Sociedade

As contas da OAB

As contas da OAB

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

21.11.2003

 

O Tribunal de Contas da União decidiu, no último dia 19, quarta-feira, que a Ordem dos Advogados do Brasil não está obrigada a prestar contas.

 

 Essa é uma polêmica bem antiga, mais de cinqüenta anos, e a Ordem ainda não está sujeita a qualquer controle, embora seja uma autarquia e tenha delegação do Estado para fiscalizar, punir e arrecadar contribuições dos advogados, além de participar, de várias maneiras, de nosso processo político-institucional, e de poder impedir, a seu exclusivo critério, através do exame de ordem, que os bacharéis formados pelas nossas Universidades exerçam a advocacia.

 

 Discute-se, até hoje, a natureza jurídica da OAB, afirma-se que ela não arrecada tributos e garante-se que qualquer prestação de contas a impediria de desempenhar a sua missão constitucional. No entanto, todos os outros conselhos profissionais prestam contas ao Tribunal de Contas da União, assim como “toda e qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que em nome desta assuma obrigações de natureza pecuniária” (Constituição Federal, parágrafo único do art. 70).

 

O próprio Supremo Tribunal Federal sempre prestou contas ao TCU, sem que se possa imaginar que isso o impeça de desempenhar as suas atribuições constitucionais. Como seria possível, portanto, aceitar a argumentação de que o controle da OAB faria com que ela perdesse a sua autonomia, e ficasse “atrelada ao Poder Público”?

 

Acredito que essa Decisão do Tribunal de Contas da União não está correta, e apenas prova o enorme poder político da Ordem dos Advogados. Essa decisão não beneficia nem os advogados, nem a sociedade, nem a democracia. Afinal de contas, se a existência de controle pudesse diminuir a OAB, como seria possível explicar os controles recíprocos entre os Poderes Constituídos, indispensáveis para a própria democracia? Como compreender a existência, em uma república democrática, de um poder irresponsável, inviolável e sagrado? Como seria possível aceitar o controle desse poder pelos seus próprios integrantes, beneficiários dos convênios, das viagens oficiais, dos empréstimos bancários, das caixas de assistência, dos clubes dos advogados, das salas nos prédios dos tribunais? Se o povo é o titular do poder, é preciso que também a OAB seja “accountable”, que possa ser controlada.

 

Se o controle não fosse necessário, como seria possível explicar (e talvez impedir) o que hoje ocorre em São Paulo, com 40.000 advogados fazendo assistência judiciária, pagos pela Procuradoria do Estado, com dinheiro da taxa judiciária? Em São Paulo, até hoje não existe Defensoria Pública, mais de 15 anos depois da promulgação da Constituição de 88, que exigia e dava prazo para a sua instalação. A Ordem, evidentemente, não parece estar muito interessada em que a Defensoria seja instalada em São Paulo, com a realização dos necessários concursos públicos.

 

Aliás, além desse Convênio entre a OAB e o Estado de São Paulo, que emprega 40.000 advogados, existe um outro, mais recente, que ainda está sendo implantado, desta feita com o Município de São Paulo, também para a prestação de assistência judiciária aos carentes, pelos advogados indicados pela OAB. Em outros Estados, como por exemplo Santa Catarina, também existem convênios semelhantes, pagos pelos cofres estaduais ou municipais, a pretexto de beneficiar os pobres, que precisam de assistência judiciária.

 

Se esses “Convênios” não bastassem para provar a necessidade do controle, poderíamos, talvez, tentar explicar a construção do Palácio da OAB em Brasília, nos anos oitenta, com verbas da taxa judiciária, e que após o término dessa construção, continuaram sendo pagas durante alguns anos? E por falar nesse assunto, o Senado já aprovou (em maio de 2003) um projeto, apresentado em 1999, pelo então senador Luiz Estevão, que aliás é o dono da Construtora OK, que construiu o Palácio da OAB, projeto esse que se destina a dar 1% da taxa judiciária para a OAB, e 1% para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. E mais: com efeito retroativo a 1999 (uma bolada, não?). Ressalte-se que esse projeto está na Câmara dos Deputados, já com parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça!!! Ressalte-se, também, que existe jurisprudência recente, do STF, no sentido de que a Ordem dos Advogados não pode receber qualquer percentual da taxa judiciária. Trata-se de uma decisão de 3 de outubro do ano passado, referente ao recebimento de 2% da taxa judiciária pela Caixa de Assistência dos Advogados do Estado da Paraíba (ADI 1145).

 

 Pois bem. Eu vou continuar pesquisando a OAB, em todas as Seccionais, vou preparar um projeto para o doutorado, sobre o “Controle da OAB”, e vou tentar escrever o meu trabalho, defendendo a absoluta necessidade desse controle, como indispensável para a própria existência mínima da separação de poderes e do Estado democrático.

 

A OAB exige, freqüentemente, que seja aberta a “caixa-preta” do Judiciário, e defende a criação de um órgão destinado a efetuar o controle externo desse Poder. Aliás, a OAB costuma propor que esse órgão seja integrado também por representantes dos advogados, e o Presidente da Seccional paulista defendeu, recentemente, a participação da ONU no controle do Judiciário brasileiro. Não seria o caso de se abrirem muitas outras “caixas-pretas”, talvez, no próprio interesse dos advogados, e da democracia?

 

Não sei se a OAB deve ser controlada apenas pelo TCU. Mas têm que haver controles. Não há qualquer dúvida. Essa história de controle pelos próprios advogados, diretamente interessados nas benesses que lhes podem ser oferecidas, como no caso dos 40.000 advogados de São Paulo, deve ser piada.

 

 

 

Acho que o debate não está encerrado, absolutamente, como pretende o Presidente da OAB federal. A decisão do TCU foi tomada por maioria (4×3), e nem tudo está perdido.

                                                                                        

 

* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. As contas da OAB. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/as-contas-da-oab/ Acesso em: 16 abr. 2024