Sociedade

Filhos cangurus: incompetentes e preguiçoso? O civilizado e o atávico

INTRODUÇÃO

O artigo abordará vários assuntos cujas influências moldam o comportamento humano contemporâneo. Mais uma vez faço com que os leitores reflitam e procurem resposta, não as prontas. Infelizmente, com o advento [lado negativo] da internet, muitos internautas não pesquisam substancialmente as essências das filosofias. Há um péssimo hábito de ler alguns trechos escritos por algum articulista ou colunista e assumir como um todo verdadeiro. Estamos diante de uma geração preguiçosa em ler, pesquisar. Fato reconhecido pelos professores, principalmente quanto à elaboração de monografias pelos universitários.

UTILITARISMO NA HISTÓRIA HUMANA

Interessante observar. Ainda há mentalidade de que os filhos que moram com os pais são pessoas mimadas, com baixa estima, incapacitados. Mas qual a origem disso? Não podemos esquecer de que o utilitarismo de superioridade existe desde a Grécia [a. C]. Povos conquistados eram reconhecidamente como inferiores. Mais adiante no tempo, as teorias reinantes nos séculos XIX e XX sobre o homem civilizado e o homem atávico.

Por séculos, o utilitarismo da superioridade vigorou na humanidade, e ainda vigora neste início de século XXI. A Europa sempre foi palco de batalhas. Os romanos [a. C] se diziam evoluídos e que precisariam evoluir outros povos, os persas, no governo de Ciro, conquistou povo. A diferença, entre os romanos e os persas se deve ao fato de que Ciro não queria escravidão, já que seu povo foi escravizado. Os judeus conseguiram liberdade, através de Ciro; tanto os judeus quanto s povos conquistados poderiam continuar com suas culturas [religião, modo de se vestir etc.]. A Dinastia Aquemênida permitiu o avanço territorial dos persas. Surgiu então Zaratustra, o profeta. Zaratustra dizia que só existia único Deus, assim como Aquenáton, dos egípcios. A dualidade entre dia e noite, nascia o bem e o mal. O bem deveria lutar contra o mal. Céu e inferno surgiram seis séculos antes de Jesus dizer que existia o bem e o mal.

A religião Masdeísmo surgiu pela filosofia de Zaratustra. Os reis persas acreditavam que para o bem reinar na Terra era preciso conquistar outros povos para acabar com as guerras. Foi através dos persas que surgiu, pela primeira vez na História, o conceito de Império Universal. Babilônia, a primeira cidade conquistada por Ciro, depois Lídia etc. A expansão territorial dos persas tinha a ideia de criar paz entre os povos, de forma que na Terra se materializasse o bem. Os primeiros persas eram fieis aos seus ideias [paz], mesmo que precisassem conquistar outros povos. Os povos conquistados permaneciam com suas culturas originais [Império Universal]. Os reis, dos povos conquistados, ganhavam territórios. Povos conquistados e escravizados foram libertados, como os fenícios, por exemplo. Claro que os povos conquistados teriam que pagar tributos aos persas. Quanto os tributos ficaram altíssimos, os povos conquistados começaram a divergir dos persas.

UM NOVO SAGRADO PARA A HUMANIDADE, E SUA SALVAÇÃO

Os estudos genéticos e evolutivos no final do século IX, a teoria de Charles Darwin [Evolução das Espécies], e de seu primo Francis Galton [sangue ruim e sangue bom; ou seja, sangue ruim são pessoas predisposta ao crime, à prostituição, já o sangue bom é o indivíduo que sabe viver em sociedade]. As teorias da perfeição humana buscaram distanciar os homens civilizados dos homens primitivos, como os índios, os negros.

O darwinismo social permitiu a escravidão negra e seu comércio transatlântico. Também permitiu dominação européia na África. Se o darwinismo social já não tinha mais justificativa ao utilitarismo dominador e beneficiador para a humanidade, os homens civilizados precisavam de outra teoria. Nascia, pelas mãos de Francis Galton, a eugenia. Os EUA aplicaram a eugenia dentro de seu próprio território. Mulheres com históricos de sangue ruim [alcoolismo, pessoas com necessidade especiais, prostituição, homicídios etc.] deveriam ser esterilizadas. Centenas de milhares de mulheres, maioria negra, foram esterilizadas pelo Estado. Hitler usou a teoria norte-americana da eugenia para justificar os seus planos de purificar e evoluir a humanidade.

Importante frisar que nos séculos XIX e XX houve surgimentos de teorias justificando a coercibilidade do Estado, ou seja, a sua Presunção de Legitimidade e Imperatividade. A autoexecutoriedade, pelo poder de polícia, justificava a ação ágil do poder público na defesa dos interesses da sociedade. Por exemplo, o criminoso nato, de Cesare Lombroso, permitiu que o Estado aprisionasse, perseguisse, pelos atributos dos atos administrativos, verdadeiro show dos horrores. O simples trejeito, a fisionomia, entre outros atributos científicos ao criminoso nato, consagrou mais uma vez o utilitarismo do bem contra o mal. Não há qualquer sofisma em dizer que tais criminosos natos era a escória da sociedade, assim considerados, principalmente, pelas elites. Interessante observar que o utilitarismo de Sócrates justificava a escravidão: sem escravos, quem executará o trabalho árduo? Logo, escravizar é uma necessidade ao desenvolvimento humano. Essa filosofia ainda existe em pleno início do século XXI. As desigualdades sociais são alicerces para manter o desenvolvimento, as teorias de Cesare também ganham força, principalmente com o número crescente da criminalidade, mundialmente.

As desigualdades sociais, com certeza, causam crimes. Qual ser humano quer viver na miséria? Qual ser humano gosta de assistir ao sofrimento de seu familiar e saber que há tratamento, porém não tem condições econômicas para pagar pelo tratamento — recomendo assistir Um Ato de Coragem, com Denzel Washington [John Q. Archibald]. No livro O Que o Dinheiro Não Compra, de Michael J. Sandel, os aspectos morais no mercado não condizem com a moral humana. Sandel pergunta se a sociedade deve se transforma em mercado, ou seja, a vida deve ter os valores do mercado? Confrontar Um Ato de Coragem com O Que o Dinheiro Não Compra é necessário para um novo, mas secular, utilitarismo: só os fortes sobrevivem. O novo sagrado é o dinheiro, o poder que ele dá ao possuidor. Ter é sinônimo de capacitado. Quem é capacitado [corajoso, perspicaz, audacioso etc.] obtém o direito de ter qualidade de vida. Eis a meritocracia. Sandel, em seu livro Justiça ? O que é fazer a coisa certa, o leitor conhece e repensa sobre as influências filosóficas na vida humana, nas decisões da Justiça. Meritocracia, segundo Sandel — usando o pensamento filosófico de John Rawls [Véu da Ignorância] — é um sofisma quando se analisa tão somente o desempenho do indivíduo. Por exemplo — usarei exemplo que sempre menciono —, se Silvo Santos, um dos maiores apresentadores da TV brasileira, dissesse que era comunista, que defendia as manifestações populares exigindo os direitos sociais, em plena Ditadura Militar [1968 a 1985], com máxima verdade, jamais teria conseguido, na época, qualquer concessão. Provavelmente seria torturado ou até morto. Portanto, a meritocracia depende das condições mesológicas do ambiente, como o que o estado permite, assim como a própria sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atavismo é associado aos seres humanos não evoluídos. Assim, povos primitivos, tribos indígenas e negros eram, e ainda são considerados, como seres primitivos. A selvageria estaria impregnada em suas almas, em seus genes. Darcy Ribeiro, antropólogo, sempre defendeu os povos indígenas e os negros. Em vários livros do humanista Darcy, os indígenas tinham cultura e tecnologia — cultura que tem muito dos direitos humanos, como: direitos das mulheres; respeito ao meio ambiente e aos LGBTIs etc. O convívio social entre os familiares é outro destaque positivo para a cultura indígena. Então, por qual motivo, infelizmente, os filhos que moram com os pais são considerados inferiores? Os homens civilizados achavam que os indígenas eram subumanos. O convívio, numa mesma residência [oca] representava primitivismo. O ser humano evoluído é audacioso, e morar sozinho é ser civilizado. A saída do lar, a construção de uma nova família representa a evolução da espécie. Interessante observar que a vida em comunidade dos índios não cria qualquer obstáculo ao desenvolvimento psíquico e emocional das proles. Pelo contrário, as proles aprendem a valorizar os costumes, os idosos, a organização social em si. A situação muda quando chega o homem civilizado com seus valores evolutivos. Sigmund Freud disse uma vez que a humanidade deveria retornar ao seu primarismo para resgatar valores sociais saudáveis, comunitários. A neurose é fruto da civilização, principalmente quando há utilitarismo de dominação. Por fim, o liberalismo, um mal que vem retirando os séculos de desenvolvimento moral da humanidade. Os libertários dizem que não fazem mal ao próximo, o consentimento é à base das relações saudáveis entre os seres humanos. Sandel desafiou, com maestria, os libertários sobre canibalismo consentido. Se os libertários estão corretíssimos, de não se fazer mal a outra pessoa, como explicar os Médicos de Boutiques, nos EUA, a exploração da mão de obra pelas empresas transnacionais em países e, por exemplo, a própria essência do filme Um Ato de Coragem? Ora, não há nada demais em limitar profilaxias conforme o tipo de plano de saúde. Quem não tem dinheiro, como John Q. Archibald [Denzel Washington], o problema é dele, e somente dele e de sua família. Morreu, pelo motivo do plano de saúde não cobrir o transplante de coração, amém. A vida continua. Eis a filosofia dos libertários de não fazer mal a outra pessoa.

Sérgio Henrique da Silva Pereira: articulista, colunista, escritor, jornalista, professor, produtor, palestrante. Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], Investidura – Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação.

Como citar e referenciar este artigo:
PEREIRA, Sérgio Henrique da Silva. Filhos cangurus: incompetentes e preguiçoso? O civilizado e o atávico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/filhos-cangurus-incompetentes-e-preguicoso-o-civilizado-e-o-atavico/ Acesso em: 29 mar. 2024