Sociedade

Resposta à OAB/R J: a liminar do Exame de Ordem

Resposta à OAB/R J: a liminar do Exame de Ordem

Breve análise da argumentação desenvolvida pela Procuradoria da OAB/RJ, em defesa da constitucionalidade do Exame de Ordem, no Agravo de Instrumento nº 2008.02.01.000264-4, referente à decisão liminar que autorizou a inscrição de bacharéis.

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

28.01.2008

 

 

SUMÁRIO: 1) Apresentação 2) Orientação do STF sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem? 3) A refutação da Procuradoria da OAB/RJ; 4) A questão da baixa qualidade do ensino jurídico; 5) As decisões jurisprudenciais; 6) A inconstitucionalidade da delegação ao Conselho Federal da OAB; 7) A OAB é uma Agência Reguladora? 8) Argumento oportunista ou garantia de acesso à prestação jurisdicional? 9) Considerações finais.

 

 

1) Apresentação

 

Em decisão liminar, publicada no dia 11.01.2008, a Juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro, concedeu liminar, para que seis bacharéis se inscrevessem na OAB/RJ, e pudessem advogar, independentemente da aprovação no Exame de Ordem. O Presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, disse, a respeito, que a liminar era estapafúrdia e que “a OAB não vai permitir que ignorantes advoguem e ponham em risco a própria sociedade”.

 

Em comunicado divulgado no dia 16.01.2008, o Conselho Federal da OAB lembrou que, em 2006, essa Juíza se recusou a expedir alvará, para o recebimento de determinados valores, por um advogado do Rio de Janeiro e em conseqüência, dois dirigentes da Seccional representaram contra ela, no Tribunal Regional Federal. Em represália, foram alvos de denúncia, por calúnia, do Ministério Público Federal. A nota publicada pela OAB, nessa ocasião, repudiava “a conduta arbitrária e de nítida retaliação” da Juíza.

 

No dia 17.01.2008, o Desembargador Raldênio Bonifácio Costa, do TRF-2ª, na qualidade de Relator do Agravo de Instrumento nº 2008.02.01.000264-4 – Veja aqui o AGRAVO, cassou a decisão liminar da Juíza.

 

Em 18.01.2008, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) desagravou a Juíza Maria Amélia, dizendo que as decisões judiciais devem ser combatidas com argumentos jurídicos e através de recursos judiciais. Na nota de desagravo, o presidente da Ajufe, Walter Nunes, disse que “rótulos pejorativos impostos a magistrados por aqueles inconformados com a decisão são incompatíveis com a postura de sobriedade das relações institucionais” e que esse não é o comportamento da OAB, que “tem sua história marcada pelo fortalecimento do Estado Democrático de Direito e da proteção aos direitos fundamentais”.

 

Os Agravados disseram que vão alegar a suspeição, também, do desembargador que cassou a liminar, devido às suas ligações com a OAB/RJ (Juiz do Tribunal de Ética Profissional do Conselho da OAB/RJ, Diretor do Departamento de Cursos Jurídicos da OAB/RJ, Vice-Presidente da 16ª Subseção da OAB/RJ, e Membro do Conselho da OAB/RJ).

 

Em entrevista publicada no dia 26.01.2008, o Presidente da OAB/RJ, comentando a decisão do Agravo, disse que o Movimento Nacional de Bacharéis em Direito (MNBD) precisa ser melhor investigado: “É preciso saber qual é a fonte de recursos desse movimento, já que pressupõe-se (sic) que essas pessoas não estão ainda no mercado de trabalho, não vivem de recursos próprios. No entanto, o Movimento tem sites, tem jornais, produz milhares de panfletos contra o Exame de Ordem… Eu acho que o Ministério Público deveria investigar a fonte de recursos desse Movimento”.

 

 A finalidade deste artigo é, apenas, fazer uma breve análise jurídica a respeito da argumentação desenvolvida pela Procuradoria da OAB/RJ, no Agravo que ensejou a cassação da liminar. Não irei comentar a alegada suspeição da Juíza, nem a do Desembargador. Também não comentarei, muito menos, as declarações do Presidente da OAB/RJ, e de outros defensores do Exame, referentes à decisão liminar, à Juíza, à “ignorância” dos bacharéis, ou à “fonte de recursos” do MNBD.

 

Serão refutados, dessa maneira, os “argumentos” da Procuradoria da OAB/RJ, a saber: 1) a pretensa existência de jurisprudência do STF sobre a constitucionalidade do Exame da OAB, com eficácia erga omnes e efeito vinculante; 2) que a aprovação no Exame da OAB se enquadra no conceito de exigência de qualificação profissional; 3) que o Exame da OAB é necessário, devido à baixa qualidade do ensino jurídico; 4) que o Exame de Ordem transforma o bacharel em advogado; 5) que o Conselho Federal da OAB pode legislar sobre o Exame de Ordem; 6) que a OAB é uma espécie de Agência Reguladora; 7) que os agravados são apenas oportunistas frustrados e membros fundadores do MNBD.

 

 

2. Orientação do STF sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem?

 

Disse a Procuradoria da OAB/RJ:

 

“Antes de mais nada, cumpre frisar que a Lei 8.906/94 já foi objeto de ADIn (nº 1.127), julgada em definitivo em 17/05/2006. O dispositivo ora atacado permaneceu incólume, pois sua inconstitucionalidade sequer foi suscitada. Ora, como se sabe, as ações de controle concentrado de constitucionalidade têm causa de pedir aberta e efeito dúplice: no caso da ADIn, suscitada a inconstitucionalidade de um ou mais dispositivos de certa lei, pode e deve o Supremo Tribunal Federal manifestar-se sobre sua constitucionalidade como um todo, e, caso não declare expressamente a inconstitucionalidade de certo dispositivo, o julgamento surte o efeito contrário, ou seja, de declará-lo constitucional. Além disso, tal decisão possui eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação a todos os órgãos do Poder Judiciário, por força do disposto no art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99. Portanto, não resta a esse Tribunal outra opção a não ser seguir a orientação fixada pelo STF.” (os grifos são do original)

 

Essa afirmação é juridicamente absurda. Não seria pelo fato de que tenham sido questionados, perante o STF, alguns dispositivos da Lei nº 8.906/94, que nada têm a ver com o Exame de Ordem, que nós poderíamos entender que já existe uma orientação do STF sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, como pretende a Procuradoria da OAB/RJ. Essa afirmação é mais absurda ainda, porque não partiu de “bacharéis ignorantes”, como estão sendo tratados, pela OAB/RJ, os agravados, mas de advogados, inscritos nos quadros da OAB, que atuam em sua Procuradoria, e que certamente foram aprovados, com louvor, no Exame de Ordem.

 

Seria o mesmo que afirmar que uma decisão do Supremo Tribunal Federal, referente a um simples dispositivo qualquer, da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), teria o condão de firmar uma orientação, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, sobre a constitucionalidade dos 2.046 artigos dessa Lei!  É uma idéia genial, realmente, que poderia contribuir para acabar, de uma vez por todas, com o problema do acúmulo de processos no Supremo! E, também, de quebra, com o nosso sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade!

 

Na verdade, os dispositivos da Lei Federal nº 8.906/1994, questionados na ADIn nº 1.127, citada pela Procuradoria da OAB/RJ, foram apenas os seguintes: artigo 1º , inciso  I e § 2º; artigo 2º, § 3º; artigo 7º, incisos II, IV, V e IX e §§ 2º, 3º e 4º ; artigo 28, inciso II e o artigo 50. Não foram questionados, absolutamente,  o art. 8º, inciso IV e § 1º; e nem o art. 44, I, no tocante ao termo “seleção”.

 

A constitucionalidade do Exame da OAB foi questionada, perante o STF, em três oportunidades, apenas: (1) na ADIn 3613-1–DF, sendo relator o Min. Carlos Britto e requerente a Associação Brasileira de Eleitores, foi negado seguimento, em decisão monocrática de 24.11.2005, por falta de legitimidade da requerente para a propositura de ADIn; (2) na ADIn 1.473-1-DF, sendo relator o Min. Francisco Rezek e Requerente Antonio Alves de Lara, foi negado seguimento, em decisão monocrática de 27.06.1996, também por falta de legitimidade do requerente para a propositura de ADIn; e (3) na ADIn 1.288-6-DF, sendo relator o Min. Francisco Rezek e requerente José Gilberto de Oliveira, também foi negado seguimento, em decisão monocrática de 05.06.1995, por falta de legitimidade do requerente para a propositura de ADIn.

 

Verifica-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal não enfrentou o tema da inconstitucionalidade desse Exame em nenhuma das três ADIn acima referidas, que realmente questionavam os dispositivos do Estatuto, referentes ao Exame da OAB. Por questões meramente processuais, pertinentes ao disposto no art. 103 da Constituição Federal – rol de legitimados para a propositura de ADIn e ADC -, o Supremo não apreciou a questão da inconstitucionalidade do Exame da OAB, e nada decidiu a respeito.

 

Não é verdade, portanto, absolutamente, que já exista uma orientação do Supremo sobre a constitucionalidade do Exame de Ordem, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

 

 

3. A refutação da Procuradoria da OAB/RJ

 

Em seguida, a Procuradoria da OAB/RJ passou “à refutação específica dos argumentos da inicial”.

 

 

Disse, então, que

 

“o próprio dispositivo constitucional, que garante o livre exercício da profissão, prevê, como exceção, que a lei poderá criar restrições de cunho técnico para tal atuação”, e que “a Lei 8.906/94, em estrita observância ao preceito constitucional, impôs, em seu artigo 8º, diversos requisitos que devem ser preenchidos por aqueles que desejam obter sua inscrição nos quadros da OAB. Dentre tais requisitos se incluem, simultaneamente, o “diploma ou certidão de graduação em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada” (inciso II), bem com a “aprovação em exame de ordem” (inciso IV). Ambas as restrições se enquadram no conceito de exigência de qualificação profissional.”  (os grifos são do original)

 

 Citou, em seguida, o art. 44, I, do Estatuto da OAB, sublinhando no texto a pretensa competência da OAB para promover a seleção dos advogados e afirmou, ainda, que:

 

“a Lei 8.906/1994, exige conhecimentos jurídicos mínimos – os quais se confundem, no caso da advocacia, com o conceito de qualificação profissional – para que um bacharel possa tornar-se advogado, não bastando para isso a mera conclusão de bacharelado em Direito em instituição oficialmente reconhecida.” (os grifos são do original)

 

 Aqui está mais um grave erro da Procuradoria da OAB/RJ: não é verdade que o Exame de Ordem possa ser enquadrado no conceito de exigência de qualificação profissional. O Exame de Ordem é, ao contrário, um instrumento de avaliação da qualificação profissional.

 

Esse instrumento, contudo, é inconstitucional, exatamente porque não compete à OAB avaliar a qualificação profissional dos acadêmicos ou dos bacharéis, e muito menos a qualificação dos bacharéis já diplomados por uma instituição de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo poder público, através do MEC. Não cabe à OAB fazer a seleção dos advogados, como afirma o art. 44, I, acima citado. À OAB competem, apenas, a representação, a defesa e a disciplina dos advogados. Esse dispositivo do Estatuto é inconstitucional, quando menciona a seleção.

 

 Portanto, não é o Exame da OAB que pode qualificar um bacharel, para que ele se transforme, por um passe de mágica, em um advogado. Basta ler a Constituição Federal, com atenção: art. 205- O ensino qualifica para o trabalho. Ou seja, o bacharel, diplomado, está apto a exercer a sua profissão liberal, qualquer que seja ela: médico, administrador, engenheiro, assistente social, bibliotecário, biólogo, contabilista, corretor de imóveis, corretor de seguros, economista, etc. O único requisito cabível, além do diploma, será a inscrição do bacharel em seu conselho profissional, que recebe do Estado Brasileiro a delegação do poder de polícia, para a fiscalização do exercício profissional.

 

Depois, é preciso ler, também, para corroborar essa exegese, o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – o diploma atesta a qualificação profissional. Portanto, o Exame da OAB é materialmente inconstitucional.

 

Leia-se, ainda, o art. 209 da Constituição Federal:  compete ao poder público autorizar e avaliar a qualidade do ensino privado. Nas instituições públicas de ensino superior, a Constituição não diz, mas é evidente que a competência é também do poder público, através do MEC, e não da OAB.

 

Verifica-se, portanto, que o Exame da OAB atenta, ainda, contra o princípio constitucional da isonomia, porque o legislador, preocupado, como afirmou a Procuradoria da OAB/RJ, com a qualidade dos profissionais, criou um Exame apenas para os bacharéis em Direito, esquecendo, evidentemente, que existem outros profissionais, que poderiam causar maiores danos, à sociedade, do que um advogado, caso não tivessem a necessária qualificação profissional, a exemplo dos médicos e dos engenheiros.

 

É claro que o advogado, por maiores que sejam as suas responsabilidades, não pode causar um desastre tão grave como o do desabamento das obras do metrô de São Paulo, ou como um acidente de proporções incalculáveis, na ponte Rio – Niterói, ou em um prédio de cem pavimentos…

 

É claro que o advogado não tem tanta responsabilidade como um médico, cujos erros podem ser fatais, possibilitando até mesmo a morte de populações inteiras, atingidas por inúmeras epidemias…

 

Isso é tão evidente, que causa espanto que os dirigentes da OAB e os defensores do Exame de Ordem não reconheçam esse atentado ao princípio da isonomia.

 

Mas não é só. Se fosse realmente o caso, de que os dirigentes da OAB estivessem preocupados apenas com a qualificação profissional dos bacharéis em Direito, e não com a saturação do mercado de trabalho da advocacia, por que será que eles não defendem a aplicação do Exame de Ordem, também, para os advogados antigos, que são a imensa maioria, porque o Exame da OAB somente se tornou obrigatório, realmente, a partir de 1.996, com a edição, pelo Conselho Federal da OAB, do Provimento nº 81, “regulamentando” o Exame, conforme a “delegação” constante do §1º do art. 8º do Estatuto da OAB – também inconstitucional, aqui formalmente, como será explicado a seguir.

 

Não se deve esquecer, é claro, que foi a própria OAB quem elaborou o anteprojeto, que resultou na aprovação da Lei nº 8.906/94, o Estatuto da OAB. Foi a própria OAB quem fez essa opção, nesse anteprojeto, pela aplicação do Exame, apenas, aos novos bacharéis. Os já inscritos, poderão continuar advogando, mesmo que não tenham a qualificação necessária. E o interesse público, tão defendido pelos dirigentes da OAB, não deveria prevalecer, por acaso??

 

 

4. A questão da baixa qualidade do ensino jurídico

 

Neste ponto, a Procuradoria da OAB/RJ passou a abordar a questão da baixa qualidade do ensino jurídico, para dizer que as instituições privadas têm motivações mercantilistas e que, por essa razão, a lei conferiu à OAB (…) a competência para aferir a capacidade dos bacharéis para o exercício da advocacia. Isso porque tal instituição é neutra em relação aos espúrios interesses anteriormente mencionados. (os grifos são do original)

 

Esta é uma questão crucial, e costuma ser o único argumento dos defensores do Exame de Ordem: devido à proliferação de faculdades de Direito de baixa qualidade, o Exame da OAB é necessário.  Essa não é, evidentemente, uma argumentação plausível. Se o MEC não está cumprindo corretamente as suas atribuições, isso não é razão para que a OAB passe a usurpar as competências constitucionalmente atribuídas ao poder público – com exclusividade – para a avaliação e a fiscalização do ensino, de acordo com os já citados dispositivos, dos artigos 205 e 209 da Constituição Federal.

 

Além do mais, como pode a Procuradoria da OAB/RJ afirmar que a OAB é neutra em relação aos espúrios interesses mencionados – das instituições de ensino -, esquecendo que ela própria, a OAB, não pode ser considerada neutra, quando se trata da proteção do mercado de trabalho dos advogados já filiados??

 

A solução, em vez de manter esse Exame inconstitucional – e o Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito já apresentou ao Congresso um anteprojeto –, seria a criação de um Exame Nacional, para todas as profissões, a ser aplicado pelo MEC, no decorrer do curso superior. Dessa maneira, o acadêmico somente seria diplomado se ficasse comprovada, realmente, a sua qualificação profissional, pela faculdade e pelo MEC. Conseqüentemente, também, as faculdades que não tivessem um ensino de qualidade poderiam ser fechadas. Pelo MEC, e não pela OAB.

 

 

5. As decisões jurisprudenciais

 

A Procuradoria da OAB/RJ transcreveu decisões jurisprudenciais favoráveis ao Exame de Ordem, todas equivocadas. Poderíamos transcrever inúmeras outras, em sentido contrário, mas isso é desnecessário.

 

Merece comentário, no entanto, apenas uma dessas decisões, que afirma:

 

“Não é lícito confundir o status de bacharel em direito, com aquele de advogado. Bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi. II. A inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nela se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado. III. A seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público. Não é de bom aviso liberalizá-la.”

 

O raciocínio é inteiramente equivocado. Todos os bacharéis estão aptos ao exercício de uma profissão liberal, bastando para isso a inscrição em seu conselho profissional. É claro que o bacharel é o diplomado em um curso de Direito e que esse bacharel assumirá a condição de advogado somente depois de inscrito em uma seccional da OAB. Mas o problema é justamente a exigência de um Exame, feito pela OAB, apenas para o bacharel em Direito, para supostamente avaliar a sua qualificação profissional, a qualificação de um bacharel já diplomado. Qual seria a razão para que apenas os bacharéis em Direito precisassem, ainda, de mais um requisito, para a comprovação de sua qualificação profissional, que resulta apenas do ensino (Constituição Federal, art. 205) e que já foi certificada através de um diploma de uma instituição de ensino superior, autorizada, fiscalizada e avaliada pelo Estado Brasileiro, através do MEC, de acordo com os já citados dispositivos da Constituição Federal? Se isso não atenta contra o princípio da isonomia, e contra o direito fundamental da liberdade do exercício profissional, nada mais atentaria…

 

É claro que a seleção dos bacharéis deve ser rigorosa e que a advocacia deve ser exercida por advogados competentes – e, também, é claro, éticos, em primeiro lugar -, mas não compete à OAB fazer essa seleção. A competência é, claramente, do poder público, nos precisos termos do art. 209, II, da Constituição Federal. Se o MEC não está cumprindo corretamente as suas atribuições, isso não autoriza a OAB a usurpar a sua competência, tenham a santa paciência!!

 

 

6. A inconstitucionalidade da delegação ao Conselho Federal da OAB

 

 A Procuradoria da OAB/RJ abordou, também, a questão da inconstitucionalidade da delegação contida no art. 8º, §1º, da Lei 8.906/94.

 

Disse, então, que:

 

“deve ser feita a distinção entre os regulamentos autônomos e os regulamentos de execução. Os regulamentos autônomos, como o próprio nome já denota, são aqueles que podem ser editados sem uma lei anterior que o preveja, explícita ou implicitamente. Exercem o mesmo papel da lei em sentido estrito, eis que inovam na ordem jurídica, encontrando limites apenas no texto constitucional. É o caso das famigeradas medidas provisórias. Já os regulamentos de execução servem para proporcionar a atuação prática de um dispositivo legal que, por necessidade de detalhamento ou por excessivamente técnico, preferiu-se delegar a outro órgão de caráter público (que não o próprio Congresso), que detenha a capacidade para fazê-lo de forma escorreita. Destinam-se, em suma, a executar a lei sem contrariá-la. O provimento 109/2005 do Conselho Federal da OAB indiscutivelmente enquadra-se, nessa dicotomia, na segunda espécie: a dos regulamentos de execução”. (grifos nossos)

 

E, logo em seguida, afirmou:

 

“Ora, os dispositivos constitucionais colacionados na inicial (art. 84, inciso IV, inciso VI e parágrafo único) dizem respeito tão-somente à primeira espécie de regulamento: o regulamento autônomo. E pode-se entender perfeitamente o motivo para a restrição de competência para sua edição: como dito, os regulamentos autônomos inovam na ordem jurídica, ostentando força de lei. Daí a necessidade de comedimento em sua edição e delegação a outros órgãos da administração pública, que não a presidência da república.”

 

Mais uma vez, enganou-se redondamente a Procuradoria da OAB/RJ. Em primeiro lugar, porque os regulamentos autônomos, que podem inovar a ordem jurídica, são apenas aqueles previstos no inciso VI do art. 84 da Constituição Federal. Eles versam, apenas, sobre “organização e funcionamento da administração federal” e sobre “extinção de funções e cargos públicos”. Trata-se de uma inovação introduzida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, uma oitava espécie normativa, o decreto autônomo, que não se limita a “regulamentar as leis, para a sua fiel execução”, como os regulamentos de execução, previstos no inciso IV, “in fine”, do art. 84 da Constituição Federal.

 

As “famigeradas medidas provisórias”, a que se refere a Procuradoria da OAB/RJ, não são regulamentos autônomos, absolutamente. Que absurdo!  São atos normativos primários, são leis, embora provisórias.

 

Vejamos o art. 59 da Constituição Federal:

 

“O processo legislativo compreende a elaboração de:

 

I-                emendas à Constituição;

II-            leis complementares;

III-       leis ordinárias;

IV-           leis delegadas;

V-                medidas provisórias;

VI-           decretos legislativos;

VII-       resoluções.

 

Pela simples leitura desse dispositivo, verifica-se que: (1) as medidas provisórias são leis, têm força de lei, embora ainda dependam de uma aprovação posterior, pelo Congresso Nacional; (2) todos esses instrumentos, acima enumerados, e agora também o decreto autônomo, já referido, têm força de lei, para os efeitos do inciso II do art. 5º da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; (3) o outro instrumento, de que pode dispor o Presidente da República, para a edição de normas primárias, é a lei delegada, que é elaborada por ele, mas depende de uma delegação do Congresso Nacional, feita através de uma resolução.

 

Não é verdade, também, que “os dispositivos constitucionais colacionados na inicial (art. 84, inciso IV, inciso VI e parágrafo único) dizem respeito tão-somente à primeira espécie de regulamento: o regulamento autônomo”,  (…) “que inova a ordem jurídica, ostentando força de lei”, como afirmou a Procuradoria da OAB/RJ.  Basta que os ilustres Procuradores leiam, com atenção, o inciso IV, in fine, do art. 84 da Constituição Federal: “expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.

 

Não se trata, absolutamente, de inovar a ordem jurídica. Até esta data, ainda estamos respeitando, no Brasil, o princípio da legalidade, que qualquer acadêmico da 2ª série de nossos cursos jurídicos deve conhecer.

 

Trata-se, portanto, de uma enorme confusão, típica de quem não tem muita intimidade com o nosso processo de elaboração legislativa. O inciso VI trata do regulamento autônomo, conforme já explicado. Mas o inciso IV, “in fine”, do art. 84, trata do regulamento de execução, ou seja, aquele que se destina a “regulamentar as leis para a sua fiel execução”, competência privativa, exatamente, do Presidente da República, que somente pode ser delegada aos Ministros de Estado, e nunca ao Conselho Federal da OAB, como se observa pela simples leitura do parágrafo único do art. 84 da Constituição Federal, já citado.

 

Em suma: o poder regulamentar do Presidente da República é indelegável ao Conselho Federal da OAB, quer se trate do regulamento de execução, quer se trate do regulamento autônomo.

 

A jurisprudência do STF, transcrita pela Procuradoria da OAB/RJ, serve apenas para comprovar a veracidade do que estamos afirmando: os regulamentos de execução não estão sujeitos ao controle de constitucionalidade, porque não têm caráter normativo autônomo. Servem, apenas, para a “fiel aplicação das leis”.

 

O controle de constitucionalidade se refere, apenas, à “lei ou ao ato normativo do poder público”. Basta que se leia, por exemplo, o art. 97 da Constituição Federal – “Somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público”. O que não significa, é claro, que os juízes singulares não tenham competência, também, para a declaração da inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do poder público.

 

Ou, então, poderia ser lido o art. 102, I, “a”, da Constituição Federal – Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:  I- processar e julgar, origináriamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.

 

Não é verdade, como afirma a Procuradoria da OAB/RJ, que a “doutrina e jurisprudência nacionais afirmam, tranquilamente, a ampla possibilidade de delegação dos regulamentos de execução, a quaisquer órgãos de natureza pública que tenham a capacidade de regulamentar a matéria em jogo”.

 

Ao contrário, existem sérias divergências, até mesmo, em relação ao poder regulamentar das agências reguladoras, que são autarquias, vinculadas, portanto, à administração pública, o que não é o caso da OAB, que não é autarquia e que não admite qualquer vinculação,nem controle, pelo Tribunal de Contas da União, por exemplo.

 

A citação de André Cyrino, feita pela Procuradoria da OAB/RJ, é uma pena, mas não tem nada a ver com a questão discutida, porque trata, apenas, da lei delegada, já referida anteriormente.

 

Quanto à citação de Vitor Nunes Leal, serve também para corroborar o que afirmamos: o regulamento, para ser válido e eficaz, deve servir para a fiel aplicação da lei, mas pode abrigar inovações expressa ou implicitamente permitidas pela lei.

 

Mas, ainda assim, insiste-se, o poder regulamentar compete privativamente ao Presidente da República, não podendo ser delegado ao Conselho Federal da OAB.

 

 Em uma oportunidade, pelo menos, essa questão, da transferência do poder regulamentar, do Presidente da República, para o Conselho Federal da OAB, já foi levada até o Supremo Tribunal Federal, através da ADIn 1.194, ajuizada em 1.996, pela Confederação Nacional da Indústria, que argüiu a inconstitucionalidade de diversos dispositivos do Estatuto da Advocacia, entre eles o do art. 78, que pretendeu transferir o poder regulamentar ao Conselho Federal da OAB, verbis: “art. 78 – Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o regulamento geral deste estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta lei”.

 

O Supremo julgou inconstitucionais alguns desses dispositivos, mas acatou a preliminar de ilegitimidade ativa da Confederação Nacional da Indústria, em relação ao art. 78, por falta de pertinência temática. Em outras palavras: devido a certos detalhes técnico-processuais, o Supremo se negou a examinar o art. 78 do Estatuto da OAB, para decidir se ele é ou não inconstitucional, porque a Confederação da Indústria somente poderia argüir a inconstitucionalidade desse artigo se ficasse comprovada a pertinência temática, isto é, a existência de uma relação entre a norma impugnada e as atividades da requerente.

 

 

7.  A OAB é uma Agência Reguladora?

 

A Procuradoria da OAB/RJ, em sua argumentação, chegou ao ponto de comparar a OAB com as Agências Reguladoras, “cujo papel principal é justamente regulamentar matérias que estão sob sua alçada técnica, fazendo-o, algumas vezes, até mesmo em detrimento de leis em sentido formal anteriores”.

 

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, na ADIn nº 1.668-DF, sendo relator o Min. Ricardo Lewandowski, que a delegação legislativa de competência normativa à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), como prevista no artigo 19, incisos IV e X da Lei nº 9.472, 1997, subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e uso dos serviços de telecomunicações:

 

“… a) quanto aos incisos 0IV e 00X , do art. 019 ,  sem  redução  do texto, dar-lhes interpretação conforme à Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegese segundo a  qual  a  competência  da  Agência Nacional de Telecomunicações  para  expedir  normas  subordina-se  aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga,  prestação  e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado, vencido o Ministro Moreira Alves , que o indeferia;…”

 

Em outras palavras, as normas baixadas pela Anatel devem respeitar a LEI do Congresso e o DECRETO do Presidente da República.

 

 Evidentemente, o princípio da legalidade continua em vigor, e o Presidente da República continua sendo o titular de seu poder regulamentar, privativo, e delegável apenas nos termos do parágrafo único do já citado art. 84 da Constituição Federal.

 

 Os doutrinadores costumam defender, realmente, que as agências reguladoras podem editar atos normativos, mas dizem que essas agências são órgãos e entidades da Administração que, em decorrência de expressa delegação legal, podem inovar a ordem jurídica, em matérias técnicas relativas à sua área de atuação.

 

No entanto, existem condições para a válida edição dessas normas, a saber:

 

 (1) a matéria a ser disciplinada pela agência reguladora não pode ter sido objeto de expressa reserva constitucional;

 

(2) que haja lei delegando expressamente a competência à agência reguladora;

 

(3) que a delegação seja restrita a matérias técnicas pertencentes à área de atuação da agência;

 

(4) que a lei, além de efetuar a delegação, estabeleça os parâmetros para o exercício da competência normativa da agência reguladora.

 

 Não é o caso da OAB, portanto.

 

Em primeiro lugar, porque a matéria, o Exame de Ordem, como uma condição para o exercício da advocacia, foi objeto de expressa reserva constitucional. O art. 22 da Constituição Federal dispõe: “Compete privativamente à União legislar sobre: (…) condições para o exercício de profissões” (inciso XVI). Além disso, verifica-se que o parágrafo único desse mesmo artigo dispõe: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.  Portanto, a comparação tentada pela Procuradoria da OAB/RJ, forçadíssima, não se aplica à OAB, porque o Estatuto da OAB não é lei complementar e porque a OAB não é um dos Estados da Federação Brasileira.

 

Em segundo lugar, o Conselho Federal da OAB não pode editar atos normativos, porque embora exista a lei – o § 1º do art. 8º do Estatuto da OAB –,  delegando expressamente a competência ao Conselho Federal da OAB, essa lei não estabeleceu qualquer parâmetro para o exercício da competência normativa da agência reguladora, ou seja, da OAB. A atividade regulamentar deve ser estritamente subordinada ao disposto na lei. O regulamento é um ato normativo inferior, “destinado à fiel execução da lei”. No caso do Exame de Ordem, o Congresso Nacional deu “um cheque em branco” ao Conselho Federal da OAB.

 

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

 

“agência reguladora, em sentido amplo, seria, no direito brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Se for entidade da administração indireta, ela está sujeita ao princípio da especialidade, significando que cada qual exerce e é especializada na matéria que lhe foi atribuída por lei”.

 

Não é o caso da OAB, evidentemente. O Supremo Tribunal Federal já decidiu, na ADI 3026-DF, julgada em 08.06.2006, que:

 

(…) 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como “autarquias especiais” para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”. 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária….” (grifos nossos)

 

Portanto, a OAB não é autarquia, e não é agência reguladora. Restaria aos defensores do Exame de Ordem, apenas, dizerem que a OAB é um dos Poderes Constituídos do Estado, e que pode legislar sobre todas as matérias de seu interesse: Exame de Ordem, anuidades dos advogados, honorários profissionais, prerrogativas da advocacia, mercado de trabalho, convênios com o Estado – SP, SC, etc.. – para a prestação de assistência jurídica aos carentes, etc…

 

 Será que já não estamos assistindo à derrocada do sistema de separação de poderes, de que falavam Montesquieu, ou os “fathers” da Constituição norte-americana – Hamilton, Madison e Jay, no “Federalista” -,  com uma classe, ou um grupo, unido pelos mesmos interesses,  controlando todos os Poderes do Estado: “same hands” ???

 

A advocacia, diz a Constituição Federal, é uma das instituições essenciais à Justiça. O seu âmbito de atuação é, naturalmente, o Poder Judiciário. Não é possível, portanto, que o seu órgão de classe, a OAB, queira controlar, também, o Legislativo e o Executivo. Não é possível que a OAB desempenhe funções legiferantes, privativas do Congresso Nacional, nem que ela exerça o poder regulamentar, privativo do Presidente da República. Não é possível, também, que a OAB usurpe a competência do MEC e passe a fiscalizar, diretamente, as Instituições de Ensino Superior.

 

A OAB deve respeitar a Constituição. Deve, aliás, de acordo com o art. 44 do Estatuto, atuar em sua defesa…

 

 

8. Argumento oportunista ou garantia de acesso à prestação jurisdicional?

 

Finalmente, sob o título “argumento oportunista”, a Procuradoria da OAB/RJ criticou os Agravados, pelo fato de já terem feito o Exame de Ordem e porque estão buscando, na Justiça, a proteção do seu direito fundamental ao exercício da advocacia, para a qual estão qualificados, de acordo com o diploma, de uma Instituição de Ensino Superior, autorizada, fiscalizada e avaliada pelo Estado Brasileiro.

 

É preciso ressaltar que muitos dos que já realizaram o Exame e foram aprovados estão unidos aos “poucos aspirantes à advocacia” – mais de dois milhões, de acordo com os próprios dirigentes da OAB -, para combater esse Exame inconstituciional, que denigre uma instituição séria e respeitável, porque alguns de seus dirigentes o utilizam como um mecanismo de reserva de mercado, ou para ampliar a sua influência e o seu poder nas instituições de ensino superior, ou para a realização de cursinhos preparatórios, alguns deles nas próprias Seccionais da OAB, ou até mesmo – existem denúncias, que estão sendo apuradas, em Goiás, DF, SP -, para as fraudes e a venda da aprovação, no Exame da OAB.

 

É preciso ressaltar, também, que inúmeros advogados não compactuam com esse Exame, e mesmo aqueles que não questionam a sua inconstitucionalidade reconhecem que, apesar de toda a sua experiência profissional, seriam incapazes de obter aprovação no Exame da OAB, e que esse Exame não se presta, na realidade, a avaliar a qualificação profissional do advogado e deveria ter, no mínimo, alguma transparência, porque ele é controlado, apenas, pela OAB, sem qualquer fiscalização externa, por exemplo, do Judiciário, do Ministério Público, do MEC, ou das próprias instituições de ensino superior, que são diretamente interessadas nos resultados do Exame de Ordem.

 

Ao contrário, absurdamente, quando se trata de concursos públicos, da magistratura ou do Ministério Público, por exemplo, a OAB envia representantes, para a fiscalização da lisura desses certames…

 

 É verdade que os dirigentes da OAB são, presumivelmente, honestos e extraordinariamente éticos, mas um pouco de cautela e de fiscalização externa poderia servir, com certeza, na melhor das hipóteses, para resguardar a própria credibilidade da OAB.

 

 

9. Considerações finais

 

O Exame da OAB precisa acabar, porque é inconstitucional. Os dirigentes da OAB devem rever a sua posição, de defesa intransigente desse Exame, que só tem contribuído para o descrédito dessa instituição, que é, ou deveria ser, um dos baluartes do Estado democrático de Direito e um dos maiores guardiões de nossa Lei Fundamental.

 

 Não é o Exame da OAB que deve ser considerado necessário, como a única saída para evitar a mercantilização do ensino e a proliferação dos cursos jurídicos de baixa qualidade. O Exame da OAB não é a solução, para que se possa garantir a boa qualificação profissional da advocacia.

 

 Com o término do Exame, não deverá haver um caos no Judiciário, absolutamente, como afirmam os dirigentes da OAB. Ao que se saiba, apesar de nenhuma outra profissão liberal ter conseguido, até esta data, a aprovação de uma lei, criando um Exame semelhante, para “filtrar os profissionais desqualificados”, não está ocorrendo, no Brasil, nenhum transtorno especial, nessas profissões, além dos que poderiam ser considerados normais, em face de nossa realidade sócio-econômica. Não existe nenhum caos especial, na Engenharia, que não faz nenhum Exame, para barrar 90% dos bacharéis diplomados pelas Instituições de Ensino Superior, nem na Administração, nem na Medicina, etc…

 

Se a população não conta, por exemplo, com um nível ao menos decente de assistência à saúde, o que seria um direito constitucional fundamental, que o Estado Brasileiro deveria efetivar, isso não está ocorrendo, é claro, porque os médicos tenham uma qualificação profissional deficiente, mas por falta de investimentos nessa área.

 

O mesmo acontece em relação à Justiça, que também é extremamente deficiente, cara e elitista. A crise no Judiciário já era discutida nos anos 60, quando não existia o Exame da OAB, e as coisas não melhoraram muito. O Brasil continua sendo um País extremamente desigual, especialmente na questão do acesso à Justiça. Se os pobres não têm acesso à Justiça, até hoje, mesmo depois da Constituição Federal de 1.988, que criou as Defensorias Públicas, isso acontece pela falta de decisões políticas e de investimentos públicos, também, nessa área. As Defensorias Públicas não têm condições de atender a enorme demanda, e os dirigentes da OAB, sob a alegação de que é preciso garantir aos carentes o acesso à Justiça, preferem assinar convênios com Estados e Municípios – SP, SC, etc. -, para dar emprego, remunerado pelos cofres públicos, sem concurso, a milhares de advogados, pertencentes a seus quadros.

 

Existem diversos interesses conflitantes, nesta questão do ensino superior, do Exame de Ordem da OAB e do mercado de trabalho: os interesses do Estado Brasileiro, que precisa ampliar o acesso ao ensino superior, para que seja possível o desenvolvimento do País; os interesses da sociedade, que tem o acesso a um diploma como uma oportunidade de ascensão social; os interesses de determinadas faculdades, que visam em primeiro lugar o lucro, sem se preocuparem com a qualidade do ensino; os interesses dos cursinhos preparatórios do Exame de Ordem; os interesses das instituições contratadas para a realização do Exame; os interesses das Editoras, que produzem e vendem o material relacionado com o Exame; os interesses corporativos, que visam a proteção do mercado de trabalho dos profissionais filiados; e os interesses individuais de todas as pessoas envolvidas nesse processo, ou sejam, os dirigentes e funcionários do MEC, os professores contratados pelo MEC para o processo de avaliação das instituições de ensino superior, os bacharéis e as famílias dos bacharéis, os advogados e as famílias dos advogados, os dirigentes e os professores das instituições de ensino superior e dos cursinhos preparatórios, os donos das instituições que realizam o Exame e das Editoras que vendem livros sobre o Exame de Ordem, e finalmente os dirigentes da OAB, além dos professores que prestam serviços, eventualmente, a essa instituição. Não devem ser esquecidos, também, os políticos, cuja atuação parlamentar poderá beneficiar ou prejudicar todas essas pessoas, acima referidas. Muitos desses políticos, aliás, são donos de faculdades…

 

É preciso, portanto, que se encontre uma solução urgente, razoável e justa, para todos os envolvidos, para que se consiga resolver esse conflito.

 

 Não é possível entregar todo o poder, discricionário, evidentemente, a uma só das partes envolvidas no processo, ou seja, à OAB, permitindo que ela decida quem pode ou não pode advogar, como está sendo feito. Isso é tão evidente, que qualquer pessoa de mediana inteligência deveria ter a maior facilidade de compreender. Esse é um poder muito grande, para ser entregue a uma só pessoa, ou a uma só instituição. Como já dizia Montesquieu, é preciso dividir o poder, para que se evitem os abusos e a tirania…

 

Entregar à OAB uma “carta em branco”, para regulamentar o Exame de Ordem, como foi feito pelo Estatuto da OAB, em seu art. 8º, §1º, e permitir que esse Exame seja feito, sem qualquer controle externo, é o mesmo que contratar a mucura para tomar conta do galinheiro. A conseqüência, péssima para a OAB, foram as recentes denúncias de fraudes no Exame – Goiás, DF, SP -, que causaram até mesmo o afastamento de alguns dirigentes da OAB.

 

Por outro lado, também não é possível deixar todo o poder nas mãos das universidades e faculdades, para que elas possam, livremente, decidir quem deve ser diplomado, mesmo que não tenha o mínimo razoável de qualificação profissional. Teríamos, assim, certamente, a proliferação das “fábricas de diplomas”.

 

Também não se pode deixar todas as decisões nas mãos dos dirigentes e servidores do MEC, porque isso também poderia gerar os abusos que sempre se espera, quando ocorre a concentração excessiva de poderes nas mãos de uma só pessoa, ou de um só órgão.

 

Evidentemente, como as instituições são formadas por seres humanos, precisamos considerar, sempre, a possibilidade da existência de fraudes – não estou dizendo que elas aconteceram -, como, por exemplo, na venda da aprovação no Exame de Ordem, por integrantes da própria OAB, ou na possível venda de diplomas, por professores ou dirigentes das instituições de ensino superior, ou no recebimento de propinas, por dirigentes e servidores do MEC, para a abertura ou para a aprovação de cursos superiores.

 

Enfim, o que deve prevalecer é o interesse social, ou seja: o Brasil precisa ampliar o acesso ao ensino superior, mas é preciso resguardar a qualidade do ensino. Esses profissionais, com boa qualificação técnica, serão essenciais para o desenvolvimento do País. Em outra vertente, esse processo deve permitir, também, a ascensão social de uma grande parcela de nossa população, que até hoje se encontra excluída da sociedade. É preciso reduzir as desigualdades sociais, e esse é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição Federal, art. 3º, III)

 

Deve ser ressaltado, também, que não é possível cobrar qualidade, apenas, das instituições privadas de ensino superior, e cobrar, também, exageradamente, apenas das faculdades de Direito, devido às pressões da OAB.

 

As deficiências do ensino existem em todos os níveis, o que faz com que um grande percentual dos concluintes chegue aos bancos universitários sem a bagagem mínima necessária para a continuação de seus estudos, com qualidade. Os concluintes do ensino médio vão disputar as poucas vagas, gratuitas, das universidades federais. Em conseqüência, selecionados rigorosamente, à razão de até uma vaga para setenta candidatos, como, por exemplo, no vestibular para Direito, de janeiro de 2007, na UNB, de Brasília, esses acadêmicos deverão ter, muito provavelmente, um melhor rendimento escolar. Posteriormente, terão melhores resultados, em concursos, ou no Exame de Ordem, e as conclusões serão inevitáveis: o curso da UNB é um dos melhores. Evidentemente, isso pode não ser verdade, se considerarmos a melhor qualidade, presumível, desses acadêmicos. No caso, excelente não teria sido o curso jurídico, mas o material humano que ele recebe, para trabalhar.

 

 Quanto ao ensino superior privado, ele responde, hoje, por algo em torno de 90% das vagas. As mensalidades são muito altas, e acima das possibilidades da maioria das famílias brasileiras. Por essa razão, em muitos casos, a oferta de vagas poderá ser maior do que a demanda, o que possibilitará, evidentemente, o ingresso de acadêmicos que tenham uma formação muito deficiente, dificultando, ou até inviabilizando, a continuação de seus estudos e a formação de profissionais realmente qualificados. Os professores universitários não podem fazer milagres…

 

Portanto, é preciso cobrar a qualidade, também, do ensino médio e do ensino fundamental. O Governo precisa investir na educação e precisa melhorar as condições de trabalho, o salário e a qualificação dos professores. Sem isso, é hipocrisia cobrar, apenas, do ensino superior.

 

         Mas o Exame da OAB precisa acabar, porque é inconstitucional.

 

          Isso não significa, porém, que as Instituições de Ensino Superior deverão ficar inteiramente livres, para que funcionem como “fábricas de diplomas”, conforme já foi dito anteriormente. O Movimento Nacional de Bacharéis em Direito (MNBD) já apresentou ao Congresso Nacional um anteprojeto, que deveria sofrer uma ampla discussão, com a participação de todos os interessados.

 

          É preciso que seja criado um novo instrumento de avaliação, que respeite a Constituição Federal, que se aplique a todos os cursos superiores, e que seja feito pelo MEC, que tem competência constitucional, exatamente, para fiscalizar e avaliar o ensino, o que não ocorre com a OAB.

 

         É preciso, também, que esse instrumento de avaliação se aplique aos acadêmicos, e não aos bacharéis já diplomados. É um absurdo que os bacharéis recebam os seus diplomas, das instituições de ensino superior, autorizadas, fiscalizadas e avaliadas pelo Estado Brasileiro, através do MEC, e depois esses diplomas possam ser anulados, para 90% desses bacharéis, como acontece, hoje, com o Exame da OAB.

 

         É preciso, finalmente, que esse instrumento de avaliação seja aplicado com transparência, e que seja fiscalizado por todas as partes envolvidas: a sociedade, as faculdades, as corporações profissionais, etc.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Resposta à OAB/R J: a liminar do Exame de Ordem. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/resposta-a-oabr-j-a-liminar-do-exame-de-ordem/ Acesso em: 25 abr. 2024