica pode afetar a vida, a integridade física do paciente, responderá pelos resultados diferentes dos pretendidos pelo cliente-paciente, já que deu garantia de resultado, principalmente em cirurgias estéticas.

Um relatório de risco cirúrgico não irá isentar o profissional ou a empresa, principalmente se identificado situações de imperícia, imprudência, negligência ou mesmo algum tipo de ocorrência de crime contra a saúde pública como é o caso da aplicação substancias proibidas pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

5. Referências

ARNAUD, André-Jean & FARIÑAS DULCE, Maria José. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 

ARNAUD, André-Jean et al. Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.  

ARNAUD, André-Jean. Critique de la Raison Juridique, I’Où va la sociologie du droit? Paris: LGDJ, 1981. 

CARBONNIER, Jean. Sociologia Jurídica. Coimbra: Livraria Almedina, 1979.  

JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Memórias precoces. In: OAB/RJ. Perspectiva sociológica do direito: 10 anos de pesquisa. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1995.

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. 3a ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.  

SEVERO ROCHA, Leonel. Le destin d´un savoir: une analyse des origines de la sociologie du droit au Brésil. Droit et Société, s/ local, 1988, n. 8, pp. 115-124. 

SOUSA SANTOS, Boaventura de. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez Editora, 2000. 

TREVES, Renato. Sociologie du Droit. Paris: PUF, 1995.

WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico. São Paulo: Acadêmica, 1995. 

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*João do Nascimento

Bacharel em Direito, com pós-graduação em docência do ensino superior, História da Ciência, História e cultura mineira e historiador; e autor de diversos artigos em diversas especialidades do Direito e Sociologia.

* Mauro Lúcio de Paula

Bacharel em Direito

*Rafael Neres

Bacharel em Direito e Advogado em atividade.



[1] França, G. V. Direito médico. 6ed. São Paulo: Fundação BYK, 1995.

[2] Decreto nº 20.931 de 11 de janeiro de 1932. Regula e fiscaliza o exercício da medicina, da odontologia, da medicina veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeira, no Brasil, e estabelece penas.

Como citar e referenciar este artigo:
NASCIMENTO, João do; NERES, Rafael; LÚCIO, Mauro. Erro médico e seus reflexos no ordenamento jurídico brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/erro-medico-e-seus-reflexos-no-ordenamento-juridico-brasileiro/ Acesso em: 16 abr. 2024