Sociedade

Mercado Jurídico e Ética Profissional

Mercado Jurídico e Ética Profissional

 

 

Cláudia Zardo *

 

 

Partindo do princípio de que fazer “vista grossa” em nada contribui para a evolução de um país, civicamente falando, mais instigante se torna então o ato de trazer à tona certos procedimentos e comportamentos  questionáveis. Por este motivo, o presente artigo visa deliberar com especialistas sobre problemas controversos que têm sido camuflados para que os interesses de poucos prevaleçam sobre o direito de todos ; procura ainda trazer às vistas dos leitores algumas tendências comportamentais daqueles que a qualquer custo querem um lugar de destaque no mercado ou que com métodos pouco éticos objetivam dele sugar o máximo de vantagens.

 

Mestrado e doutorado em ilícito

 

Desde que engrossar o currículo com uma série de títulos acadêmicos passou a ser um diferencial para os que querem se destacar no mercado formal, uma brecha foi aberta para a prestação de serviços ilícitos a estudantes universitários, que os contratam a preços módicos, por vezes até em parcelas. Trata-se de um “mercado negro” em expansão, pois que não mais se limita ao oferecimento de monografias, exigidas para a conclusão dos cursos de graduação, alcançando também as dissertações imprescindíveis à obtenção dos graus de Mestre e Doutor, em claro prejuízo de toda a sociedade.

 

Indagado se tal conduta não configuraria “desonestidade intelectual”, o Professor Doutor PAULO MONTEIRO VIEIRA BRAGA BARONE, Presidente da Câmara de Educação Superior do CNE – Conselho Nacional de Educação, respondeu que “não é a existência de regras acadêmicas a serem cumpridas a responsável pela prática de infrações, como a compra e venda de ‘trabalhos acadêmicos’. Este chamado ‘mercado negro’, assim como acontece com a falsificação de produtos ou a corrupção no setor público,  constitui uma atividade ilícita em si. Em se tratando da formação superior, inclusive no nível de pós-graduação, o uso desse expediente é inadmissível e deve ser combatido com rigor por docentes, instituições e, também, pelo conjunto dos estudantes. A condescendência de qualquer setor da sociedade com as referidas práticas e até a sua aceitação como “esperteza” indicam uma séria violação de valores éticos. Agrava ainda mais a situação o fato de que num país como o Brasil, em que as desigualdades são extremas, os poucos cidadãos que completam a formação superior ocupam em geral posições de hierarquia elevada na sociedade, o que é incompatível com um padrão ético baseado na desonestidade intelectual”.

 

 A propósito, que responsabilidades recairia sobre uma banca examinadora de trabalhos acadêmicos que fosse induzida em erro por um estudante mal-intencionado?

 

Para o citado Mestre, “cumpre às bancas examinadoras arguir os candidatos a títulos acadêmicos acerca dos fundamentos, da metodologia, dos resultados e das conclusões do trabalho apresentado. Tudo isso num nível compatível com o título pretendido. Se estas condições forem observadas, é muito mais difícil conseguir ser aprovado com um ‘trabalho postiço’. A situação não é tão simples quando apenas uma versão escrita do trabalho é avaliada, pois a multiplicidade de fontes disponíveis pode dificultar a detecção de plágio. Por isso, é fundamental que as bancas e as instituições sejam muito criteriosas em suas funções, inclusive estabelecendo regras para a defesa dos trabalhos. Quanto às responsabilidades, alguns comentários distintivos são fundamentais. Primeiro, as instituições devem prover aos professores  condições de trabalho  apropriadas para a orientação e o exame dos trabalhos acadêmicos, assim como as normas para sua preparação, apresentação e defesa, de modo a permitir o trabalho cuidadoso de orientadores e bancas examinadoras. Em seguida, os orientadores, que acompanham os trabalhos por períodos mais longos, devem exercer o seu papel na sua plenitude, e não apenas figurar (modifiquei) para o cumprimento burocrático das regras institucionais. Por fim, as bancas examinadoras, (incluí a vírgula) que recebem os trabalhos em datas próximas da avaliação, (incluí a vírgula) devem questioná-los como exposto acima. No caso de ruptura de qualquer um destes elos, a cadeia de avaliação dos trabalhos se enfraquece, e surgem as condições para ocorrência de fraudes. Como em toda situação ilícita, eventuais responsabilidades podem ser apuradas e punidas”.

 

 Não obstante esses cuidados, a realidade brasileira demonstra que os bacharéis em Direito que se dedicam a essa atividade ilícita o fazem sob o argumento de é “preciso sobreviver”, numa tentativa de eximir-se da culpa pelos consequentes danos à sociedade. Mas e a culpa daquele que contrata esses serviços? Responde o Professor que “estas situações são caracterizadas como ‘compra e venda’ de facilidades. As duas partes têm responsabilidades, a exemplo do que acontece em qualquer situação de corrupção”.

 

 A verdade é que a posse de títulos diversos pode conferir status ao indivíduo e causar impacto à primeira vista. Contudo, quando este tem de demonstrar o conhecimento, na prática, não logra sucesso. Então, pergunta-se, qual a vantagem de obtê-los ilicitamente?

 

Conforme assinala o eminente Professor PAULO BARONE, “o valor intrínseco de títulos acadêmicos tem relação com a competência e a autonomia intelectual das pessoas que os obtiveram. Assim, o verdadeiro teste é aplicado quando se exige da pessoa titulada que desempenhe atividade cujo grau de complexidade, de inovação e de domínio técnico da área de conhecimento pertinente seja compatível com o título obtido”.

 

Se assim é, o que se passa na cabeça de uma pessoa que adquire “um produto ilícito”, como é o caso da monografia elaborada por terceiro desvinculado de sua finalidade? Seria para obter status ou pelo mero prazer de subestimar a inteligência dos outros?

 

A resposta não poderia ser outra senão que se trata de “um comportamento ético inaceitável, que denota um padrão de desonestidade intelectual e de valores pessoais absolutamente distorcidos. Infelizmente, este comportamento é mais frequente do que gostaríamos que fosse. As suas raízes, relacionadas com fatores emocionais ou outros, são objeto de estudo da Psicologia”, nas palavras do Professor PAULO BARONE.

 

  Títulos  omitidos

 

Não se pode olvidar, contudo, que a posse de títulos implica em salários maiores, e como o mercado anda bastante disputado, há quem opte por omiti-los para não ser excluído na disputa por uma vaga de emprego. Outra questão tormentosa é a exigência do Ministério da Educação de que as faculdades contratem “doutores” para o seu corpo docente, o que freqüentemente não é observado. Como se sabe, algumas instituições de ensino superior, após a avaliação do MEC, dispensam os portadores do título de “doutor” para economizar…

 

Na visão do ilustre professor, esse é um aspecto perverso da qualificação elevada, que não tem relação com os fatos narrados, mas, sim, com a desonestidade de algumas instituições de educação superior que adotam tais expedientes.

 

E prossegue: “Nesses casos, há evidente intenção de falsear as condições do corpo docente responsável por um curso ou mesmo as condições de titulação acadêmica exigida pela legislação para universidades e centros universitários, de modo a burlar os processos avaliativos ou de supervisão do Poder Público. Do lado dos professores, a omissão de informações significa um comportamento defensivo, em face de medidas persecutórias que podem levar a demissões”.

 

Obras do Marketing

 

Tema igualmente controvertido refere-se à indicação de obras jurídicas por professores dos cursos de Direito, que muitas vezes o fazem sem qualquer critério didático, acarretando prejuízos ao  efetivo conhecimento do corpo discente.

 

Na opinião abalizada de PAULO NADER, Professor Emérito da Universidade Federal de Juiz de Fora, Membro efetivo da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e Juiz de Direito aposentado, “quem escreve, escreve para ser lido. Mas o que se nota na indicação dos livros, de uma parte, é o marketing das editoras. Algumas são muito agressivas. Então, em grande parte os professores são induzidos pelo marketing dessas editoras, que possuem um grupo enorme de divulgadores que logo no início do ano letivo comparecem nas universidades e doam obras aos professores. Alguns oferecem até coleções inteiras! Em grande parte os livros são, pois, indicados porque chegam aos formadores de opinião por meio de doação. Às vezes, há também a questão de simpatia e de amizade, mas me parece que isso pesa muito pouco. Em contrapartida, os alunos passam a ser críticos das obras que lhes são apresentadas. Ademais, se a obra não tiver a desejada qualidade, pode até, no primeiro momento, impressionar e alcançar mais de uma edição, porém o tempo acaba lhe fazendo justiça. Obras que de fato são boas alcançam muitas edições por mérito próprio. O processo de assimilação pelo mercado pode ser lento, mas acabam prevalecendo o bom senso e a qualidade.

 

Falhas na fiscalização

 

Como resultado de sua larga experiência no meio jurídico, vale destacar as palavras do eminente Professor acerca das razões que influenciam o baixo número de bacharéis que logra aprovação no Exame de Ordem. Ei-las:

 

Creio que o resultado do Exame de Ordem expressa não apenas a qualidade do ensino. Temos que ver esse problema dentro de uma cosmovisão, porque o bom aluno, aquele que teve uma base sólida, uma grande motivação, ainda que tenha estudado em uma faculdade fraca, será um autodidata e brilhará no Exame. O ponto crítico está naqueles que não tiveram uma boa formação no ensino médio, fundamental, e que acabam por ingressar em instituições que também não são de qualidade; e assim, como resultado, temos o atual quadro. O que deve haver, por parte da Comissão de Ensino Jurídico da OAB e dos organismos do MEC, é uma atitude firme. Eu não noto isso por parte do Ministério da Educação: só há certas recomendações, mas nunca vejo o MEC fechar efetivamente uma instituição de ensino superior. Creio que as instituições de ensino devem ser permanentemente avaliadas; nem tanto pelo resultado do Exame de Ordem, mas pelo dia-a-dia do que se passa dentro delas. Por exemplo, a faculdade X tem biblioteca? – Tem. Então vamos ver a relação das obras consultadas. Será que os professores fazem pesquisas? Às vezes, o mau exemplo vem daí; nem os professores pesquisam nos livros que estão na biblioteca. Além disso, há grupos do MEC que vão até à instituição para efeito de reconhecimento, verificam as instalações, o quadro acadêmico e a biblioteca, mas, naquele momento, reúnem-se livros aqui e acolá e tudo parece perfeito, mas, após a verificação pela banca de avaliação, tudo volta ao que realmente era. O MEC também peca por estar extremamente politizado. Basta olhar o quadro de componentes de seus Conselhos, para se constatar a sua politização.

 

Raciocínio x memorização

 

Um outro lado da problemática refere-se aos métodos de ensino, que visam muito mais a memorização do que propriamente o raciocínio. Ora, de que vale, por exemplo, conhecer o pensamento de KANT, ROUSSEAU, HEGEL e outros luminares da Filosofia, sem que se saiba como aplicá-lo a um caso concreto? E o que dizer da forma como vêm sendo elaboradas as questões exigidas em concursos públicos?

 

Ainda uma vez, ouçamos o que diz o Mestre: “Penso que ensinar é despertar a capacidade de problematização do acadêmico. Então, o professor tem de explorar o potencial de raciocínio dos alunos e não ser um mero repetidor de ciência. Aí vai uma consideração em relação aos professores: não devem ser apenas repetidores do  conhecimento. Há um desafio, um compromisso por parte do professor, que deve ser levado a sério: é o ato de servir à Ciência, situando-se adiante dos esquemas legais. Ou seja, o bom professor deve servir à Ciência, deve ser um desbravador, um pioneiro e um modelo para o aluno. Quanto aos concursos, não vejo como aferir a capacidade para o exercício de uma profissão apenas por esses testes de múltipla escolha. Até admito que, no conjunto de uma prova, haja uma seção de múltipla escolha, mas questões que exigem raciocínio sobre problemas atuais e práticos são essenciais. Há assim, a meu ver, que se diversificarem as provas com diversos métodos de aferição de conhecimento”. (Grifei.)

 

Escola da vida

 

Já no que toca ao grande número de jovens (idade entre 22 e 27 anos) que tem ingressado na magistratura, assinala PAULO NADER, com fundamento nos longos anos de judicatura: “Acho uma falha muito grande não se exigir um interstício maior entre a conclusão do curso de bacharelado e o ingresso na magistratura. É preciso que haja certo amadurecimento do iniciante na magistratura, porque o direito é vida; é experiência que se alcança apenas vivendo. Tirando a parte de organização do Estado, o direito dispõe sobre relações interindividuais, interesses humanos. Então é preciso ter uma vivência muito grande para poder avaliar os casos. O bom juiz é o que se coloca na posição do outro, no lugar daquele que está sendo julgado. Enquanto o juiz é novo – e também há de se citar o caso do jovem promotor de justiça –, a tendência é ficar adstrito ao esquema legal. Ele acha que enquanto estiver seguindo, rigidamente, a cartilha legal, estará cumprindo o seu dever, não ficando vulnerável à crítica; o Corregedor-Geral de Justiça não poderá questionar o seu trabalho; igualmente as Câmaras Cíveis ou Criminais também não irão censurá-lo. Sim, às vezes há censura dos autos – etc. Em especial o jovem que ainda está no estágio probatório acha que, aplicando a lei rigidamente e/ou aplicando-a conforme a jurisprudência do Tribunal, estará bem e imune à crítica. Já o juiz com mais vivência sabe que a lei é um esquema muito abstrato, que comporta classes de situações e em algumas dessas há adequação plena; em outras, não. Então é preciso decidir com eqüidade, ou seja, adaptar aquela norma abstrata de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Para tanto, é preciso ter vivido e sofrido também; o sofrimento, a angústia e a apreensão enriquecem a alma. E a vida bem nos ensina que não há como avaliar fatos e condutas do outro sem ao menos ter a experiência de vida necessária para entender o que o outro está vivenciando”.

 

Comportamento

 

Na esteira desse ensinamento, há que se ressaltar a lição do Mestre PAULO NADER no sentido de que: “Às vezes, a pessoa possui talento, vocação, cultura, mas não tem disposição para o trabalho. Infelizmente, no Judiciário, há aqueles que produzem além do suficiente – que “carregam o piano” – e os que são lentos, omissos, desidiosos… Alguns juízes, por exemplo, não dão o devido andamento processual; a casa deles é um verdadeiro cartório, mas optam por dar prioridade a um processo quando percebem que despertará a atenção de muitos; visam causar a falsa impressão de que são dedicados na prestação jurisdicional. Creio que a celeridade processual, tão desejada pela sociedade e pelo próprio Judiciário, requer um acompanhamento dos trabalhos de primeiro e segundo graus de jurisdição pelas corregedorias-gerais e pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

 

Fica aqui a sugestão!

 

 

 

                                   Versão II – com o reitor da UFU

 

Falta De Ética é um dos Piores Problemas eo Sistema Educacional

 

 

Desde que engrossar o currículo com uma série de títulos acadêmicos passou a ser um diferencial para os que querem se destacar no mercado formal, uma brecha foi aberta para a prestação de serviços ilícitos a estudantes universitários, que os contratam a preços módicos, por vezes até em parcelas. Trata-se de um “mercado negro” em expansão, pois que não mais se limita ao oferecimento de monografias, exigidas para a conclusão dos cursos de graduação, alcançando também as dissertações imprescindíveis à obtenção dos graus de Mestre e Doutor, em claro prejuízo de toda a sociedade.

 

Mestrado e doutorado em ilícito

 

Indagado se tal conduta não configuraria “desonestidade intelectual”, o Prof. Dr. Paulo Monteiro Vieira Braga Barone, enquanto Presidente da Câmara de Educação Superior do CNE – Conselho Nacional de Educação, respondeu que “não é a existência de regras acadêmicas a serem cumpridas a responsável pela prática de infrações, como a compra e venda de ‘trabalhos acadêmicos’. Este chamado ‘mercado negro’, assim como acontece com a falsificação de produtos ou a corrupção no setor público, constitui uma atividade ilícita em si. Em se tratando da formação superior, inclusive no nível de pós-graduação, o uso desse expediente é inadmissível e deve ser combatido com rigor por docentes, instituições e, também, pelo conjunto dos estudantes. A condescendência de qualquer setor da sociedade com as referidas práticas e até a sua aceitação como ‘esperteza’ indicam uma séria violação de valores éticos. Agrava ainda mais a situação o fato de que, num país como o Brasil, onde as desigualdades são extremas, os poucos cidadãos que completam a formação superior ocupam em geral posições de hierarquia elevada na sociedade, o que é incompatível com um padrão ético baseado na desonestidade intelectual”.

 

 A propósito, que responsabilidades recairiam sobre uma banca examinadora de trabalhos acadêmicos que fosse induzida a erro por um estudante mal-intencionado? Para o Prof. Barone, “cumpre às bancas examinadoras arguir os candidatos a títulos acadêmicos acerca dos fundamentos, da metodologia, dos resultados e das conclusões do trabalho apresentado. Tudo isso num nível compatível com o título pretendido. Se estas condições forem observadas, é muito mais difícil conseguir ser aprovado com um ‘trabalho postiço’. A situação não é tão simples quando apenas uma versão escrita do trabalho é avaliada, pois a multiplicidade de fontes disponíveis pode dificultar a detecção de plágio. Por isso, é fundamental que as bancas e as instituições sejam muito criteriosas em suas funções, inclusive estabelecendo regras para a defesa dos trabalhos. Quanto às responsabilidades, alguns comentários distintivos são fundamentais. Primeiro, as instituições devem prover aos professores condições de trabalho apropriadas para a orientação e o exame dos trabalhos acadêmicos, assim como as normas para sua preparação, apresentação e defesa, de modo a permitir o trabalho cuidadoso de orientadores e bancas examinadoras. Em seguida, os orientadores, que acompanham os trabalhos por períodos mais longos, devem exercer o seu papel em plenitude, e não apenas figurar para o cumprimento burocrático das regras institucionais. Por fim, as bancas examinadoras, que recebem os trabalhos em datas próximas à avaliação, devem questioná-los como exposto acima. No caso de ruptura de qualquer um destes elos, a cadeia de avaliação dos trabalhos se enfraquece, e surgem as condições para ocorrência de fraudes. Como em toda situação ilícita, eventuais responsabilidades podem ser apuradas e punidas”.

 

Consultado sobre o tema, o recém-empossado Reitor da Universidade Federal de Uberlândia, Prof. Alfredo Júlio Fernandes Neto, vai além da análise do problema e sustenta que o modelo atual da construção de monografias está ultrapassado. Segundo ele, são várias as universidades nacionais e internacionais que internamente já discutem novos métodos de conclusão de curso lato sensu que venham a facilitar e a trazer mais praticidade para os alunos e mais eficiência na disseminação do conhecimento científico. “A meu ver, há ainda um segundo desvio, que é a exigência do mercado por vasta gama de títulos e cursos. Aqueles que optam ou são obrigados pelas empresas a fazer atualização de conhecimento em cursos como MBA, especializações etc., assim o fazem com orientação de aperfeiçoamento para o mercado. Ora, se apenas uma sala, das centenas de cursos oferecidos, tem 50 alunos, conseguir 50 temas inéditos invariavelmente levará ao afunilamento e esgotamento de uma produção científica de qualidade. Ademais, o perfil do aluno lato sensu, que busca conhecimento para satisfazer à pressão do mercado, é do indivíduo que trabalha, tem família e pouco tempo para pesquisa ou para desenvolvimento de extensos trabalhos científicos. O que se discute hoje, pois, nas melhores universidades, seja no Brasil ou no exterior, é a eliminação e economia de papel, a qual pode ser feita através da elaboração de mais artigos científicos – compactação de conhecimento – e menos teses. Ou seja, ao invés de gastar 200 páginas em uma tese, a proposta é que haja mais ênfase na elaboração de artigos científicos para a publicação em revistas especializadas”.

 

Origem do problema

 

 Não obstante esses cuidados e novas tendências, a realidade brasileira atual demonstra que os bacharéis em Direito que se dedicam a essa atividade ilícita o fazem sob o argumento de é “preciso sobreviver”, numa tentativa de eximir-se da culpa pelos consequentes danos à sociedade.

 

Mas e a culpa daquele que contrata esses serviços? Responde o Professor Barone que “estas situações são caracterizadas como ‘compra e venda’ de facilidades. As duas partes têm responsabilidades, a exemplo do que acontece em qualquer situação de corrupção”.

 

 O Professor Fernandes avalia sob outra ótica, dizendo que embora o procedimento exigido pela Capes seja bastante rigoroso, se por ventura houver a aprovação de um trabalho comprado, para ele não somente o aluno deve ser responsabilizado, mas sim sobre o orientador devem recair também as penalidades. “Entendo que, se isso acontece, é porque orientadores abriram mão de todo um processo. Da parte do aluno, ocorre um desvio de conduta, acrescido do desmazelo do orientador, que está descumprindo a legislação. À banca examinadora compete apenas avaliar metodologia, lógica etc., ou seja, o trabalho final. Ou seja, não é à banca que compete controlar plágios ou afins”, opina.

 

Comportamento

 

 A verdade é que a posse de títulos diversos pode conferir status ao indivíduo e causar impacto à primeira vista. Contudo, quando este tem de demonstrar o conhecimento, na prática, se os títulos foram obtidos de maneira desonesta, não logra sucesso. Então, pergunta-se: qual a vantagem de obtê-los ilicitamente? Conforme assinala o Prof. Barone, “o valor intrínseco de títulos acadêmicos tem relação com a competência e a autonomia intelectual das pessoas que os obtiveram. Assim, o verdadeiro teste é aplicado quando se exige da pessoa titulada que desempenhe atividade cujo grau de complexidade, de inovação e de domínio técnico da área de conhecimento pertinente seja compatível com o título obtido”.

 

Se assim é, o que se passa na cabeça de uma pessoa que adquire “um produto ilícito”, como é o caso da monografia elaborada por terceiro, desvinculada de sua finalidade? Seria para obter status ou pelo mero prazer de subestimar a inteligência dos outros? A resposta não poderia ser outra senão que se trata de “um comportamento ético inaceitável, que denota um padrão de desonestidade intelectual e de valores pessoais absolutamente distorcidos. Infelizmente, este comportamento é mais frequente do que gostaríamos que fosse. As suas raízes, relacionadas com fatores emocionais ou outros, são objeto de estudo da Psicologia”, nas palavras do Professor Barone.

 

Títulos  omitidos

 

Não se pode olvidar, contudo, que a posse de títulos implica salários maiores, e como o mercado anda bastante disputado, há quem opte por omiti-los para não ser excluído na disputa por uma vaga de emprego. Outra questão tormentosa é a exigência do Ministério da Educação de que as faculdades contratem “doutores” para o seu corpo docente, o que frequentemente não é observado. Como se sabe, algumas instituições de ensino superior, após a avaliação do MEC, dispensam os portadores do título de “doutor” para economizar…

 

Na visão do  Professor Barone, este é um aspecto perverso da qualificação elevada, que não tem relação com os fatos narrados, mas, sim, com a desonestidade de algumas instituições de educação superior que adotam tais expedientes. E prossegue: “Nesses casos, há evidente intenção de falsear as condições do corpo docente responsável por um curso ou mesmo as condições de titulação acadêmica exigida pela legislação para universidades e centros universitários, de modo a burlar os processos avaliativos ou de supervisão do Poder Público. Do lado dos professores, a omissão de informações significa um comportamento defensivo, em face de medidas persecutórias que podem levar a demissões”.

 

“Em se tratando dos doutores e professores demitidos, a sugestão que tenho a registrar é a de que se mantivesse, na planilha de avaliação, a equação que computa o tempo de serviço do professor na Casa, além do rodízio de professores. Adicionalmente, sugiro aos pais que sejam serem mais presentes e que avaliem de perto a instituição de ensino; cobrando dela informações sobre o professor e o tempo em que ele atua na universidade. Se há rodízio excessivo de professores qualificados, certamente o consumidor deverá desconfiar”, orienta ainda o Reitor da UFU.

 

Aluguel para avaliação

 

“Realmente, a constatação de que dispensam mestres e doutores para economizar é triste e uma realidade no Brasil. Mas há ainda outras questões que devem ser abordadas, pois estão diretamente ligadas ao sistema de avaliação. Por exemplo, com base na experiência que tive no INEP – primeiro como avaliador, depois como membro da Comissão de Recursos -, percebo que o método de avaliação se tornou mais flexível após o governo FHC e que o atual governo tem seguido a mesma linha quando, na contrapartida, houve a ampliação do número de faculdades e, portanto, deveria ter havido maior rigor. É fato e existem faculdades que chegam a alugar livros ou mesmo materiais para os laboratórios somente durante o período de visitação da Comissão de Avaliação. Após a passagem dos avaliadores, essas instituições devolvem o material”, cita adicionalmente o Prof. Fernandes, ao relembrar o tempo em que trabalhou no Ministério da Educação [INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – órgão responsável por avaliar as instituições de ensino]. 

 

Na sequência, o Reitor aduz outras maneiras  “criativas” de se tentar iludir a Comissão de Avaliação e explica como o INEP tem buscado repreendê-las. “A título de exemplo, revelo e relembro de um grupo educacional no Brasil que tinha um caminhão-biblioteca. Conforme a agenda dos avaliadores, o caminhão levava os livros para a biblioteca da faculdade. Para evitar tal burla, orientávamos os avaliadores a exigir, além da nota fiscal dos materiais, a duplicata quitada, bem como, no que tange aos livros, os avaliadores eram orientados a pedir o carimbo da instituição para marcar os livros, pois, assim, ao menos pelos carimbados eles teriam de pagar.

 

Providências desejáveis

 

Por fim, partindo do princípio de que fazer “vista grossa” em nada contribui para a evolução de um país, civicamente falando, mais instigante se torna então o ato de trazer à tona os procedimentos na área da educação aqui expostos – e deveras questionáveis. Por este motivo, o presente texto visa, de início, deliberar com especialistas sobre problemas controversos que têm sido camuflados para que os interesses de poucos prevaleçam sobre o direito de todos; em segundo plano, procura ainda trazer às vistas dos leitores algumas tendências comportamentais daqueles que, a qualquer custo, querem um lugar de destaque no mercado ou que, com métodos pouco éticos, objetivam dele sugar o máximo de vantagens.

 

Expostos os problemas, porém, cabe à sociedade e às autoridades cobrar e tomar as devidas providências para que tanto os “mestres e doutores em produção científica do ilícito”, quanto os métodos pouco éticos de algumas instituições de ensino passem por uma fiscalização mais rigorosa, bem como para que a educação volte a ser respeitada como  um dos princípios basilares de uma sociedade de fato comprometida com a qualidade de ensino e com a formação do capital humano de sua nação – e não apenas como se mercadoria fosse, e/ou em função da ganância pela soma de seus cifrões.

 

 

* Jornalista e acadêmica de Direito em Uberlândia-MG.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
ZARDO, Cláudia. Mercado Jurídico e Ética Profissional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/mercado-juridico-e-etica-profissional/ Acesso em: 19 abr. 2024