Sociedade

É sempre amor, mesmo que mude! Reflexões acerca da união homoafetiva

 

A maior prova de existência de democracia de uma nação é o respeito aos direitos humanos. Em tempos que notícias de abusos às mulheres e aos homossexuais são quase diárias, cumpre a discussão acerca do casamento gay. Serão os casais homoafetivos destinatários da norma que garante a todo e qualquer cidadão uma vida estável, a separação de bens e a sucessão, quando da morte de um dos contraentes? A sociedade pode ser conivente com uma mudança paradigmática no conceito de casamento?
A homossexualidade não é novidade deste século. A bíblia, no capítulo de Isaías, traz relatos de homens que se amavam. Os padres, os pastores, e outros “intérpretes” do referido livro poderiam me dizer que estou interpretando erroneamente a bíblia. Mas e quem deles tem um “manual” de interpretação dos cânones ditados na bíblia? São eles mesmos que dizem que a mulher vale menos que o homem porque foi das costelas deste feita. Ora, eméritos leitores, não há como levar a sério o que dizem esses pontífices, esses homens que acham que tem o poder na Terra – a homossexualidade sempre existiu, e o ser humano sempre foi poligâmico. Aliás, o único ser vivo realmente monogâmico é uma bactéria que, quando uma “fêmea” se une a um “macho” não pode mais dele se separar, ou morrerá. Dessa forma, e percebendo que a família foi uma construção do Estado para melhor poder proteger as crianças da comunidade, é fácil perceber o motivo pelo qual o casamento homoafetivo deve ser aceito na sociedade. Todos amam, é natural do ser humano. O que interessa é o amor, não quem amamos.
Pois bem.. Na nossa sociedade, ainda, os homossexuais sofrem com o preconceito. Na prática, o número de homossexuais assassinados no Brasil superou mais de 250 casos em 2010, ultrapassando o México (35 casos por ano) e os Estados Unidos (25 casos por ano), refletindo em uma escalada gradual de violência em crimes de ódio por haver uma impunidade muito grande no país. Só no primeiro semestre de 2012, foram assassinados 165 homossexuais, sendo São Paulo, Paraíba e Bahia os estados mais perigosos e homofóbicos. [1] Se são eles destinatários de tamanha violência, devem ser protegidos, e seus casamentos, mais ainda.

Poderão os mais conservadores dizer que isso é uma afronta à unidade familial. Mas que tipo de conservadorismo é esse? Ora, eu sou partidária de um governo direitista e, inclusive, sou filiada a um. E posso dizer com todas as palavras: isso não é conservadorismo, isso é ser retrógrado. E não há mais espaço para retrocesso na sociedade brasileira. Do mesmo jeito que os filhos fora do casamento, aqueles que há pouco menos de vinte anos atrás eram chamados de ‘bastardos’ passaram a ser reconhecidos como filhos legítimos, o casamento homossexual deve ser recepcionado pelo ordenamento, e mais, o preconceito contra ele deve ser combatido. No entanto, o combate ao preconceito não deve se dar através da coação estatal. Assim as pessoas não aprenderiam a conviver com a novidade, mas ao contrário, sentiriam-se obrigadas a conviver, mesmo que achassem estranho. O que deve acontecer é uma mudança de paradigmas: a luta deve ser no sentido de fazer a população entender que aquilo não é “feio” e que não é perversão, é apenas amor. O mesmo amor que você, leitor heterossexual, sente pelo seu marido ou sua mulher. Nem preciso me dirigir ao leitor homossexual, porque ele sabe o que é o amor. E sabe também o que é sentir dor ao não poder andar de mãos dadas com o seu companheiro na rua.
É obvio que não é a legalidade do “casamento” homoafetivo que irá resolver todos esses problemas. E vocês devem ter ainda uma outra pergunta: “qual é o motivo de um casamento, senão de gerar descendentes?” Ora, caros leitores, há muitos anos que o casamento já não acontece com esse fim. E por mais que ainda fosse esse o motivo, há milhares, quiçá milhões de crianças órfãs esperando adoção, um lar. E elas não se importam se as famílias forem homossexuais, monoparentais, ou qualquer outro tipo de família da nova geração. Eles precisam de amor. Assim como você precisou. Eles precisam de conselhos. Assim como você precisou. Desde cedo ouvíamos de nossos pais que o amor deles pela gente era “incondicional”. Então, se o amor deles pra conosco é incondicional, o amor dos filhos pelos pais também o é. E é disso que as crianças órfãs precisam. Assim, quem sabe, o nível de marginalidade diminua, e vocês, casais heterossexuais, possam caminhar na rua tranquilamente. Talvez os relacionamentos homoafetivos sejam a “solução” pra uma sociedade tão marginalizada.
Ademais, eu nem precisaria falar isso, mas é fato que os casais homossexuais educam bem seus filhos. E por mais que as pessoas possam não achar possível, os filhos de homossexuais não crescem homossexuais necessariamente. Ao contrário, eles aprendem a respeitar o coração deles, eles aprendem que a intolerância não leva a nada. Eles aprendem a dar valor a cada abraço, a cada sorriso. E faz deles pessoas melhores. Portanto, é óbvio, uma criança que sabe respeitar e admirar um sorriso, dificilmente poderá se revoltar contra a sociedade, no sentido de virar um homicida, um ladrão.
E também não é, esse amor, exclusividade de filhos de homossexuais: quaisquer famílias podem educar bem seus filhos. A questão chave é que não é o “casamento gay” que deve ser aprovado. A questão é que somos seres humanos, somos seres racionais, e junto com a racionalidade, vem o respeito. É por causa do respeito que conseguimos seguir regras e conviver em sociedade. O “pulo do gato” é a aceitação, a tolerância. É passar por cima do “apartheid” dos dias de hoje – é aceitar toda e qualquer forma de amor. Já disseram os músicos da banda gaúcha “Bidê ou Balde”, é sempre amor, mesmo que mude.

Camila Paese Fedrigo

Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pela Universidade de Caxias do Sul/RS, Pesquisadora do grupo ALFAJUS e Estagiária da Procuradoria da Fazenda Nacional.



[1] MOTT, Luiz. Número de assassinatos de homossexuais bate recorde. Em: <http://www.correiodoestado.com.br/noticias/numero-de-assassinatos-de-homossexuais-bate-recorde-no-pais_4> . Correio do Estado. Acesso em: 11.01.2013.

Como citar e referenciar este artigo:
FEDRIGO, Camila Paese. É sempre amor, mesmo que mude! Reflexões acerca da união homoafetiva. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/e-sempre-amor-mesmo-que-mude-reflexoes-acerca-da-uniao-homoafetiva/ Acesso em: 28 mar. 2024