Sociedade

A gênese e consequências do processo de imigração no Brasil

Ana Rosa Araújo Farias de Goes[1]

RESUMO

A questão da imigração no Brasil, e no resto do mundo, é tratada a partir de diversos olhares e também por diversos intelectuais e profissionais do campo das ciências sociais. Antropólogos, sociólogos e cientistas políticos estudam, pesquisam e debatem esse fenômeno social observando as diversas categorias e características que lhes dizem respeito. Questões relativas à busca e ocupação da pequena propriedade, de um espaço físico que lhe dê guarida para manutenção de sua sobrevivência, da liberdade econômica, social, política e religiosa, de um meio de trabalho, de reafirmação da sua identidade étnica, são questões que o presente artigo se propõe a explorar, não deixando de investigar, com base no acervo bibliográfico disponibilizado, as questões referentes à “política de assimilação”, de colonização e de “aprimoramento da raça”, bem como qual ou quais as razões que motivaram o processo imigratório no Brasil, suas origens, suas causas e efeitos e como a sociedade brasileira, foco maior desse trabalho, reagiu diante desse fenômeno social tão difundido nos estudos de antropologia, sociologia, ciências políticas, história e outros.

Palavras-chave: Imigrante, colonização, identidade étnica, pequena propriedade.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre a questão da imigração no Brasil, passando também por uma abordagem, não menos importante, da forma geral desse processo, onde pretendo mostrar a origem desse fenômeno social, suas causas, seus efeitos e como a sociedade brasileira o recepcionou.

A escolha deste tema é por considerá-lo de relevância no estudo e pesquisa das relações sociais no Brasil, sobretudo quando essas relações se dão com indivíduos de raças, etnias, culturas, línguas e costumes sociais diferentes.

Para a consecução desse objetivo, busquei diversas informações contidas em acervos bibliográficos os quais considero importantes, como artigos científicos, artigos em revistas, livros, pesquisa na Internet, dentre outros.

Se quisermos entender melhor o processo imigratório no Brasil e no mundo temos, inicialmente, que nos situarmos no contexto em que se deu tal processo, buscar as suas raízes e origens, que geralmente são de natureza econômica, política, social e religiosa, ou seja, para entendermos se a busca daquele que deixou seu país de origem, para ocupar outro território, tanto em termos de espaço físico como econômico, social e político, de fato atendeu às suas necessidades, normalmente ligadas a independência, realização econômica e social, libertação e fuga.

Há quase um consenso entre diversos autores de que o fator econômico tem um maior peso entre os demais, no contexto da imigração em todo mundo. Sayad (1998) trata a temática da imigração considerando-a como uma necessidade para o trabalho, embora sendo a força de trabalho do imigrante uma força provisória.

Petrone (1982) afirma que imigração e colonização foram sempre temas presentes no debate sobre desenvolvimento econômico e social no Brasil. Até mesmo Losurdo (2004), que versa mais sobre o enfoque político, no que diz respeito à emigração/imigração, não deixa de tecer considerações de ordem econômica, quando retrata que a situação de pobreza, após a desintegração do Leste europeu, forçou os excluídos daquelas repúblicas a procurarem o recurso da imigração, em países onde perderam seus direitos políticos e os próprios direitos civis foram ameaçados.

No tocante às questões de ordem política envolvendo o processo de imigração, alguns autores estabelecem determinados enfoques ou categorias de natureza específica do processo migratório, tais como a “assimilação”, “caldeamento”, “identidade étnica” e “branqueamento”, onde tais categorias e processos servem para a análise de uma questão nacional (Seyferth, 1997). Criticando Alexis de Tocqueville, Losurdo (2004) denomina “excluídos da democracia” aos imigrados dos Estados Unidos que, segundo aquele liberal francês, foram os responsáveis pelo agravamento da crise americana que anos depois levaria à Guerra de Secessão.

Analisando também a problemática da imigração no Brasil pela ótica dos movimentos sociais, Gohn (2001) apresenta uma ampla historicidade e cronologia desses movimentos, mapeando e contextualizando de forma social, econômica e politicamente todos eles, seus objetivos, mostrando, também, a sua relação com a construção da cidadania das classes sociais no Brasil, onde diversos conflitos sociais se apresentam em busca da libertação da Coroa Portuguesa e da Metrópole, e o antagonismo das lutas sociais era sempre canalizado para os elementos estrangeiros. Não trata a autora exatamente da questão da imigração no Brasil, mas trata de outros problemas causados pela presença de estrangeiros.

O sonho de uma liberdade econômica e política, a busca por um pedaço de terra para morar, produzir sua subsistência, a atração pela oferta da pequena propriedade, desde que sua ocupação não confrontasse com interesses dos cafeicultores paulistas, a política de colonização que não confrontasse com os interesses do latifúndio nem atravancasse o desenvolvimento do capitalismo em expansão enfim, as políticas de “aprimoramento racial”, a valorização do trabalho e as tradições de ordem política, cultural e étnica, todos esses elementos fazem parte do estudo do processo imigratório no Brasil.

A partir das informações dos diversos autores consultados, tentaremos compreender se esse fenômeno foi satisfatório no sentido de ter atendido à expectativa do imigrante, os efeitos positivos e negativos do processo imigratório sob o olhar da sociedade brasileira e dos governantes em cada momento histórico considerado e se, e de que forma, o processo imigratório contribuiu para alavancar o desenvolvimento do Brasil.

2. O IMIGRANTE: FORÇA DE TRABALHO PERMANENTE OU PROVISÓRIA?

Preliminarmente, cabe lembrar que um dos entendimentos a respeito da figura de um imigrante o considera como um homem que vem para um determinado país com uma esperança de participar da vida econômica, entendendo esse país como a sua terra de trabalho, como a esperança para a sua liberdade.

Sayad (1998) considera a situação de um imigrante como num estado de dupla interpretação: de acordo com as circunstâncias, oscila entre o estado provisório, onde se define uma situação de direito e um estado duradouro, que a caracteriza de fato. O autor apresenta, em A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade, um título sugestivo, já que o imigrante, ao mesmo tempo, é visto como uma força de trabalho necessária e provisória. Vejamos como se pronuncia o aludido autor acerca da provisoriedade do trabalho do imigrante:

Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito. Em virtude desse princípio, um trabalhador imigrante (sendo que trabalhador e imigrante são, neste caso, quase um pleonasmo) mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento. (Sayad, 1998, p.p. 54-55).

A relação entre o trabalho e o imigrante é de tal ordem que, na concepção de Sayad (1998), o próprio imigrante desaparece no momento em que desaparece o trabalho. E ainda, segundo esse autor, “Foi o trabalho que fez ‘nascer’ o imigrante, que o fez existir; é ele, quando termina, que faz ‘morrer’ o imigrante, que decreta sua negação ou que o empurra para o não-ser”. (Sayad, p.55).

Relatos de Petrone (1982) afirmam que desde a época de D. João VI o Brasil começa a receber parcelas de emigrantes europeus, com o fim de estabelecê-los em áreas desabitadas, como pequenos proprietários policultores. Assim, cria-se em 1818, Nova Friburgo, nos arredores do Rio de Janeiro, através dos imigrantes suíços, enquanto que em 1824, surge o núcleo colonial de São Leopoldo, próximo a Porto Alegre, instalado por imigrantes alemães. Esse processo, envolvendo tais projetos de colonização, ou seja, voltados para a policultura, vai se dar até o final da Primeira República.

A partir da década de 1840, um novo cenário se apresenta no processo de imigração no Brasil, onde uma parcela de imigrantes que procuravam nosso país foi disputada pelos cafeicultores paulistas que pretendiam usar o imigrante como braço nas suas lavouras, em substituição ao trabalho escravo.

A autora de O Imigrante e a Pequena Propriedade (1824-1930) apresenta, ainda, um quadro, elaborado em 1950, que mostra o fluxo imigratório no Brasil onde, entre 1820 e 1947 entrou no Brasil um total de 4.903.991 imigrantes. Segundo Petrone (1982), foi a partir de 1850 que o fluxo imigratório tornou-se significativo, tendo o país naquela época cerca de 117.000 imigrantes, atingindo a década de 1880 com 527.000, tendo seu ponto culminante em 1890, com mais de 1.200.000 imigrantes.

3. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL

Se quisermos tentar encontrar a gênese do processo imigratório no mundo inteiro teremos que recorrer a uma série de dados históricos, culturais, econômicos e políticos que nos ajudem a compreender esse processo. De acordo com Petrone (1982), uma série de fatores envolvendo a Europa do século XIX, como a revolução industrial, crescimento populacional, com desequilíbrios demográficos e econômicos, o sentimento de liberdade a partir dos ideais da Revolução Francesa, tudo isso levou o indivíduo a procurar melhores condições de vida além-mar. A autora ainda destaca que:

Havia, portanto, nos países europeus fatores de repulsão desses contingentes humanos marcados pelo pauperismo, pela falta de trabalho e pelo difícil acesso à propriedade fundiária. Nem a crescente urbanização e industrialização, nem tampouco a agricultura, conseguiram absorver esses excedentes demográficos. (Petrone, 1982, p.9).

O capitalismo industrial está entre os fatores que promoveram e auxiliaram as migrações transoceânicas. A marinha mercante, na explicação de Petrone (1982), foi um fomento na aplicação de grandes capitais, pois se tornava necessário não só o transporte dos imigrantes, mas também dos produtos que as populações européias produziam para serem comercializados em outras áreas do globo e pelas próprias populações transplantadas para essas áreas. Vejamos o que nos diz mais explicitamente a autora sobre esse tema:

As migrações transoceânicas não são apenas as respostas aos fatores de atração – a realização do sonho da América – ou de repulsão. Inserem-se no desenvolvimento do capitalismo industrial e desempenham papel definido nesse contexto. Oriundo de acomodações necessárias para o desenvolvimento pleno desse capitalismo, desempenharam papel decisivo no fortalecimento do mesmo nas áreas de origem – de repulsão – e nas de destino – de atração –, não se esquecendo o crescimento das relações capitalistas entre ambas. (Petrone, 1982, p.p. 10-11).

Outro aparente paradoxo se apresenta na história da imigração brasileira quando se incentiva e até se subsidia, a partir dos últimos anos da década de 1900, a vinda de imigrantes para o Brasil, atraídos pelo aparecimento da pequena propriedade, quando nos primórdios de sua colonização o país era caracterizado por ter a sua rede fundiária baseada no latifúndio. É que, desde o início do povoamento brasileiro, desenvolveu-se uma rede fundiária sob a égide do capitalismo comercial, onde o latifúndio é resultante de uma série de fatores entre os quais se destaca a necessidade da grande propriedade que atenderia mais facilmente aos reclamos desse capitalismo, fornecendo em larga escala produtos cobiçados pelo mercado europeu, segundo a conclusão de Petrone (1982).

Argumenta ainda que, durante a Colônia, a atividade hegemônica, que era a plantação da cana-de-açúcar, com a sua atividade subsidiária que era a criação de gado, vai definir a rede fundiária brasileira quase com exclusivismo, impondo a grande propriedade como padrão.

É o acesso à terra, legalmente válido e feito através de sesmarias, que vai alertar o legislador sobre o perigo para o Estado, preocupado com a expansão ilimitada da grande propriedade, forçando este a tomar medidas para delimitar o tamanho das sesmarias e regular a sua concessão.

A experiência pioneira com a pequena propriedade, institucionalmente organizada, foi a do povoamento do litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, onde o braço imigrante foi o dos açorianos, em meados do século XVIII.

O isolamento em que a colônia foi mantida até 1808 foi rompido com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil e a posterior abertura dos portos, o que colocou a sociedade brasileira da época frente a um contato maior com que se passava no mundo.

Com a vinda da Corte dá-se prosseguimento às idéias da necessidade de implantação da pequena propriedade que, na lógica da época, deveria desenvolver-se ao lado da grande propriedade, ser subsidiária desta e não concorrer para o mercado de trabalho. Ou seja, a pequena propriedade teria de ocupar espaços vazios, promovendo a valorização fundiária, e criar condições para o aparecimento de uma camada social entre latifúndio e escravo, camada essa que pudesse, ao mesmo tempo, ser mercado consumidor, oferecer braços ao mercado de trabalho e diversificar a economia com a produção de gêneros para os quais a grande propriedade não tinha interesse.

A partir dessa ideologia, explica Petrone (1982), cabia à pequena propriedade criar uma camada intermediária entre escravos e senhores, com formas econômicas alternativas para, com isso, criar condições que visassem às transformações na vida social e econômica do país. Nesse contexto, conclui a autora, a lógica do país dos latifúndios escravocratas deveria adequar-se à das novas necessidades impostas pelo capitalismo industrial ao mundo. Lógica segundo a qual, para os ideólogos do progresso daqueles tempos, a relação imigrante-pequena propriedade era a base de seus pensamentos e de seus programas.

Valorização fundiária a baixo custo, obtida pelo próprio trabalho do pequeno proprietário, eis outra lógica do capitalismo no Brasil e em toda a América, utilizada na política imigratória.

Essa política imigratória que inicialmente atraía o imigrante para instalá-lo em pequenas propriedades sofre, já na década de 1840, uma cisão provocada por cafeicultores paulistas que pretendiam aproveitar o imigrante para solucionar seus problemas de mão-de-obra, já que se prenunciava a extinção do tráfico de escravos. Algumas tentativas de aproveitar imigrantes suíços e alemães em colônias de parceria, para trabalhar em lavoura de café, não deram bons resultados, devido, em parte, aos contratos serem bastante desfavoráveis aos imigrantes.

É com o advento da República, de acordo com Petrone (1982), que se redefiniram em São Paulo os objetivos da pequena propriedade, já que os serviços de imigração e colonização passaram a ser atribuições dos estados.Essa pequena propriedade, no entanto, se constituirá para complementar e auxiliar a grande propriedade cafeicultora.

Nem tudo que esperava o imigrante lhe foi satisfatório. Desde a fundação de Nova Friburgo ou de São Leopoldo, até fins da primeira República, a promessa era estabelecer o imigrante em lugar favorável para o escoamento de sua produção. Esclarece Petrone (1982) que, entretanto, vingam os interesses que dentro da expansão capitalista visam à valorização fundiária a pequeno custo, onde muitas vezes são criados núcleos em terras muito afastadas dos centros consumidores, atingidas por vias de comunicação extremamente precárias.

Cabe destacar que, de acordo com a autora, “Se muitos imigrantes conseguiram atingir uma situação econômica razoável, outros enfrentaram anos de penúria, chegando muitos ao fracasso completo”. (Petrone, 1982, p.69). E ainda, prossegue afirmando que a insalubridade de algumas áreas aliada às condições climáticas desfavoráveis ao estabelecimento de europeus provenientes de áreas mais temperadas e incapazes de se adaptar, também foram a causa do fracasso de alguns projetos de colonização. Para ela, talvez os fracassos dos imigrantes nos núcleos coloniais fossem mais freqüentes que os sucessos, embora não existam estatísticas comprobatórias, bem como exista a preferência da historiografia da imigração em relatar os ótimos resultados obtidos nos empreendimentos coloniais.

Apesar de todas as dificuldades que os imigrantes encontraram em solo brasileiro, a autora destaca que o imigrante pequeno proprietário desempenhou um papel significativo na nossa sociedade, demonstrando que a pequena propriedade era viável e que a policultura permitia a sua sobrevivência. Destaca ainda Petrone (1982) que com o correr do tempo os colonos foram especializando-se em determinados produtos, sem deixar a técnica e a prática da policultura, pelo menos para garantir sua própria subsistência.

Segue-se ainda outra contribuição do imigrante, instalado em pequena propriedade, destacada pela autora, a qual se refere ao campo ideológico, e não somente na vida econômica e social. Nesse sentido, afirma Petrone (1982, p. 81), “A valorização do trabalho tem que ser destacada, já que ocupa lugar central na ideologia do imigrante”.

Uma dessas contribuições trazidas pelos imigrantes, no campo das idéias e ligadas às suas tradições, foi o pensamento anarquista e socialista, na época de grande veiculação entre operários e intelectuais europeus.

4. A IDENTIDADE ÉTNICA, A POLÍTICA ASSIMILACIONISTA E O “APRIMORAMENTO DA RAÇA”

Num artigo apresentado à Revista de Antropologia nº 29, de 1986, Seyferth (1986) apresenta uma análise da identidade étnica em três grupos diferentes de imigrantes que se instalaram no Brasil, em meados do século XIX – italianos, alemães e poloneses.

A autora começa destacando, o que considera o fato mais importante, o compartilhamento, por parte desse grupo de imigrantes, de uma identidade comum e diferenciadora diante da população brasileira: todos se consideravam e eram considerados colonos estrangeiros. Levanta ainda outro problema que tem muita importância para a questão étnica:

As colônias “estrangeiras” tomaram para si a tarefa de construir suas escolas, hospitais, igrejas, contratar professores e médicos, providenciar padres e pastores da mesma origem dos colonos, seja por faltas de recursos ou mesmo por descaso dos governos provinciais, que pouco se preocuparam com suas obrigações a esse nível. Em algumas colônias oficiais até o diretor era, muitas vezes, um estrangeiro. (Seyferth, 1986, p. 58).

Verifica-se a reafirmação da identidade estrangeira nas palavras da autora, porém ela ainda nos esclarece que as questões pertinentes às idéias de “germanidade”, “italianidade” e “polonidade” vão gerar confrontos entre esses imigrantes e a população dita luso-brasileira, num momento em que uma nova legislação imigratória entra em vigor, modificando a composição étnica das colônias, dando poderes ao governo para interferir diretamente sobre as instituições comunitárias e a cultura étnica dos colonos.

Essa mesma autora, ao tratar da questão da assimilação dos imigrantes, nos mostra a forte campanha de nacionalização implementada durante o Estado Novo (1937-1945), visando o caldeamento de todos os estrangeiros, considerados alienígenas, em nome da unidade nacional.

Para Seyferth (1997), o exército teve papel importante na idealização e efetivação prática da campanha, por conta de pressupor que os núcleos de colonização estrangeira constituiriam “quistos” no corpo da nação.

A assimilação ou caldeamento é, segundo Seyferth (1997), entendida como nacionalização e não como processo de mudança cultural e social. Tratava-se de transformar indivíduos nascidos no Brasil – portanto, brasileiros segundo o jus soli – em “nacionais”.

Ainda de acordo com Seyferth (1997), o sentido do “abrasileiramento” pretendido pelos integrantes da campanha assimilacionista era a incorporação à sociedade brasileira, mas numa concepção bem ampla de melting pot, com a integração racial pelo “caldeamento”.

Por fim, a autora coloca que a assimilação como questão nacional tinha como premissa a substituição dos símbolos étnicos por outros representativos de brasilidade.

5. IMIGRAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

Dentre os diversos conflitos sociais existentes no Brasil, em meados do século XIX, destacam-se aqueles entre categorias econômicas envolvendo comerciantes brasileiros e comerciantes portugueses. Logo, conclui-se que a presença de estrangeiros ou imigrantes que vieram se estabelecer em nosso país, à busca de trabalho, meio de subsistência ou empreendimentos econômicos, foi indesejada por uma parcela significante da população brasileira.

Para Gohn (2001), a herança do século XVIII foram as lutas sociais e os movimentos pela independência, que tiveram como característica comum o desejo de libertação da Metrópole. Destaca ainda a autora que “O antagonismo das lutas era sempre canalizado para os elementos estrangeiros, fazendo com que a questão da nação sobrepujasse a das classes”. (Gohn, 2001, p. 24). Ela ainda deixa claro que, apesar das massas populares não estarem excluídas dos movimentos e das lutas do período, os inimigos dos líderes dos movimentos nacionais eram os comerciantes estrangeiros, os políticos da Corte e a Metrópole em geral. Só para se ter uma idéia, a Revolução Praieira de 1847 possuía conteúdos profundamente antilusitanos.

A revolta contra os comerciantes estrangeiros, ocorrida em 1872 na cidade de Goiânia, também esclarece a insatisfação dos nacionais contra esses comerciantes, que trabalhavam com mercadorias também estrangeiras, vendidas a preços altos e pagavam preços irrisórios por gêneros alimentícios nacionais produzidos na região.

No período de 1930 até a queda do Estado Novo tivemos a vitória do projeto liberal industrializante que, em oposição às elites rurais conservadoras, delineará um novo cenário para a nação, cenário este que, de acordo com Gohn (2001), deixará alijado os estrangeiros, conforme se pode verificar nas afirmações desta autora:

[…] visando criar condições para o adensamento da mão-de-obra, as indústrias crescem paulatinamente na região sul do país, as correntes estrangeiras são definitivamente substituídas pelas migrações nacionais, criam-se legislações e ordenamento jurídicos novos, o Estado passa a organizar e a interferir na economia e na sociedade com mais vigor. (Gohn, 2001, p. 82).

Um destaque interessante na história da imigração e colonização brasileira é o que se refere ao conflito entre os próprios imigrantes, como o ocorrido nas colônias japonesas em São Paulo e em outros estados do sul. Segundo Gohn (2001), esses conflitos foram frutos de divergências ideológicas entre duas correntes básicas da colônia japonesa as quais divergiam quanto ao sucesso do Japão no final da II Guerra Mundial.

6. CONCLUSÃO

Vimos que há praticamente um consenso entre os autores trabalhados no presente artigo naquilo diz respeito à abordagem sobre o processo imigratório no Brasil e no mundo. Ou seja, que esse fenômeno social tem como causa fundamental o fator econômico, onde a necessidade e a busca pelo trabalho, mesmo identificado e concebido como força provisória, também marcou sua supremacia sobre outras causas, como as de ordem política ou religiosa.

Vimos ainda, que nas questões de ordem política envolvendo a imigração no Brasil várias categorias relacionadas às questões de raça, etnia, preconceito racial e identidade foram analisadas e serviram para a orientação de uma política nacional.

Tratar os estrangeiros como “quistos raciais”, “alienígenas” ou “vírus” pode demonstrar o quanto a presença desses estrangeiros em nosso país provocou descontentamentos, mas, paradoxalmente, também a disputa entre os cafeicultores paulistas pelos imigrantes na década de 1840, a atração pela pequena propriedade nos últimos anos da década de 1900, e a própria política assimilacionista do século XX, de certa forma, nos mostra que esses imigrantes não foram tão indesejáveis.

O incentivo à vinda de imigrantes para o Brasil, a partir dos últimos anos da década de 1900, oferecido com o atrativo da pequena propriedade, mostra também outro paradoxo no processo imigratório ocorrido no Brasil, numa época que o país tinha vocação para o latifúndio.

A presença de estrangeiros ou imigrantes na América também foi alvo de contestações, como as de Alexis de Tocqueville, que atribuiu o agravamento da crise que se estabeleceu nos Estados Unidos com a Guerra de Secessão, à introdução naquele país de homens estranhos à raça inglesa.

Na óptica dos movimentos sociais foi onde verificamos maiores conflitos entre estrangeiros e brasileiros, conflitos estes relacionados com a ordem econômica e política.

Não vamos aqui opinar ou optar por uma questão de necessidade ou de repúdio à presença de estrangeiros no Brasil. Um fato não podemos deixar de mencionar em qualquer historicização da sociedade brasileira: os imigrantes, independente da sua nacionalidade, também deram a sua contribuição na formação econômica, social e política do Brasil.

Alguns centros urbanos que se ergueram, algumas indústrias existentes até hoje, algumas técnicas agrícolas são muitos desse exemplo. A própria ideologia permeante em alguns movimentos sociais teve a contribuição de estrangeiros que viveram na efervescência desses movimentos em seus países de origem.

O que talvez possamos arriscar como contribuição à política imigratória brasileira seria entendê-la como preservacionista dos interesses nacionais, sem xenofobia, mas, de certa forma, abrindo espaços para a absorção de imigrantes, no tocante às nossas necessidades econômicas, onde lhes aprouver. Entendemos hoje um mundo multilateral e multicultural, respeitando as raças, as culturas, as individualidades e as identidades.

REFERÊNCIAS

COSTA, Sérgio. Imigração no Brasil e na Alemanha: contextos, conceitos, convergências. Ciências Sociais Unisinos , 44(2):105-118, maio/agosto 2008

GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. 4ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. 213p.

LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Tradução por Luiz Sérgio Henrique- Rio de Janeiro: Editora UFRJ; São Paulo: Editora UNESP, 2004. 376p.

PETRONE, Maria Thereza Schorer. O Imigrante e a pequena propriedade. São Paulo; Editora Brasiliense, 1982.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. Tradução por Cristina Murachco- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

SEYFERTH, Giralda. Imigração, colonização e identidade étnica. Revista de Antropologia, p.29, 1986.

SEYFERTH,Giralda. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. Revista Mana 3(1): 96 – 131, 1997.



[1] Aluna do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

Como citar e referenciar este artigo:
GÓES, Ana Rosa Araújo Farias de. A gênese e consequências do processo de imigração no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-genese-e-consequencias-do-processo-de-imigracao-no-brasil/ Acesso em: 28 mar. 2024