Sociedade

O segundo e último sexo. Sexo frágil que não foge a luta

O segundo e último sexo. Sexo frágil que não foge a luta[1].

A verdade é que praticamente inexistem relatos sobre a História da Filosofia feitos por mulheres[2], o que não significa afirmar que não existiram filósofas, porém, foram esquecidas.

Afirmam alguns autores que isso se relaciona com a forma pela qual a Filosofia é percebida e, outros estudiosos, apontam que é devida a forma pela qual as mulheres são percebidas e, ainda, há outros que creditam aos fatores econômicos e sociais como sendo os causadores do afastamento das mulheres da Filosofia ou, pelo menos, pelo esquecimento das mulheres pelo pensamento filosófico.

Sem dúvida, existem também outras razões possíveis, de qualquer forma, seja por quaisquer motivos que sejam, ignorar as mulheres numa abordagem filosófica redunda em erro crasso.

Se conseguirmos evitá-lo, ainda há outras dois tipos de erros que são difíceis de serem evitados, ou mesmo, cometidos.

Ademais, é possível cometer equívocos no entendimento da obra de uma filósofa, ao pensá-la principalmente em oposição ao filósofo. Assim como se pode cometer equívoco ao ignorar o fato de que ela é mulher.

Simone de Beauvoir foi conhecida fora do ambiente filosófico como sendo boa romancista e companheira de Sartre que a reverenciou como sua efetiva influência filosófica.

Da mesma forma que Sartre teve efetiva influência na obra de Beauvoir, aliás, ela fora mais generosa que ele, ao mencionar claramente essa influência.

Foi também conhecida como filósofa feminista e, sua obra intitulada “O segundo sexo” é, no mínimo, uma abordagem existencialista sobre a natureza da mulher, sendo também uma análise feminista.

Mas, Beauvoir não gostava muito ser taxada de existencialista e, muito menos de feminista, por vezes. Há até os que não a consideravam realmente feminista.

O livro narra uma história estranha, em parte, porque poucos sabiam exatamente o que fazer com seu conteúdo, quando fora publicado pela primeira vez em 1949[3].

Talvez a obra devesse ser escrita antes de outras obras para que fosse cabalmente compreendida, o que relegou “O segundo sexo” a uma espécie de limbo.

O início do prefácio do tradutor em uma das primeiras edições[4] pode bem ilustrar o fato de que mesmo os mais preparados leitores para entender Beauvoir, não estavam realmente preparados[5] para ela.

Afinal era um trabalho sério, amplamente inclusivo, desinibido sobre uma mulher, escrito por outra mulher e dotado de sagacidade e erudição.

Tanto que fora mal recebido por alguns críticos[6] e, alguns chegaram a acreditar que a mudança na forma de pensar das mulheres na década de 1960 deveu-se pelo menos parcialmente à obra de Beauvoir.

Mais tarde, na década de 1970, muitas feministas apontavam a obra como ultrapassada ou até mesmo reacionária e provincial principalmente no que se refere à afirmação de que estas deveriam encontrar a libertação, adotando o que se parece com uma concepção masculina de si.

Recentemente, a obra gozou de renascimento e tomaram-na de alguma forma no modo pós-moderno. Talvez, ainda leve algum tempo para que seja então reconhecida sua importância na História da Filosofia.

A obra é dividida em três livros[7]. No primeiro, há considerações históricas sobre as mulheres, a partir do ponto de vista biológico, bem como, traz abordagens freudianas, apontando o lugar das mulheres na poesia e na literatura.

O segundo livro aborda os vários papéis das mulheres contemporâneas, culminando na possível libertação e independência.

Ao longo de toda obra, a autora trata da intrigada questão: O que é uma mulher? Por que a mulher é o outro? Beauvoir começa[8] ressaltando que o modo como a pergunta é feita, de nenhum jeito sugere a resposta.

Nunca ocorreria ao homem perguntar “o que é homem?”, ou ainda, ponderar sobre a ideia muito calcada no gênero e, escrever um livro.

Homens são sujeitos, um tipo de concepção padrão da humanidade. De sorte que as mulheres são outra coisa, sendo algo menor ou diferente que um objeto para o sujeito masculino.

Beauvoir tentou justificar as considerações banais e frequentes das mulheres em particular e de seu status secundário e, por vezes, subsidiário[9].

Encontrou nova concepção de mulher e se esforçou para responder as seguintes questões: Como pode um ser humano, na situação de uma mulher alcançar a satisfação? Quais são os caminhos abertos para ela? E quais os caminhos bloqueados? Como pode a independência ser recuperada em estado de dependência? Quais circunstâncias limitam a liberdade da mulher e como podem ser afinal superados?

Beauvoir tentou mostrar que o destino das mulheres não é fixado pela Biologia, Psicologia, Economia e, nem iluminado por tais ciências. Enfim, há esperança para a liberdade. Apesar de que a autora acreditava que a Biologia é relevante para responder algumas questões porque afinal os corpos femininos são o instrumento de nossa compreensão do mundo.

O tipo de corpo que possuímos determina boa parte de nossas conexões com o mundo, mas não certamente tudo. A abordagem feita pela Biologia utilizada baseou-se principalmente nas estratégias reprodutivas de vários animais e insetos.

Mas sublinhou a existência contundente de diferenças brutais entre os homens e mulheres. Identificou Beauvoir que o ser humano feminino talvez seja o ser, mais escravizado de todas as fêmeas mamíferas.

Também as mulheres são as únicas que resiste a isto. Conclui a autora que a Biologia não pode explicar a hierarquia da sexualidade humana. Também não pode explicar a manutenção de mulheres num papel de subordinação.

Se a Biologia não faz da mulher o outro, Beauvoir enfocou seu olhar para a História conceitual para então entender o que a humanidade fez da mulher.

E, apoiada na psicanálise que aduz que não é a natureza que define a mulher, mas possivelmente, ela mesmo é  quem define a si própria, por meio da vida emocional.

E, finaliza quando afirmou que os problemas associados com o pensamento das mulheres que se comportam como homens meramente castrados. Considerou que os homens são dominantes de alguma forma, ou ao menos, o que pensamos como sujeito, talvez esse fato, se relacione um pouco com a autoridade paterna.

Mesmo com a leitura de Freud[10], permanecemos sem pistas que indiquem à origem da supremacia masculina. Se, no entanto, procuramos a mulher como um ser humano que busca pelo valor, refere-se ao mundo dos valores que a autora relacionou com as estruturas sociais e econômicas.

O discurso da autora no sentido de a mulher ser o objeto para o sujeito masculino, é nitidamente permeado pelo pensamento de Hegel. O que se confirma com a sua visão de que as mulheres geralmente não são definidas pelo corpo e pela mente que possuem, mas sim por seu momento histórico.

Afinal, seu locus tendo em vista a posição ocupada dentro da evolução social, econômica e tecnológica em comparação com as demais espécies a relegou a uma segunda classe ou categoria.

Beauvoir lidou com a história humana no viés de Hegel, partindo da observação sobre o povo nômade, percorrendo Antiguidade, Idade Média, Revolução Francesa e Revolução Inglesa, traçando os efeitos das forças sociais no papel e no locus das mulheres na sociedade humana.

Concluiu que não obstante as melhorias sociais, as mulheres continuam subjugadas pelos homens, assim elas fazem suas escolhas, ainda em concordância com o modo como o homem a define. Enfim, a maioria das mulheres ainda se define “como os homens as fantasiam em seus sonhos”.

E, Beauvoir passou a considerar como os homens enxergam a definição de mulheres na mitologia[11] e na literatura. E, nesse momento, a autora confirma ser romancista, mas continua sob o enfoque de Hegel, desta forma, a noção de que a mulher é o outro, vem a ser explorada na mitologia das culturas.

Simone de Beauvoir percorreu os mitos de criação, a mitologia grega e romana, e na literatura, se referiu a Shakespeare e, por fim, aos escritos de diversos autores na busca dessa verdade.

Afirmou que: “Poucos mitos foram mais vantajosos para a classe dominante e dirigente que o mito das mulheres, irritando-se, o que justifica todo o privilégio e, ainda autoriza o abuso delas”.

Voltemos à influência de Hegel para quem o sujeito, para realmente ser sujeito, requer o outro, precisa ver a si mesmo como sujeito nos olhos de outro sujeito.

Desta forma, o segundo sujeito, torna-se uma espécie de objeto para o primeiro. Mas, como mostrou a autora sobre as considerações sobre o corpo, a posição social, a criação mitológica e a literatura, as mulheres de alguma forma, ficam de fora da dialética de Hegel.

Posto que o corpo da mulher seja mais fraco e frágil e sua posição social inferior[12], as mulheres estão presas como subordinadas sociais e, são narradas de modos diferentes, enfim, são tidas como outra coisa que não sujeitos.

Tudo isso faz com que as mulheres sejam colocadas de fora da dialética hegeliana usualmente descrita entre sujeito-objeto[13]. As mulheres são o outro, mas não o tipo de outro que faz do sujeito masculino um sujeito: os homens são necessários para isso. A mulher é o outro absoluto, objeto que nunca se tornou o sujeito aos olhos do homem.

No segundo livro da obra de Beauvoir há uma declaração muito interessante, a saber, que: “Ninguém nasce mulher, mas se torna uma”. O argumento do primeiro livro leva exatamente a essa conclusão, pois a Biologia, a Psicologia, a sociedade e todo o resto, individualmente não o fazem, é a civilização como um todo que produz esta criatura.

Assim, a discussão se concentra no existencialismo. O preceito existencialista de que a essência não precede a existência, é em parte, a trama do pensamento de Beauvoir. Por este preceito, tem-se a visão de que grosso modo, os seres humanos não possuem nenhuma essência predeterminada e, o que são, é determinado pelo modo como existem, pelas escolhas que fazem e como de fato agem no mundo.

Assim, os seres humanos não têm nenhuma natureza determinante, as mulheres têm sido definidas pelos homens como se fossem exatamente isso e, a natureza relacionada às mulheres vêm tentando satisfazer algo como um desejo de preenchimento, procurando-o nos homens, em vez de em seus próprios projetos e, uso, concluiu Simone de Beauvoir que isso é um tipo de inautenticidade.

O busilis, dessa forma, surge de duas direções. As mulheres possuem sua natureza determinada pelos homens[14] e, estes e ainda, as mulheres em si, não conseguem fazer as escolhas que as levariam à existência autêntica.

O segundo livro, portanto, abordou sobre os tipos de existências que as mulheres experimentam, a saber: adolescente, esposa e mulher, além daquelas que escolhem os chamados “caminhos proibidos” (lésbicas, prostitutas) e, por fim, o que acontece com todas: a maturidade e a velhice.

É certo que nem todos os papéis são ocupados por todas as mulheres, mas suas discussões sobre a infância, sobre ser jovem e de certa forma sobre a iniciação sexual[15] parecem revelar algo sobre os tipos gerais das experiências femininas e, modelam o sentido em que se tornam o critério absoluto.

Beauvoir argumentou, por exemplo, que uma jovem não pode se tornar adulta sem que aceite e desenvolva sua feminilidade.

O caminho evolutivo[16] da condição feminina encobre à individualidade, os desejos, a autoexpressão, a revolta, a independência e, resultam finalmente, em um tipo de submissão que é a parte fundamental da natureza feminina[17] existente.

Ao final, Beauvoir se referiu à mulher independente sendo, nesse crucial ponto, o que muitos protestam contra as suas recomendações. Pois Beauvoir parece defender para as mulheres, justamente aquilo que condena nos homens, a saber: uma insistência no tipo de subjetividade de que os homens alcançaram em relação às próprias mulheres.

Mulheres libertando-se dos homens conforme entende alguns, resulta em mulheres impondo propriedades e poderes exibidos pelos homens, fazendo exatamente o que os homens fazem.

É necessário que as mulheres se tornem seres humanos em geral e, mudem a natureza do mundo dominado pelo masculino, de forma que sejam autenticamente mulheres (e não serem mulheres que agem como homens).

Há, também, outros problemas complexos para sua identificação e compreensão. Na análise das mulheres, a autora mesclou o pensamento de Hegel com o existencialismo, tal mistura atende a certos fins, embora persistam muitas tensões ocultas.

A própria noção de autenticidade não é totalmente histórica e, pelo menos, a inspiração hegelianista presente no pensamento de Beauvoir é necessariamente histórica[18].

A autenticidade depende das pessoas como tais como seres que vivem a própria vida e que escolhem a sua própria identidade. O materialismo[19] dialético de Hegel e Heidegger afirma que as pessoas são o que são, em virtude do seu momento na História.

Então a concepção de mulher segundo Beauvoir é influenciada tanto por Hegel como pelo existencialismo e, não restou evidente que conseguira escapar das contradições inerentes naquilo que parecem ser pontos filosóficos antagônicos.

O pensamento de Beauvoir prosseguiu mesmo após da publicação da obra em comento. A autora, aliás, negou ser feminista[20] até bem mais tarde em sua vida, e, mesmo, repensou muitas das premissas assentadas na obra.

Pois a autora percebeu a existência da tensão entre a visão existencialista da liberdade e o tipo de opressão delineada pela obra. O existencialismo, sob certo aspecto, afirma a existência em amplo sentido, em que a subjugação de mulheres é, em grande medida, um defeito delas, uma falha em concretizar sua própria liberdade.

Fica difícil então, enxergar como a liberdade radical e ortodoxa do existencialismo[21] autêntico seja possível e acessível às mulheres. Também acrescentou ao existencialismo a noção de possibilidades reais e concretas para o segundo sexo, a doutrina é enriquecedora, exatamente por isso. Pois, a obra cogita das relações entre o masculino e o feminino.

E, surpreende ao terminar a obra com certo tipo de apelo a uma reconciliação elevada, que é geralmente omitida por aqueles que, em momentos de ingenuidade, acusam a obra de ser apenas uma ingênua vitória dos homens.

At last, but not least[22] Beauvoir escreveu in litteris, sintetizando a mensagem de sua obra: “Para atingir a vitória suprema, é necessário, antes de mais nada, que pela diferenciação natural e por meio dela, os homens e as mulheres afirmem inequivocamente uma irmandade.”

Referências:

GARVEY, James. Uma introdução aos vinte melhores livros de filosofia. Tradução: Rogério Bettoni. São Paulo: Editora Rosari, 2009.

BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. Tradução Sérgio Millet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

Autores:

Denise Heuseler

Gisele Leite

Ramiro Cruz



[1] A frase é extraída da música Cor de Rosa Choque da Rita Lee. Do álbum: Rita Lee e Roberto de Carvalho de 1982.

[2] As filósofas da Idade Contemporânea (Século XIX, XX e XXI) podemos citar: Rosa de Luxemburgo (1871-1919), Lou Andras-Salomé (1861-1937), Edith Stein (1891-1942), Maria Zambrano (1904-1991), Hannah Arendt (1906-1975), Simone de Beauvoir (1908-1986), Angela Davis(1944), Susanne Langer (1895-1985), Ayn Rand (1905-1982), Sarah Kofman (1934-1994) e Julia Kristeva (1941).

[3] Em 09.01.2017 se fosse viva Simone de Beauvoir completaria 109 anos. Nasceu numa família de alta burguesia francesa. E, tinha 41 anos quando publicou o Segundo Sexo e na época levantou inúmeras polêmicas.  Uma das acusações aponta que ridicularizava os homens, o que é usado contra o feminismo. A obra não é fonte historiográfica para conhecer propriamente a história da mulher.

[4] O livro foi muito rapidamente publicado nos Estados Unidos com o título “O Segundo Sexo”, devido à rápida tradução feita por Howard Parshley, conforme solicitado por Blanche Knopf, esposa do editor Alfred A. Knopf. Como Parshley tinha apenas uma familiaridade básica com a língua francesa e uma compreensão mínima de filosofia (ele era professor de biologia na Smith College), muito do conteúdo da obra de De Beauvoir foi mal traduzido ou inadequadamente editado, o que distorceu a sua mensagem. Por anos, Knopf impediu que uma nova tradução mais precisa do trabalho de De Beauvoir fosse feita, recusando todas as propostas, apesar dos esforços de estudiosos existencialistas.

[5] “Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles, são a um só tempo, eram juiz e parte”. Poulainde La Barre.

[6] Entre os ferrenhos críticos estava François Mauriac, escritor francês do Fígaro Littéraire que perguntou; “Estaria a iniciação sexual da mulher no seu devido lugar no sumário de uma revista literária e filosófica séria?”.

[7] O nome da segunda parte é História, onde expôs um trabalho extenso de pesquisa. A terceira parte é dedicada aos mitos se dissecou desde os mais comuns mitos até os mais requintados, tendo ficado realmente um pouco superada.

[8] A primeira parte da obra se chama Destino e traz três pontos relevantes: o biológico, o psicanalítico e o do materialismo histórico. E, Beauvoir concluiu com lucidez que não há justificativas para a mulher esteja de fato em casta inferior ao homem.

[9] Ao que sabemos ainda persiste forte a misoginia apesar de que o mundo esteja absorvendo a crise das categorias de gêneros. Na contemporaneidade o que ainda se assiste é o fato das mulheres se encontrarem na dimensão filosófica do outro. E, acrescenta: assim como judeu, é o outro do antissemitista, o negro é o outro do racista, o índio é o outro do colono e, o proletário é o outro do patrão. Afinal, para o aldeão, todas as pessoas que não participam da aldeia são os outros suspeitos.

[10] O final dos anos 20, como também em grande parte do século XX, que trazem à cena política os dilemas cruciais dos totalitarismos, do antissemitismo e, do imperialismo. Diante da radicalidade desses acontecimentos, conforme alude Hannah Arendt que a dignidade deve ser a nova garantia e que seja firmada por meio de novos princípios. Destaca-se que em pleno século XX apesar das mulheres já participarem ativamente do mundo, este ainda pertence aos homens.

[11] No capítulo “Mulher: Mito e Realidade”, de O Segundo Sexo, de Beauvoir argumentou que os homens tinham tornado as mulheres o “Outro” da sociedade através da aplicação de uma falsa aura de “mistério” em torno delas.  Ela argumentou que os homens usam isto como desculpa para não entender as mulheres ou os seus problemas, ao invés de apoiá-las.

Este estereótipo sempre foi usado por grupos mais altos na hierarquia social para estigmatizar grupos inferiores na hierarquia.

Ela escreveu que um tipo similar de opressão hierárquica acontece em outras categorias, como identidade, raça, classe e religião.

De Beauvoir argumenta que os homens estereotipam as mulheres e, usam isto como uma desculpa para organizar a sociedade em um patriarcado.

[12]  “No que concerne à mulher, seu complexo de inferioridade assume a forma de recusa envergonhada da feminilidade. Não é a ausência de pênis que provoca o complexo e, sim, o conjunto da situação, a menina não inveja o fato a não ser como símbolo dos privilégios concedidos aos meninos; símbolo dos privilégios concedidos aos meninos; o lugar que o pai ocupa na família, a preponderância universal dos machos, a educação que tudo a confirma na ideia de superioridade masculina”.

[13] Então, a mulher adornada se transforma em ídolo e Beauvoir utilizou os romances de Stendhal como paradigma de relacionamentos baseados na verdade e na liberdade. Tece considerações sobre a viabilidade de romances vividos, despidos de mistificações e esmiuçou o possível cultivo de erotismo e da emoção baseada na verdade, não nos fetiches do eterno feminino.

[14] De Beauvoir sempre esteve consciente de que seu pai esperava ter um filho, ao invés de duas filhas.Ele afirmava, “Simone pensa como um homem!” o que a agradava muito,e desde pouca idade a filósofa distinguiu-se nos estudos. Entre seus principais ensaios críticos cabe destacar O segundo sexo (1949), uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade; A velhice (1970), sobre o processo de envelhecimento, onde teceu críticas apaixonadas sobre a atitude da sociedade para com os anciãos; e A cerimônia do adeus (1981), onde evocou a figura de seu companheiro de tantos anos, Sartre.

[15] Há um aspecto dual sobre a virgindade pois em sociedades onde o poder da mulher ainda era exaltado ou mistificado, a virgindade era temida. Nas sociedades em que o homem se firmou em seu domínio sobre a natureza, a situação se inverte, e a virgindade exigida é tida como plenitude da ideia de posse sobre ela. Um ponto de inegável relevância é a beleza feminina. Apesar de serem variados os padrões estéticos conforme a sociedade, verificam-se que sempre que o corpo da mulher deve deter o desejo, deve ter qualidade de objeto passivo e imanente. E, segundo Beauvoir a preferência por nádegas e seios viriam por não terem esses órgãos, imperiosa função. Os costumes e a moda subtrairiam do corpo feminino a sua transcendência.

[16] Entre os parcos apontamentos históricos existentes, sobre a criação de núcleo de formação intelectual somente para mulheres, educandário fundado por Safo, poetisa de Lesbos que nasceu em 625 a.C. O pensamento, então na época vigorante, é o de que as mulheres somente tinham direito a um corpo e uma mente, porém não os dois simultaneamente, pois desta forma a mulher nunca poderia gerar a razão. Pitágoras enxergava a mulher como um ser que se originou das trevas; Platão acreditava que as mulheres eram tão capazes de administrar quanto o homem, pois para ele quem governa tinha a obrigação de gerir a cidade-Estado se utilizando da razão e, para Platão as mulheres detinham a mesma razão que os homens; Aristóteles via a mulher como um homem não completo, para ele todas as características herdadas pela criança já estavam presentes no sêmen do pai, cabendo à mulher somente a função de abrigar e fazer brotar o fruto que vinha do homem. Tal ideia foi aceita e difundida na Idade Média; Para São Tomás de Aquino uma vez a mulher tendo sido moldada a partir das costelas de um homem, sua alma tinha a mesma importância que a do homem, para ele no céu predomina a igualdade de direitos entre os sexos, pois assim que se abandona o corpo desaparecem as diferenças de sexo passando a ser tudo uma coisa só; Para Hegel a altercação existente entre um homem e uma mulher é igual a que há entre um animal e uma planta, sendo que o animal se identifica mais com o jeito do homem e a planta se molda mais conforme o aspecto da mulher, pois seu progresso é mais tênue, deixando-se levar mais pelo sentimentalismo, se estiverem no comando o Estado corre perigo, pois, segundo ele, elas não atuam de acordo com as exigências de agrupamento de pessoas que são governados e, sim, conforme seu estado de espírito.

[17] Toda a problemática da feminilidade reside na diferença, mostrando que a cultura reiteradamente fez a mulher representar a diferença extrema, conforme as Górgonas, aqueles seres horrendos concebidos pelos gregos, que também eram misóginos para o exorcismo do terror. Os franceses trocaram o feminismo pela fraternidade.

[18] Publicada originalmente em francês, apresenta um existencialismo feminista que prescreve uma revolução moral. Como uma existencialista, de Beauvoir acreditava que a existência precedia a essência e, portanto, não se nasce mulher, torna-se.

Sua análise foca no conceito hegeliano do “Outro”.

É a construção social da mulher como a quintessência dos “Outros” que de Beauvoir identifica como fundamental para a opressão das mulheres. O ‘O’ maiúsculo em “outros” indica “todos os outros”. De Beauvoir afirmava que as mulheres são tão capazes de escolher quanto os homens e que, portanto, podem optar por elevar-se, movendo-se para além da “imanência”, a qual eram anteriormente resignadas, para alcançarem a “transcendência”, uma posição em que um indivíduo assume a responsabilidade para si e para o mundo, onde se escolhe sua liberdade.

[19] O materialismo histórico sob o enfoque behaviorista expõe que, desde a Idade da Pedra, enquanto a mulher participava igualmente da vida econômica (quando Beauvoir fez uso da perspectiva histórica de Engels em “A Origem da Família”) havia a igualdade, pois se os homens caçavam e pescavam, as mulheres lidavam com a jardinagem e tecelagem. A partir da descoberta do cobre, do ferro e estanho e, ainda surgira a necessidade de desbravar mais florestas para tornar os campos produtivos, surge também a propriedade privada, os senhores de escravos e da terra. Eis que o homem ousou tornar-se fatidicamente o proprietário da mulher.

[20] A obra é considerada pelos estudiosos um marco teórico significativo da chamada segunda onda do feminismo no Brasil.

[21] A mulher para Nietzsche, é inscrita como um dos progressos da ideia, enquanto a ideia ainda é verdade, quando a idéia ainda é mulher. De Platão, Kant e Comte se entende a ameaça de castração da mulher. Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Sartre dizia “Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro”. Em Sartre, temos a ideia de liberdade como uma pena, por assim dizer. “O homem está condenado a ser livre”. Se, como Nietzsche afirmava, já não havia a existência de um deus que pudesse justificar os acontecimentos, a ideia de destino, passava a ser inconcebível, sendo então o homem o único responsável por seus atos e escolhas. Para Sartre, nossas escolhas são direcionadas por aquilo que nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras, para o autor, o homem é um ser que “projeta tornar-se deus”.

[22] Para ser mais esclarecedor, podemos traduzir para o português como: Por último mas não menos importante. Como sempre, vamos dar vários exemplos com o uso da frase para você entender bem como é o contexto de uso da mesma.

Como citar e referenciar este artigo:
HEUSELER, Denise; LEITE, Gisele; CRUZ, Ramiro. O segundo e último sexo. Sexo frágil que não foge a luta. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-segundo-e-ultimo-sexo-sexo-fragil-que-nao-foge-a-luta/ Acesso em: 16 abr. 2024