Sociedade

Loco si, pero no tonto!

Tendo nascido em 1944, nos meus tempos de curso ginasial (os primeiros quatro anos do segundo grau) no hoje extinto Instituto La-Fayette (Tijuca, Rio de
Janeiro, RJ), tínhamos como disciplinas obrigatórias português, francês, inglês e latim.

Bons tempos aqueles! Sou um brasileiro privilegiado!

Parece até que estou brincando, mas dou minha palavra de honra que é pura verdade!

Sendo assim, acho que a maioria dos meus colegas de turma não teria a menor dificuldade em saber o que quer dizer aquela inscrição colocada pelos romanos
na cruz de Jesus Cristo: INRI.

Ou seja: Iesus Nazarenus Rex Iudeorum. Traduzindo o “latinorum”: Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus, coisa que o próprio jamais disse que era.

Foi muito mais tarde que vi na TV aquela figura exótica: o Inri Cristo, que proclamava – para quem quisesse e não quisesse ouvir – que ele era o próprio
Cristo de volta à Terra, como ele havia prometido, mas não disse quando.

Fosse nos tempos da Inquisição do cardeal Torquemada ou mesmo nos tempos de Calvino em Genebra, e Inri Cristo seria mandado para a fogueira por expressar
tamanha blasfêmia.

Mas, para bem ou para mal, os tempos são outros. Estamos nos tempos do filósofo Michel Foucault, para quem tanto criminosos de alta periculosidade como
doidos varridos e perigosos são considerados pobres vítimas da cruel sociedade capitalista.

E por isso mesmo, nada de hospícios e prisões, esses instrumentos burgueses de pura repressão a quem se mostra apenas diferente da maioria.

Eles não têm culpa de não se comportarem como a maioria dos viventes . No fundo mesmo, isso é uma questão de estatística, como sugeria Machado de Assis no
seu conto O Alienista.

Mas o Inri Cristo não se inseria na categoria dos loucos furiosos: era um louco manso que se limitava a proferir advertências à humanidade com ares solenes
e apocalípticos.

Não é de causar espécie, portanto, que não faz tanto tempo que essa figura esdrúxula fosse frequentemente convidada a aparecer nos canais de TV trazendo a
boa nova de que Cristo estava de volta para nos salvar do Inferno.

E não nos esqueçamos de que Cristo, o Messias, era ele mesmo: Inri Cristo, com sua túnica branca e suas longas e veneráveis barbas.

Passou o tempo e eu não tinha mais ouvido falar de Inri, até o momento em que deparei com uma notícia bizarra que saiu nos jornais ontem, 16/8/2012.

Como sabemos, as autoridades responsáveis pela segurança pública em Brasília tinham a compreensível expectativa de que o julgamento do Mensalão pudesse
provocar conflitos entre facções opostas:

A dos que estavam ansiosos para ver a condenação dos réus e a dos que clamavam pela inocência dos mesmos, tal como o Zé Dirceu clamava pela dele.

Por nutrir tal expectativa, as autoridades responsáveis, para mostrar que eram de fato autoridades e eram de fato responsáveis, montaram um forte esquema
de segurança em frente do prédio do STF.

No entanto, só para contrariar, não apareceu nem um gato pingado no referido local. Parece que o País inteiro estava voltado para as Olimpíadas em Londres
e para o desfecho do eletrizante duelo entre a justiceira Nina e a deletéria Carminha em Avenida Brasil.

La vendetta è un piato che se mangia freddo! , já dizia Lucky Luciano…

Mas, para acabar com a ausência de manifestantes em Brasília, apareceu um. Dali de onde menos se esperava apareceu ele. Quem? o deputado Tiririca, com seus
um milhão e quatrocentos mil votos ou o ET de Varginha? Não, não, Inri Cristo em carne, osso e longas barbas!

E o que é de causar pasmo, Inri Cristo, com seu constante séqüito de fiéis, distribuiu panfletos clamando pela condenação de todos os mensaleiros. Unbelievable, Mr. Penn Taylor!

Mais que isso: Inri concedeu entrevistas à mídia ansiosa para ouvir suas declarações. De saída, apresentou-se como “eleitor e conselheiro de juristas”.

Disse que ali estava “para conferir se Brasília aproveitará a ocasião para higienizar a imagem”[que aliás anda mais suja do que as águas do Cachoeira e pau
de galinheiro].

Declarou que Roberto Jefferson omitiu que o ex-Presidente Luiz Inácio da Silva era o mandante do esquema, mas culpou José Dirceu por uma questão de
“desavença pessoal”. Teria sido para deletar um concorrente nas eleições de 2014?

E usando uma expressão do advogado de Jefferson em sua defesa, afirmou que Lula não pode ser considerado um “pateta”.

Disse ainda que “Nunca o povo brasileiro elegeu um pateta. O que acontece é que o Presidente se faz de burro para continuar comendo milho”.

Aqui entre nós e que ninguém nos ouça: assim como uma asserção não passa a ser verdadeira só por ter sido proferida por um gênio, ela não deixa de ser só
por ter sido proferida por um diodo varrido.

Para Inri, Brasília é a “Nova Jerusalém” [Acho que o nome mais adequado seria Juros Além?!]. Segundo ainda ele, o Brasil vive uma guerra civil não
declarada, pois morre mais gente vítima da violência do que em qualquer guerra.

Exagerou um pouquinho: na Segunda Guerra morreu muito mais gente. Todavia, com 50.000 homicídios por ano, o Brasil superou a guerra do Vietnã e as duas do
Iraque.

E Inri Cristo concluiu pedindo a Presidente Dilma que “restaure a dignidade da nação”. Perguntar não ofende e pedir é expressão de uma demanda
insatisfeita, não importando qual seja ela…

Confesso que fiquei pasmado com a demonstração de cidadania de Inri Cristo [Quem fica “pasmo” tem que ser reprovado na prova do ENEM].

O louco de pedra revelou-se muito mais perspicaz e bem informado do que a avassaladora maioria de 80% de eleitores que transformaram um semiletrado
torneiro mecânico aposentado no Presidente mais aclamado do Brasil.

E o que é pior: acreditaram em suas lágrimas de crocodilo quando ele declarou solenemente: “Não sei de nada, não vi nada”. M’engana qu’eu gosto, ô mané!

Inri Cristo bem poderia dizer como dizia O Cavaleiro da Triste Figura, o ilustre fidalgo Don Quixote de La Mancha: [Soy] loco si, pero no tonto,
ou seja: “[Sou] louco sim, mas não idiota”.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. Loco si, pero no tonto!. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/loco-si-pero-no-tonto/ Acesso em: 19 abr. 2024