Sociedade

Incesto: um pacto de silêncio

Incesto: um pacto de silêncio

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Há fatos que são do conhecimento de toda a sociedade. Mesmo alvo da repulsa e da indignação de todos, nem por isso se consegue reverter. Apesar de algumas vozes se levantarem, alguns segmentos se dedicarem a procurar meios de reverter alguns acontecimentos que afrontam a própria estrutura social, o silêncio continua sendo o grande obstáculo para que se modifiquem alguns comportamentos que, mesmo sendo absolutamente repudiado por todos continuam a se repetir.

 

            As expressões abuso sexual, estupro e atentado violento ao pudor são dizem com atitudes tão odiosos e repulsivas que ninguém sequer gosta de pronunciar. Mas talvez nenhuma tenha um significado mais chocante do que a palavra incesto. Pelo seu significado aparentemente mais perverso do que outras posturas inaceitáveis, acaba sendo o crime que menos é punido, ainda que, entre os delitos ligados à prática sexual,  seja o mais cometido.

 

            Paradoxalmente, o incesto paterno-filial, apesar de ser a mais freqüente prática delitiva cometida por adultos contra crianças no recôndito de um lar, é o crime sexual menos punido.

 

Essa certa tolerância social para com o deleito cujas seqüelas marcam de forma definitiva a vida das vítimas tem justificativas não só históricas mas também culturais.

 

A existência de um vínculo de convívio, a superioridade do homem, quer por sua maior força física, que por sai sua autoridade, somado à cumplicidade da mulher e a fragilidade emocional da vítima, são os ingredientes que levam a um pacto de silêncio difícil de romper.

 

Caso tudo isso não bastasse, existe um profundo interesse do Estado na preservação do núcleo familiar, o que o leva a omitir-se. Na hora em que é chamado de interceder, para garantir a preservação da integridade física e psíquica de seus membros, sua postura é não intervencionista. A preocupação maior a manutenção da família. Isto não se vê somente na polícia, que tem a tendência de culpar a vítima. Também a Justiça tenta transações e força conciliações, pois conta com respaldo legal. Basta lembrar que os crimes que afrontam a liberdade sexual – ainda chamados contra os costumes – são crimes de ação privada, condicionados à representação da vítima. Igualmente o delito de lesões corporais é considerado de menor potencial ofensivo, ainda que ocorra dentro da família, deixando de atentar ao desequilíbrio entre os contendores decorrente da verticalização ainda presente nos vínculos familiares, existindo uma subordinação emocional que dificulta ou impede a resistência.

 

 

 

O silêncio, o medo e a vergonha acabam impedindo o seu reconhecimento.

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

                                                                                     

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

 

Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Incesto: um pacto de silêncio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/incesto-um-pacto-de-silencio/ Acesso em: 29 mar. 2024