Sociedade

Razões de Recurso

Razões de Recurso

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

19.10.2007

 

A Autora pretende que seja declarada a inexistência de relação jurídico-obrigacional de prestar Exame de Ordem, da Autora para com a Requerida, tendo em vista a manifesta nulidade do provimento n o 109/2005, do Egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como a obrigação de efetuar a sua imediata inscrição nos quadros de Advogados da Requerida.

 

Em sua decisão, o MM. Juízo a quo, a título de fundamentação, disse apenas que:

 

1)                            a Lei 8.906/94 prevê expressamente a exigência da aprovação no Exame de Ordem. Não se vislumbra abuso na exigência. Não há vício formal na lei que a prevê, estando em consonância com os ditames da legalidade e da reserva legal (sic).

 

2)                            Sob o aspecto material, o Exame de Ordem constitui instrumento para aferição dos conhecimentos de candidatos ao exercício da advocacia. O controle do exercício profissional é medida de ordem pública, afeita ao interesse social. Revela o interesse na preservação de qualidade mínima para o

desempenho da profissão, buscando ilidir o perigo de profissionais tecnicamente inabilitados, que, por deficiente formação acadêmica, coloquem em risco a defesa de direitos dos cidadãos, seja na advocacia contenciosa, seja na consultoria preventiva. Não se deve perder de vista, também, que a função do advogado, consoante a Constituição Federal (artigo 133), é indispensável à administração da justiça.

 

3)                           O Provimento nº 109/2005, (sic) apenas estabelece normas e diretrizes ao Exame de Ordem, (sic) não inova na exigência da prévia aprovação no exame, pois o requisito está previsto na Lei nº 8.906/94 como condição à inscrição como advogado.

 

4)                            Portanto, inexistindo qualquer mácula à exigência de prévia aprovação no Exame de Ordem para a inscrição e registro nos quadros de advogados da OAB, a presente ação deve ser julgada improcedente, etc…

 

No mais, além dessa fundamentação (?), o MM. Juízo a quo juntou duas decisões, que afirmam também, gratuitamente, que o Exame da OAB é constitucional.

 

Por essas razões, a Autora interpõe o presente recurso, para pedir a reforma da referida Decisão, pelas RAZÕES SEGUINTES:

 

A Decisão do MM. Juiz a quo é nula, por absoluta falta de fundamentação.

 

Assim, diz ele, inicialmente (item 1), que “Não há vício formal na lei que a prevê, estando em consonância com os ditames da legalidade e da reserva legal”.

 

 Na verdade, a Autora nunca disse que existe vício formal na Lei que prevê o Exame. O que existe nessa Lei (Estatuto da Advocacia) é o vício material, ou seja, o conflito com diversos dispositivos constitucionais que atribuem ao poder público, e não à OAB, a competência para fiscalizar as Instituições de Ensino Superior e para avaliar a qualificação profissional dos bacharéis.  Assim, o MM. Juízo a quo não examinou, absolutamente, a alegação da Autora, neste ponto. Disse, apenas, que o Exame está em consonância com os ditames da legalidade e da reserva legal, como se houvesse alguma diferença entre legalidade e reserva legal.

 

De qualquer maneira, o que o MM. Juízo a quo afirma não corresponde à verdade jurídica, porque o Exame da OAB não está em consonância com o princípio da legalidade, de vez que a lei inconstitucional é nula, írrita e inexistente, e a obrigação do magistrado é a de não aplicar essa Lei, que destoa dos nossos padrões de regularidade jurídica, fixados em nossa Lei Fundamental.

 

No item 2 de sua fundamentação (?), o MM. Juízo a quo disse, apenas, que o Exame da OAB “revela o interesse na preservação de qualidade mínima para o desempenho da profissão, buscando ilidir o perigo de profissionais tecnicamente inabilitados….”

 

Esse é o argumento preferido dos dirigentes da OAB. Aliás, o único, mas não é um argumento jurídico, e não tem nada a ver com o aspecto material, referido pelo Ilustre Magistrado a quo. O aspecto material é o conflito direto da Lei com a norma da Constituição, acima referido. Trata-se apenas, neste caso, destas alegações do MM. Juízo a quo, de uma questão fática, de conveniência e oportunidade. Ou seja: ele está dizendo que o Exame da OAB é necessário, devido à proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade. No entanto, essa alegação não é capaz de anular o fato de que o Exame é inconstitucional, porque não compete à OAB a avaliação da qualificação profissional dos bacharéis em Direito, que já receberam um diploma, capaz de atestar essa qualificação profissional, de acordo com dispositivo expresso da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conforme já exaustivamente demonstrado pela Autora, em sua Inicial.

 

Se algum Exame deve ser exigido dos bacharéis ou estudantes de Direito, bem como de todos os outros bacharéis e acadêmicos, para avaliar a sua qualificação profissional, somente o MEC tem competência para isso, bem como para determinar o fechamento das instituições de ensino superior que não possuam os requisitos mínimos necessários para o seu funcionamento. Além do mais, esse Exame deveria ser feito durante o curso, e nunca depois que o bacharel já recebeu o diploma, que deve “atestar a sua qualificação profissional”. Dessa forma, apenas os acadêmicos que tivessem um rendimento suficiente na prova, ou nas provas, do MEC, poderiam ser diplomados pela sua instituição.

 

Em caso contrário, para o quê serviria, exatamente, esse diploma? Se, depois de diplomado, como hoje acontece, o bacharel pode ser impedido de trabalhar, sob a alegação de que não tem o mínimo de qualificação profissional?  E se os próprios dirigentes da OAB afirmam que já existem dois milhões de bacharéis nessa situação?

 

As normas vigentes (?), a esse respeito, são de tal forma absurdas, que custa crer que os dirigentes da OAB tenham a coragem de defender esse Exame, e que os ilustres magistrados não consigam entender os argumentos jurídicos irretorquíveis que comprovam a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB.

 

“Data maxima venia”,  não seria pelo fato de que a proliferação de cursos existe, e de que o poder público, através do MEC, não tem sido muito eficiente na fiscalização desses cursos, que a competência do MEC seria transferida, automaticamente, para a OAB, não é verdade? Ou será que, em Direito, agora os fins justificam os meios?

 

A não ser assim, pergunta a Autora: será que a OAB poderia designar, também, advogados, para exercerem as funções jurisdicionais, em substituição aos nossos magistrados, quando estes não estivessem desempenhando a contento, ou com a devida celeridade, as suas atribuições???

 

No item 3 de sua fundamentação (?), o MM. Juízo a quo disse, apenas, que “o Provimento nº 109/2005 apenas estabelece normas e diretrizes ao Exame de Ordem e que ele não inova, portanto, na exigência da prévia aprovação no exame, pois o requisito está previsto na Lei nº 8.906/94, como condição à inscrição como advogado”.

 

 

Verifica-se, portanto, que o Ilustre Magistrado não examinou, também, a alegação de inconstitucionalidade formal do Exame da OAB. O Provimento 109/2005, destinado a “regulamentar” o Exame, em obediência ao §1º do art. 8º do Estatuto, é inconstitucional, conforme exaustivamente demonstrado na Inicial, porque não compete ao Conselho Federal da OAB, absolutamente, regulamentar as leis. O Poder Regulamentar é privativo do Presidente da República, nos termos do art. 84, IV, da Constituição Federal, e não existe nenhuma dúvida a esse respeito. Ou, pelo menos, não existia, antes da Decisão do Ilustre Magistrado.

 

No mais, a Autora recorda que existe um outro argumento seu, da maior importância, exatamente porque de natureza principiológica, e que não foi sequer abordado, nem mesmo de forma superficial e equivocada, conforme ocorreu com os argumentos da inconstitucionalidade material e formal. Esse argumento é o da afronta ao princípio da isonomia.

 

Pergunta a Autora, portanto: como se poderia admitir que o Congresso Nacional aprovasse uma lei estabelecendo uma restrição à liberdade de exercício profissional, exclusivamente, dos bacharéis em Direito, sem qualquer razoabilidade, como se um advogado “sem qualificação profissional” pudesse causar maiores danos, aos seus clientes, aos seus constituintes, do que um médico, ou um engenheiro, por exemplo, nas mesmas condições???

 

Exatamente por essa razão, é que os dirigentes da OAB têm se esmerado em defender a criação de Exames de Suficiência para todas as outras profissões liberais regulamentadas, conforme tem sido fartamente noticiado, na própria página da OAB federal, na internet.

 

O Provimento nº 109/2.005, do Conselho Federal da OAB é, portanto, três vezes inconstitucional. Em primeiro lugar, porque se funda em uma Lei materialmente inconstitucional. Depois, porque ele é formalmente inconstitucional, por não competir à OAB uma atribuição que é do Presidente da República. E finalmente, mas não menos importante, porque atenta contra o princípio da isonomia.

 

Evidentemente, qualquer um desses vícios, mesmo isoladamente, seria suficiente para obrigar o magistrado a dar provimento ao pedido da Autora.

 

Por todas essas Razões, vem a Autora, perante essa Egrégia Corte, confiante no discernimento jurídico de seus ilustres integrantes, pedir a Reforma do V. Decisum a quo, por ser de JUSTIÇA.

 

Nestes termos, pede deferimento.

 

 

 

AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)

 

Nº 2007.71.00.039036-6/RS

 

AUTOR : VIVIANE GALVANI

 

ADVOGADO : CARLA SILVANA RIBEIRO D’AVILA

 

RÉU : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

 

SENTENÇA

 

Trata-se de ação ordinária em que postula a demandante a declaração de inexistência de relação jurídica obrigacional da autora de prestar Exame de Ordem, bem como a nulidade do Provimento nº 109/2005, com a determinação de inscrição e registro definitivo nos quadros de Advogados da OAB, independentemente da realização do referido exame.

 

 Referiu que a exigência de aprovação no Exame de Ordem constitui forma de censura prévia ao exercício profissional; que se trata de forma de punição ao profissional declarado qualificado pela instituição de ensino; que cabe somente ao poder público autorizar e avaliar o ensino; que a exigência do exame de ordem é inconstitucional, de modo que a inscrição deveria decorrer da diplomação, que fere princípios constitucionais. Requereu a concessão de tutela antecipada e o benefício da AJG. Requereu a procedência da ação.

 

Vieram os autos conclusos para sentença.

 

 

 

É o relatório.

 

Decido.

 

Trata-se a presente de hipótese propícia para aplicação do art. 285-A, do

 

CPC, pelo que passo a sentenciar.

 

A Constituição Federal estabelece, no rol dos direitos fundamentais, a  liberdade do exercício de qualquer trabalho ou profissão, condicionando-a, entretanto, ao atendimento dos requisitos previstos em lei (art. 5º, inciso  XIII). Com base nessa garantia, a União delegou o controle e a fiscalização do exercício de determinadas profissões – e entre estas a advocacia – a órgãos de classe, responsáveis pelo controle prévio à inscrição, bem como da própria atividade profissional.

 

 Em relação à advocacia, a Lei 8906/94 prevê expressamente a exigência da aprovação no Exame de Ordem (art. 8, inciso IV).

 

Não se vislumbra abuso na exigência. Não há vício formal na lei que a prevê, estando em consonância com os ditames da legalidade e da reserva legal.

 

Sob o aspecto material, o Exame de Ordem constitui instrumento para aferição dos conhecimentos de candidatos ao exercício da advocacia. O controle do exercício profissional é medida de ordem pública, afeita ao interesse social. Revela o interesse na preservação de qualidade mínima para o desempenho da profissão, buscando ilidir o perigo de profissionais  tecnicamente inabilitados, que, por deficiente formação acadêmica, coloquem em risco a defesa de direitos dos cidadãos, seja na advocacia contenciosa,  seja na consultoria preventiva. Não se deve perder de vista, também, que a função do advogado, consoante a Constituição Federal (artigo 133), é indispensável à administração da justiça.

 

No sentido da exigência da prestação do Exame de Ordem, colaciono:

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – INSCRIÇÃO DEFINITIVA NOS QUADROSS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) – APROVAÇÃO EM “EXAME DE ORDEM”: REQUISITO INDISPENSÁVEL (ART. 8º, IV, DA LEI Nº 8.906/94). INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº. 8.906/94.INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA.  1. O apelante graduou-se em 06.12.1996, após, portanto, o início da vigência da Lei n. 8.906/94, que, em seu art. 8º, IV, tornou obrigatória a submissão a exame de ordem para a inscrição como advogado perante as seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. 2. Mesmo que o apelante tenha realizado estágio supervisionado de prática forense, a exigência legal permanece íntegra, sendo necessária, destarte, a realização do exame de ordem, uma vez que a inscrição como estagiário tem requisitos próprios; é ato distinto da inscrição definitiva; não se convola automaticamente em inscrição definitiva, e portanto, não gera direito subjetivo à obtenção da última. 3. A Carta Magna, em seu art. 5º, XIII, assegura ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, afastando as alegações de discriminação ilegal e inconstitucionalidade da lei nº. 8.906/94, oferecidas pelo apelante.

4. Apelação a que se nega provimento.  (TRF1, AMS 199801000467728/MG, 1ª Turma Supl., Rel. Juiz Manoel José Ferreira Nunes, DJ 16/01/03)

 

CONSTITUCIONAL EXAME DE ORDEM. EXIGIBILIDADE. REQUISITO FUNDAMENTAL PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.  1. A CF-88 não impede a regulamentação por lei infraconstitucional do exercício de determinadas profissões, exigindo certas qualificações para o seu exercício. O Exame de Ordem visa essencialmente a aferir a qualificação técnica dos novos bacharéis. Ausente, pois, a inconstitucionalidade apontada.  2. Não é possível suprimir aos agravados o Exame, que hoje é requisito fundamental para o exercício da advocacia. 3. Agravo provido. (AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Processo: 1998.04.01.063744-0 – UF: RS – TERCEIRA TURMA – DJ DATA:09/12/1998 PÁGINA: 797 – Relator MARGA INGE BARTH  TESSLER)

 

O Provimento nº 109/2005, apenas estabelece normas e diretrizes ao Exame de Ordem, não inova na exigência da prévia aprovação no exame, pois o requisito está previsto na Lei nº 8.906/94 como condição à inscrição como advogado. Portanto, inexistindo qualquer mácula à exigência de prévia aprovação no Exame de Ordem para a inscrição e registro nos quadros de advogados da OAB, a presente ação deve ser julgada improcedente.

 

 No que concerne ao pedido antecipatório, tendo em vista a inexistência de verossimilhança das alegações autorais, resta indeferido.

 

 

            Dispositivo

 

Ante o exposto, julgo improcedente a ação, extinguindo o feito com julgamento de mérito, com fulcro no art. 269, I, do CPC. Indefiro o pedido de tutela antecipada, nos termos da fundamentação. Sem custas, em face do benefício da AJG, que ora defiro. Sem condenação em honorários, porque não angularizada a relação processual.

 

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

 

Decorrido o prazo para interposição de recurso voluntário, expeça-se mandado de intimação dando ciência à ré acerca do trânsito em julgado.

 

 

Porto Alegre, 17 de outubro de 2007.

 

Gabriel Menna Barreto von Gehlen

 

Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Razões de Recurso. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/razoes-de-recurso/ Acesso em: 28 mar. 2024