Sociedade

A Reprovação do Exame de Ordem

A Reprovação do Exame de Ordem

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

03.07.2005

 

Sumário: 1. Os fatos. 2. As dúvidas. 3. A incompetência da OAB. 4. A avaliação dos bacharéis. 5. O desafio. 6. O exame dos médicos. 7. O estelionato educacional. 8. Conclusões.

 

 

1. O S  F A T O S

 

         No último exame de ordem, realizado pela OAB/PA, em maio passado, tivemos o maior índice de reprovação de todos os tempos. Dos 663 bacharéis, formados pelos nossos cursos jurídicos, que se submeteram às provas da OAB, na esperança de conquistarem o direito de exercer a advocacia, apenas 116 foram aprovados. Em decorrência desse péssimo resultado, com um índice de reprovação de 81,9%, os dirigentes da nossa OAB repetiram o diagnóstico de sempre, que costuma ser divulgado, à exaustão, pelos dirigentes da OAB, em todo o Brasil: a culpa é da massificação do ensino, da criação exagerada de novos cursos jurídicos e da falta de empenho dos estudantes.

 

         Em Cascavel, no Paraná, no último exame de ordem, também em maio de 2005, o resultado foi ainda mais escabroso, porque menos de 3% dos bacharéis foram aprovados. Dos 470 inscritos em Cascavel, apenas 11, de acordo com o exame da OAB, têm condições de exercer a advocacia.

 

         Em todo o Brasil, os índices de reprovação nos exames da OAB alcançaram índices inaceitáveis. O próprio Presidente da OAB nacional, Roberto Busato, declarou, recentemente, que: “O exame da Ordem não pode reprovar do jeito que está reprovando. Não podemos mais permitir essa mercantilização do ensino jurídico”. Ao mesmo tempo, de acordo com as previsões da OAB, publicadas na imprensa, sabe-se que “nos próximos anos serão despejados no mercado de trabalho 120 mil novos bacharéis, o mesmo número de advogados em atividade na Inglaterra. Atualmente, já existe uma enorme saturação do mercado”.

 

         Em São Paulo, a Dra. Ivete Senise Ferreira, Presidente da Comissão de Exame de Ordem da Seccional paulista, pretende criar mais um obstáculo para os novos advogados: na sua opinião, cada bacharel deveria fazer cinco vezes, no máximo, o exame de ordem, porque o candidato que faz o exame várias vezes, sem sucesso, “deveria ser aconselhado a repensar sua opção profissional”. Portanto, depois de freqüentar durante cinco anos, no mínimo, um curso jurídico, gastando, se for aluno de uma faculdade particular, e se não comprar nenhum livro, trinta mil reais, aproximadamente – em algumas faculdades, esse valor pode chegar a R$60.000,00-, o bacharel deveria desistir, simplesmente, de ser advogado, e começar tudo de novo.

 

         Aliás, de acordo com o Provimento nº 34, do Conselho Federal da OAB, cada candidato poderia fazer o exame, no máximo, 8 vezes, mas de acordo com o Provimento nº 81/96,  que atualmente “regulamenta” o exame de ordem, não existe qualquer restrição. Dessa maneira, cada bacharel poderá continuar fazendo, por enquanto, o exame de ordem, três vezes por ano. E pagando as taxas, claro, de R$100,00, ou de R$120,00, dependendo da deliberação de cada Conselho Seccional.

 

         No Paraná, o Secretário de Justiça e Cidadania, Aldo Parzianello, depois dos resultados do último exame de ordem, propôs a revogação do inciso IV do art. 8º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que exige a aprovação dos bacharéis no exame de ordem, para a sua inscrição na OAB. A proposta do Secretário foi encaminhada ao líder do PMDB na Câmara dos Deputados, deputado José Borba, para a apresentação de um projeto de lei. No documento anexo, denominado Ato de Cidadania, também entregue ao deputado José Borba, o Secretário Parzianello rebateu o principal argumento que pretende justificar a obrigatoriedade do exame de ordem, ou seja, o da baixa qualidade dos cursos jurídicos, dizendo que compete ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), e não à OAB, a atribuição de inspecionar e avaliar a qualidade dos cursos e dos professores. Essa atribuição do MEC, destinada a aperfeiçoar o ensino jurídico, é exclusiva e indelegável.

 

         Também como conseqüência dos resultados do último exame de ordem, o programa Fantástico, da Rede Globo, que foi ao ar no dia 26 de junho, convocou o lingüista Bruno Dallari e o professor de direito Renan Lotufo, para examinarem a correção gramatical e o conteúdo jurídico das provas dos candidatos reprovados. Bruno Dallari disse que existem erros, alguns bem graves, e que eles “fazem parte de um contexto de prova, de pressão, mas que, no conjunto, não desqualificam esses alunos, como possíveis advogados”. O professor Lotufo, no entanto, que é desembargador aposentado e professor da PUC de São Paulo, e também um renomado autor de obras de Direito Civil, disse que as provas denotam “um absoluto desconhecimento do Direito em si e da forma de conduzir um processo”. Disse, também, que não pode

 

“aprovar uma pessoa que vai prejudicar os outros no exercício da profissão. Ele está fazendo o melhor que pode, que é uma porcaria, e não sabe que é. Então, a Ordem está ensinando: olha, você precisa melhorar de nível. Quando deixar de ser uma porcaria, como aplicador do Direito, então você vai poder trabalhar como qualquer um”. (grifamos)

 

 

 

2. A S   D Ú V I D A S

 

         Em face dessa realidade, e das próprias declarações da OAB, não se sabe, exatamente, se a principal preocupação é com a falta de conhecimento jurídico dos candidatos, que poderia ser prejudicial aos interesses dos clientes, ou se a OAB se preocupa, em primeiro lugar, com a saturação do mercado de trabalho.

 

         Juridicamente, não resta dúvida de que compete ao Governo Federal fiscalizar, através do MEC, a qualidade do ensino superior. Por essa razão, o exame de ordem está invadindo atribuições alheias. Afinal de contas, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, será que isso justifica a transferência de sua competência para a OAB? Será que algum outro órgão poderia fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições? Será que as atribuições do Judiciário poderiam ser desempenhadas por um outro poder, para que se pudesse evitar a procrastinação dos feitos? O absurdo é evidente.

 

         O exame de ordem foi criado por imposição da OAB, mas agora estamos chegando a um impasse, porque o feitiço está começando a contaminar o seu próprio criador. Aliás, o exame de ordem, além de criar uma restrição, destituída de razoabilidade, contra a liberdade de exercício profissional, e além de atentar contra a autonomia universitária, é também inconstitucional, porque não foi criado por lei, e nem regulamentado pelo Presidente da República, conforme exigido pela Constituição Federal. A Lei, ou seja, o Estatuto da OAB, disse, apenas, que a aprovação no exame de ordem seria indispensável para a inscrição do bacharel e para o exercício da advocacia. Não disse, porém, o que seria esse exame, e decidiu, simplesmente, “transferir” ao Conselho Federal da OAB, como se isso fosse juridicamente possível, a competência para a sua regulamentação.

 

       O próprio Presidente da OAB nacional reconheceu, em recente entrevista, que algo está errado, se o exame de ordem reprova um número cada vez maior de bacharéis. Disse ele, então, que “das duas uma: ou o exame de ordem está errado, ou a formação jurídica que está sendo oferecida é extremamente precária”.  Mas talvez estejam certas as duas alternativas, porque o exame de ordem está errado e, ao mesmo tempo, a formação jurídica dos bacharéis de direito é também deficiente. Em muitos casos, extremamente deficiente. Isso não pode ser negado, mas também não pode ser utilizada, essa deficiência, como justificativa para o exame de ordem. Aliás, todos sabem que a deficiência não é apenas do ensino universitário, e que não é possível transformar, em profissionais competentes, muitos dos alunos, que chegam aos cursos superiores sem o mínimo de condições necessárias. A grande maioria não lê, ou não entende o que lê, e também não sabe expressar as suas idéias, de forma autônoma e criativa; e essa deficiência é especialmente grave, quando se trata da área jurídica. A grande maioria dos alunos que chegam aos cursos superiores ainda não sabe estudar, porque se limita a memorizar, sem compreender e sem questionar, os textos exigidos pelas diversas disciplinas.

 

 

3. A INCOMPETÊNCIA DA OAB

 

         Assim, o exame de ordem está errado, em primeiro lugar, porque não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente. Esse é um sistema perverso. O correto seria que o MEC fiscalizasse o ensino em todos os níveis, para que os advogados – e também os médicos, os engenheiros e todos os outros profissionais -, tivessem plenas condições para o exercício de sua profissão. Quem deve reprovar os alunos é a escola, é a Universidade. O que está errado é o sistema que se criou, por outros interesses, que permite a mercantilização do ensino e a venda dos diplomas, que permite a proliferação dos cursinhos e a venda de obras especializadas, do tipo “Mil Perguntas e Respostas”, para que, depois, a OAB, com toda a sua autoridade, se encarregue de “selecionar” os absolutamente incapazes, que ficarão impedidos de exercer a profissão, através de um exame no mínimo questionável, e que não é fiscalizado por ninguém, embora a OAB tenha atribuições para fiscalizar todo e qualquer concurso jurídico.

         Ressalte-se, ainda, que a Emenda Constitucional nº 45, ao exigir os três anos de prévia atividade jurídica, para os candidatos à magistratura, pode ter atribuído maiores poderes, ainda, à OAB, porque não se sabe, exatamente, o que deverá ser considerado como atividade jurídica. De qualquer maneira, quem não for aprovado no exame de ordem, ficará impedido de advogar, e, se não conseguir comprovar outro tipo de atividade jurídica, ficará impedido de fazer, também, um simples concurso para um cargo de juiz.

         O que não é possível, portanto, é que o aluno estude a sua vida toda, faça um vestibular para um curso jurídico, e que depois de ser aprovado em todas as disciplinas do curso, depois de fazer um estágio jurídico, e depois de elaborar e defender, perante uma Banca, um trabalho de conclusão do curso, ou TCC, o que não é possível, repito, é que esse bacharel seja impedido de advogar, por um exame, que nem é, ao menos, elaborado por uma instituição séria e independente, e nem é, também, fiscalizado, como poderia e deveria ser, pelas universidades, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. O que não é possível, também, é que, além de tudo isso, os bacharéis ainda sejam chamados de “porcaria”, indiscriminadamente, em cadeia nacional de televisão, por um professor “doutor” da PUC de São Paulo, escalado pela OAB para defender o seu ponto de vista institucional, no Fantástico, da Globo.

         Para completar o absurdo, talvez falte, apenas, que seja aprovada a sugestão da Dra Ivete Senise Pereira, conselheira da OAB/SP, ou seja, a de impedir, para sempre, de exercer a advocacia, o bacharel que for reprovado cinco vezes no exame de ordem. Ao que se saiba, ainda não existe restrição semelhante em nenhum concurso jurídico. Os candidatos reprovados, se assim o desejarem, poderão passar a vida toda fazendo o mesmo concurso, até alcançarem, evidentemente, a idade limite.

 

 

4. A AVALIAÇÃO DOS BACHARÉIS

        

Em segundo lugar, o exame de ordem está errado porque não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolver, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta. 

         Além disso, a correção das provas – que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da advocacia. Esse resultado, no entanto, essa injustiça, terá sido, talvez, apenas involuntária, porque a OAB afirma que as provas não são identificadas, o que afastaria, completamente, a possibilidade da prática de qualquer fraude, ou de qualquer favorecimento.

         De acordo com o Dr. Félix Balaniuc, advogado filiado à OAB/MS, militante na área trabalhista há mais de três décadas, o exame de ordem tem alto grau de especificidade e é incapaz de avaliar o conhecimento jurídico geral do bacharel:       

         “O exame obrigatório da Ordem, escudando-se em diploma legal de boa intenção, na realidade cria uma reserva de mercado e premia os poucos felizardos já aprovados em concursos anteriores, mas elimina os demais através de um exame de conhecimento de alto grau de dificuldade e especificidade, o qual com certeza reprovaria muitos dos nossos luminares do direito, incluindo advogados da velha guarda (anteriores à instituição do exame da ordem), ministros, desembargadores, juízes, promotores e defensores públicos, em exercício ou aposentados. Entendo que os elevados índices de reprovação não representam, na realidade, a falta de conhecimentos jurídicos gerais, que se deve esperar de um recém formado e nem refletem o zelo pela admissão de bons profissionais, mas sim o resultado de um terror semeado entre os acadêmicos, com o surgimento de um novo “vestibular”, que por si só fere princípios da dignidade, da igualdade e do respeito que merece o bacharel, que com muito sacrifício alcançou sua graduação, num Brasil já tão injusto e desigual.”

 

 

5. O DESAFIO

 

         Realmente, se o exame de ordem fosse necessário e suficiente, para garantir a qualificação profissional, por que não se exige, também, que os advogados antigos façam esse exame? Eu mesmo já fiz essa proposta, em trabalho anterior, e obtive, somente, o mais sepulcral dos silêncios. No entanto, seria muito interessante que todos fizessem o exame de ordem, para que se pudesse saber se é justo submeter os novos bacharéis a essa prova, e se esse exame é capaz de avaliar os requisitos necessários ao desempenho profissional. Seria muito interessante que se soubesse quantos advogados antigos seriam capazes de obter aprovação no exame de ordem. Seria muito interessante, especialmente, que se soubesse quantos conselheiros da OAB seriam aprovados, justamente eles que defendem, com tanta convicção, a necessidade do exame. O desafio está lançado, mais uma vez. Afinal de contas, se o exame é bom, e se ele é indispensável, para afastar os maus profissionais e para defender o interesse público, não seria possível que os advogados antigos continuassem exercendo a profissão, se não fossem aprovados no exame de ordem. Ou será que eles possuem alguma coisa semelhante a direitos adquiridos? Mesmo contra o interesse público? Mesmo contra a advocacia, que é essencial à administração da justiça, de acordo com a Constituição Federal?

 

         Na verdade, observa-se que o exame de ordem não é capaz de garantir, absolutamente, que o bacharel em direito poderá ser um bom advogado, porque existem outros requisitos essenciais, que não podem ser medidos através desse exame, e nem mesmo pelas avaliações dos cursos universitários. Sabe-se, pela experiência e pela observação, que muitos dos melhores alunos dos cursos jurídicos não têm o talento e a vocação necessários para a advocacia militante, embora possam ser promotores, juízes, professores, etc. Dessa forma, podem existir, também, inúmeros advogados que, embora tenham sido aprovados no exame de ordem, não conseguem exercer a advocacia, assim como existem inúmeros outros que, sem nunca terem feito esse exame, são extremamente competentes e honestos. O que é, talvez, ainda mais importante do que a simples competência profissional, a simples acumulação de conhecimentos jurídicos. E, evidentemente, o exame de ordem é incapaz, também, de medir a honestidade, ou o coeficiente de honestidade, se é que isso existe, dos candidatos à advocacia. 

 

         Mas fica lançado, aqui, o desafio: submetam-se, nobres conselheiros da OAB, em todo o Brasil, ao exame de ordem, na primeira oportunidade. Esse exame deverá ser realizado por uma instituição séria e independente, dessas que são especializadas na realização de concursos públicos. Se vocês forem aprovados, prometo que mudo de opinião, a respeito desse exame, e que nunca mais escreverei nenhum artigo jurídico. No entanto, se forem reprovados, ficarão impedidos de exercer a advocacia e deverão, também, logicamente, renunciar aos seus cargos, nos Conselhos da OAB. E, de quebra, pedirão desculpas a todos os candidatos reprovados nos exames de ordem.

 

 

6. O EXAME DOS MÉDICOS

         Muitos outros Conselhos Profissionais, também preocupados com a precariedade dos cursos universitários, ou com a saturação do mercado de trabalho, pretendem seguir o exemplo da OAB, e instituir, também, um exame de acesso, como condição para a inscrição dos bacharéis, em seus quadros, e para o exercício profissional. Recentemente, por decisão judicial, os Conselhos de Contadores foram impedidos de continuar a aplicar o seu Exame de Suficiência, que havia sido criado através de uma Resolução interna, do seu Conselho Federal (CFC). Existem outros projetos, criando esses exames, para os administradores e para os médicos, por exemplo. A justificativa é sempre a mesma, a de que é preciso defender a sociedade contra os maus profissionais, contra os incompetentes.

 

         Em recente artigo, o jornalista Gilberto Dimenstein, da Folha de São Paulo, abordou a questão da precariedade de muitos dos cursos de medicina, que têm sido abertos nos últimos anos, e relatou a opinião do professor José Aristodemo Pinotti, favorável à criação de um exame, semelhante ao da OAB, porque ele “considera uma leviandade deixar pessoas despreparadas cuidarem da saúde dos indivíduos”,  e relatou, também a opinião do Dr. Giovanni Guido Cerri, contrário a esse exame, porque isso seria o mesmo que “quebrar o termômetro para combater a febre”, ou seja, não eliminaria o problema, mas apenas as conseqüências. Exatamente como pretende a OAB.

 

         O certo, para o Dr. Cerri, seria coibir o funcionamento das faculdades, ou seja, fiscalizar, efetivamente, para que os profissionais tivessem, na verdade, uma boa formação acadêmica. O que é competência exclusiva do MEC, como já foi dito.

 

         Assim, permitir a abertura e o funcionamento de cursos médicos  – e em qualquer outra área, evidentemente -,  desprovidos das condições mínimas necessárias para a boa formação profissional, não se coaduna, evidentemente, com o interesse público. E, depois, os diplomas irão para o lixo, como afirma o jornalista, porque os alunos dessas instituições de ensino ficarão impedidos de exercer a sua profissão.

 

 

7. O ESTELIONATO EDUCACIONAL

        

        

         O que acontece na OAB, portanto, para esse jornalista, não nos deveria espantar, porque é apenas a conseqüência de uma sucessão de omissões das famílias, da comunidade e do poder público, todos sócios numa verdadeira tragédia educacional.

 

         O Governo Federal e a OAB, através de uma série de ações e omissões, criaram o perverso sistema atual, que permite a proliferação dos cursos universitários, de baixa qualidade, que formam profissionais despreparados, prejudicando, em primeiro lugar, o interesse público, das pessoas que poderão ser obrigadas a contratar, eventualmente, os serviços desses profissionais, e depois, também, prejudicando os próprios bacharéis, que terão os seus diplomas “no lixo”.

 

         Assim, depois de estudar durante cinco anos, em uma universidade federal, ou em um curso jurídico particular, o bacharel descobre que é, apenas, “uma porcaria”, como afirmou, do alto de seu doutorado, o professor Renan Lotufo, em um franco desrespeito aos direitos alheios, que não se coaduna, absolutamente, com qualquer tipo de ética profissional, nem com os mais comezinhos princípios de decência, que são exigidos, normalmente,  pela convivência em sociedade.

 

         Ou seja: o bacharel foi enganado pela universidade federal, ou por uma instituição particular de ensino, porque, depois de ser reprovado no exame de ordem, descobriu, finalmente, que é “uma porcaria”, e que o seu curso foi apenas uma fraude, porque o MEC permitiu que ele funcionasse, sem ter o mínimo de condições necessárias. Como conseqüência,  não poderá exercer uma profissão. Dessa maneira, fica evidente que ele foi enganado, porque perdeu o seu tempo, e porque pagou – quando pagou, nas particulares -, por um serviço educacional que não lhe foi prestado corretamente. Do contrário, ele não poderia ter sido aprovado pela faculdade, se depois não é capaz de passar no exame de ordem. Supondo-se, é claro, apenas para argumentar, que o exame de ordem serve para avaliar, realmente, alguma coisa. Ressalte-se, ainda, que se o bacharel não pagou o seu curso universitário, porque foi aluno de uma federal, e se ficou impedido de exercer a advocacia, porque foi reprovado no exame de ordem,  nesse caso, ele não terá sido a única vítima da fraude, mas também todos nós, que pagamos os nossos impostos, e que financiamos, portanto, todas as instituições federais de ensino superior.

 

         Nesse caso – e os civilistas, como o Dr. Lotufo, sabem muito bem disso -,  caberia uma indenização, que deveria ser pedida, pelos prejudicados, ao Estado brasileiro, à OAB e às universidades, não apenas para compensar o prejuízo causado, de tempo e de dinheiro,  mas para obrigá-los a cumprirem corretamente as suas obrigações e para desestimulá-los, pelo valor da indenização a ser paga,  de voltarem a praticar os mesmos erros.

 

8. CONCLUSÕES

 

         Não resta dúvida de que o ensino, no Brasil, é deficiente, e de que existe uma verdadeira proliferação de cursos jurídicos – e de tantos outros  – sem o mínimo de condições para a formação de bons profissionais.

 

         No entanto, isso não autoriza a OAB a fiscalizar os cursos universitários, nem a fazer um exame, para supostamente avaliar os bacharéis, e para impedir o exercício profissional dos candidatos reprovados.

 

         A competência para essa fiscalização é toda do MEC, e ela é indelegável, a quem quer que seja. Caberia à OAB exigir, isto sim, que essa fiscalização fosse efetiva. Da mesma forma, todos os outros conselhos profissionais deveriam exigir que o MEC cumprisse as suas atribuições, impedindo a proliferação das “fábricas de diplomas”.

 

         Se isso for feito, se o MEC fiscalizar, e se os cursos universitários formarem bons profissionais, nenhum conselho de fiscalização poderá pretender restringir o direito ao trabalho dos novos bacharéis, sob a alegação de que “o mercado já está saturado”. Esse é um outro problema, que não pode ser resolvido dessa maneira, por um motivo muito simples, de estatura constitucional, o de que todos são iguais perante a lei. Não se pode restringir o exercício profissional dos novos advogados, para resguardar o mercado de trabalho dos advogados antigos.

 

         Todos os bacharéis reprovados no exame de ordem e impedidos, conseqüentemente, de exercer a advocacia, têm o direito de exigir uma indenização, como forma de compensação para o tempo perdido e para o dinheiro gasto, inutilmente.   

 

 

* Professor de Direito Constitucional. Site: www.profpito.cjb.net

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. A Reprovação do Exame de Ordem. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-reprovacao-do-exame-de-ordem/ Acesso em: 29 mar. 2024