Sociedade

Para a OAB Federal

Para a OAB Federal

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

12.04.00

 

 

Já faz parte da nossa cultura: apesar do princípio da igualdade, consagrado no art. 5o da Constituição Federal, nosso Poder Judiciário, com raras e honrosas exceções, somente tem servido para punir os pobres e marginalizados, isso quando eles conseguem ir a julgamento, em vez de ficarem anos a fio trancados nos presídios abarrotados, ou de serem mortos tentando escapar. Todos sabemos que, por essa razão, a situação nas cadeias é muito grave, perpetuando uma situação indigna de um Estado de Direito como o nosso, que proclama que os presos mantêm, ressalvados os condicionamentos inerentes à reclusão, a titularidade dos direitos fundamentais,  sistematicamente esquecidos por quem, mais do que ninguém, tem a obrigação de por eles velar, exatamente o Estado.

 

Quando, raramente, acontece de ser julgado um representante das elites, ou alguém que de alguma forma esteja acobertado pelo dinheiro ou pelo poder, infelizmente o que se observa é que impera a impunidade.

 

 Foi muito edificante, nesse sentido, o recente episódio das acusações recíprocas, entre o Presidente do Senado Federal e o Presidente do PMDB, ambos acobertados pelas imunidades parlamentares, porque nenhuma das denúncias é nova. Ao contrário, muitas delas constam de processos “arquivados” na Justiça. Ora, se a Justiça, em todos esses anos, nada decidiu, ficamos todos sem saber se nossos governantes são corretos ou corruptos.

 

Em 1.996, no lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, dizia o Presidente FHC:

 

“Todos nós sabemos que não é possível extirpar, de um dia para o outro, com um passe de mágica, a injustiça, o arbítrio e a impunidade. Estamos conscientes de que o único caminho está na conjugação de uma ação obstinada do conjunto do Governo com a mobilização da sociedade civil. Este caminho, nós estamos decididos a trilhar, com determinação”.

 

Apesar das palavras de efeito, tudo parece muito igual. É claro que não podemos exigir um passe de mágica, mas afinal de contas, quantas décadas ainda serão necessárias? A injustiça, o arbítrio e a impunidade de hoje são os mesmos dos anos sessenta, durante a ditadura militar, quando minha turma da então Faculdade de Direito homenageou Ribeiro da Costa, pela coragem de suas decisões no Supremo Tribunal Federal. Hoje, poucos ainda acreditam no Governo, ou no Judiciário, exatamente porque a impunidade, e a habitual desigualdade de tratamento, que impossibilitam a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais da imensa maioria dos jurisdicionados, têm servido como um paradigma ético negativo, para medir e contestar a legitimidade do regime e do governo.

 

Em outras palavras, se o próprio Governo não respeita a lei, por que será que o jurisdicionado deveria respeitá-la?

 

Mas embora a opinião da imprensa não possa condenar ninguém, e todos os denunciados devam ser considerados inocentes, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a opinião pública acredita nessas denúncias, que já não conseguem mais escandalizar ninguém, e o resultado é esse sentimento de impunidade, essa certeza da inutilidade da lei, e essa revolta contra toda e qualquer exigência legal.

 

Se os governantes são acusados, porém, temos o direito público subjetivo a uma decisão, e a uma decisão rápida, para que possamos saber em quem votar, na próxima eleição, mesmo porque, se as denúncias foram feitas de má-fé, o denunciante deveria ser condenado, pela prática de crime contra a honra. Mas se o Judiciário, em dez, vinte ou trinta anos, nada decide, isso apenas contribui para reduzir a legitimidade do Governo, e a própria credibilidade de nosso sistema jurídico. Talvez por essa razão, verificamos a facilidade com que é aceita, no Brasil, a prática do oferecimento, ao guarda de trânsito, de uma propina, para que seja dispensada a multa, isso quando a proposta não parte do próprio guarda, apesar da gravidade do delito que, na teoria, pode resultar em alguns anos de cadeia. 

 

A Justiça deve ser cega, para ser imparcial, mas não pode ser muda, como desejariam o ACM e alguns outros governantes autoritários, e muito menos surda, porque precisa sempre corresponder aos anseios da sociedade.

 

A conseqüência da impunidade é o aumento da criminalidade. Apesar da Constituição de 88 ser altamente progressista, e ter procurado garantir, de todas as formas, os direitos fundamentais e os direitos sociais, na prática o Estado Brasileiro, através da polícia, do Executivo e do Judiciário, tem garantido a completa impunidade aos mandantes e executores, responsáveis pelas várias formas de violência social e física praticadas contra os trabalhadores e contra os excluídos. O MST costuma alegar, como exemplo dessa impunidade, que estão registrados e comprovados cerca de 1.900 assassinatos de lideranças e trabalhadores rurais, e que destes, apenas 17 tiveram os procedimentos legais levados ao final e foram a júri. Dos 17, apenas dois casos tiveram condenação. Em nenhum outro caso os mandantes fazendeiros foram condenados.

 

Na outra face da moeda também pode ser observada a impunidade dos governantes, na realização de seus projetos de governo, ou de reeleição, em detrimento dos legítimos interesses de toda a população, utilizando os excluídos, tais como a maioria dos militantes do MST, com finalidades muito diversas da pretensa reforma agrária, que vem sendo feita, no Brasil, de forma completamente descontrolada. Dessa forma, chegaram ao absurdo de pretender justificar o assentamento dos sem-terra no Mosqueiro, em área turística e de praias. Talvez sejam, no Mundo todo, os sem-terra mais privilegiados, porque além de invadirem área produtiva, ainda podem vender os cocos na praia!

 

Qual seria a solução para o fim da impunidade? Será que a proposta da criação do Conselho Nacional de Justiça, com a função de fiscalizar as atividades do Poder Judiciário, poderia ter o condão de torná-lo célere e imparcial? Quem nos garante que o próprio Conselho Nacional de Justiça também não precisaria ser fiscalizado?

 

Ou será que, na impossibilidade de acabar com a impunidade, a solução seria escondê-la em baixo do tapete? Talvez seja o objetivo da chamada Lei da Mordaça, porque se for possível esconder da opinião pública todas essas denúncias, certamente desaparecerá a sensação de impunidade.

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Para a OAB Federal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/para-a-oab-federal/ Acesso em: 28 mar. 2024