RESUMO
O presente artigo busca abordar a questão da infração do menor através da psicanálise lacaniana, com destaque para a função paterna e sua importância
na constituição do sujeito. Inicialmente partimos da teoria Lacaniana no que se refere ao declínio da função paterna, depois demos início às visitas ao
CEA – Centro Educacional do Adolescente, lugar que pudemos ter acesso a documentações dos internos, menores em conflito com a lei. Por fim, concluímos
a pesquisa encaixando a teoria estuda ao perfil familiar dos menores infratores e identificando que a lei imposta pelo pai está em nítida decadência e
tem contribuído para violência e se tornado inimiga da sociedade.
Palavras chaves: Psicanálise, Nome-do-pai, lei.
INTRODUÇÃO
Temos por objetivo apresentar a função do pai e sua influência na constituição do sujeito observando o histórico dos adolescentes que se encontram em
regime disciplinar no CEA. Para tanto, temos como base teórica a psicanálise Lacaniana no que se trata dos sintomas contemporâneos.
A sociedade tem vivenciado nesses últimos anos uma onda de violência muito grande empregada pelos menores infratores, partindo desse ponto, levantamos
a hipótese de que esta conduta aplicada está querendo nos dizer algo, está querendo nos alertar para uma estrutura familiar decadente e relacionada ao
declínio da função paterna.
É na negação dessa função, chamada por Lacan de metáfora paterna, que centramos nossos estudos como forma de mostrar e levar à sociedade a importância
que é a lei do pai, que estabelece um limite quando aceito na castração. Vale ressaltar, que quando nos referimos a palavra ‘pai’, não estamos
falando do pai corpo físicos, mas o que é estabelecido entre a criança e palavra do pai em termos psíquicos, – a lei.
Além disso, como já exposto, estivemos em contato com a documentação dos menores em conflito com a lei que estão cumprindo medida sócio-educativa no
CEA, pudemos observar através de relatórios sociais, históricos dos casos, guias de internação, ofícios, etc. que a família dos internos se encontra
comprometida, uma vez que sua formação natural, ou seja, pai, mãe e filhos não são mais estabelecidos. Muitos dos que lá se encontram, estão com seus
pais cumprindo sanções penais em presídios, estão mortos ou não querem saber dos filhos.
Portanto, temos como objetivo fazer um levantamento da estrutura familiar dos adolescentes aplicando a teoria Lacaniana em relação ao Nome-do-pai e
mostrar a sociedade que os laços familiares têm que sofrer de imediato, mudanças que as melhorem, pois ao contrário, teremos muitos jovens apresentando
pontos de ruptura como real sem lei.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
DECLÍNIO DO NOME-DO-PAI
“… a Justiça de menores deve ter, sempre, um cunho paternal. A sua missão é proteger – e não perseguir e ferir…”
Basileu Garcia.
No nosso cotidiano, temos nos deparado, ao ligar a TV, o Rádio, com um aumento do número de ocorrências de meninos envolvidos com a violência com idade
que variam entre 12 e 17 anos, conhecidos como menores autores de atos infracionais. São adolescentes geralmente pertencentes à classe média baixa, que
tem seus tutores (pais) envolvidos com alguma droga lícita ou ilícita e que já têm passagem pelo regime carcerário.
A violência tal como se tem mostrado, tem sido analisada pelos psicanalistas como fruto do declínio de fontes simbólicas, fruto do declínio da
intervenção paterna. A criança, no seu primeiro momento, é uma com a mãe, estando ligada a ela como se fosse a mesma pessoa. Esta relação parece
apontar para o infinito, para a possibilidade de “ser tudo”, do ilimitado. É a “chegada” da figura paterna, intervindo na relação mãe-filho que faz com
que os limites sejam estabelecidos. A própria sociedade tem um funcionamento simbólico que faz aparecer os limites, ou melhor, somos parte de um mundo
organizado por leis e obrigações que nos limitam ou nos mostram a impossibilidade de fazer tudo, a exemplo disso, temos o nosso Código Penal
Brasileiro, o qual descreve os atos que não devemos cometer. À entrada do pai, na relação mãe-filho, e à conseqüente limitação que a figura paterna
simboliza, a psicanálise dá o nome de Castração.
O pai é quem limita o prazer do impulso na criança na medida em que ela passa a notar que é para o pai que a mãe se dirige. O primeiro momento desta
intervenção aparece para a criança como uma frustração. Nas palavras de Ramirez (2004, p. 6-7):
“A entrada do pai na relação intersubjetiva mãe-criança, como quem tem direito àquilo que diz respeito à mãe, é vivida pela criança como uma
frustração. Por outro lado, também a mãe se vê privada do falo suposto, a criança identificada como seu objeto de desejo. Dessa forma, a criança é
introduzida no registro da castração pela entrada em cena da dimensão paterna, e passa a se interrogar sobre ser ou não ser o falo”.
O pai como sujeito mediador da relação “mãe-criança”, torna-se rival da criança e objeto do desejo da mãe, simbolicamente para esta, o falo. Se a
criança faz o deslocamento do falo para o lugar da instância paterna encontra a lei do pai, pressupõe que sua mãe precisa dessa lei, e a partir disso,
segundo Lacan, produz-se alguma coisa que faz com que retorne à criança como sendo pura e simplesmente a lei do pai, enquanto imaginariamente concebida
pelo sujeito como privando a mãe.
Depois de ter realizado esta descoberta, de acordo com Ramirez (op. cit.), a criança significa o desejo da mãe como submetido à lei do desejo do Outro,
o que implica que seu próprio desejo depende de um objeto, que o outro é suposto ter ou não ter. Mais ainda, que o desejo está barrado, limitado.
Seguindo estas características, podemos identificar a relação do Édipo, ou seja, é neste momento que a lei do pai retorna à criança, ou seja, aparece
para a criança algo que estabelece um limite, uma privação, apresenta-lhe a lei. Esta lei, como veremos na citação de Jurandyr (2007), é o que faz o
sujeito entrar na ordem da cultura e o seu símbolo maior seria a lei de proibição do incesto. Nas palavras deste estudioso:
“A lei que estaria na base da constituição simbólica da humanidade seria a lei de proibição do incesto. Lei esta articulada à incidência do
significante sobre o corpo produzindo uma perda de gozo, uma renúncia com a qual o sujeito deve consentir para ter acesso à ordem da cultura…”
(JURANDYR, 2007, p. 55).
É nesse momento que a criança se reconhece no espaço familiar e cultural e acontece o declínio do Édipo, por conseguinte o acesso ao Nome-do-Pai, ou
seja, o filho nomeia, por metáfora, o objeto de seu desejo e reconhece o lugar do Outro. Mas este processo é também susceptível de falha na estrutura
simbólica, acarretando o que se chama, na psicanálise lacaniana, de foraclusão do nome-do-pai, que atinge a estrutura imaginária provocando sua
desestruturação. Nos ensinamentos de Lacan (1959), o que é foracluido do simbólico aparece no real.
Foracluir significa enxotar alguém ou alguma coisa, nesse caso, enxotar o pai, demiti-lo ou até mesmo, de acordo com Lacan, constituir o declínio do
Nome-do-pai.
“Assim, foracluir consiste em expulsar alguém ou alguma coisa para fora dos limites de um reino, de um indivíduo, ou de um princípio abstrata tal como
a vida ou a liberdade; foracluir implica também o lugar, qualquer que ele seja, do qual se é expulso, seja fechado para todo o sempre”. (RABINOVICH,
2001).
Quando pensamos os casos de infração de menores, na nossa sociedade, sob a ótica da psicanálise, podemos refletir sobre uma espécie de
“falha” na “aceitação” do pai, que se traduz em falha na aceitação das leis, dos limites impostos pela vida em sociedade. Falhando a lei que impõe os
limites, sendo foracluída, ou melhor, incluída fora do sujeito, como o sujeito passa a lidar com o seu desejo desenfreado?
Em contato com documentações cedidas pelo CEA (Centro de Educação do Adolescente), estamos tentando observar o lugar do pai nas famílias dos jovens
infratores, analisando se confirma ou não o que observam Programas como o de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAAM), Programa
de Minas Gerais. Segundo eles, nas famílias dos menores autores de atos inflacionais, existe um enfraquecimento ou total extinção da função esperada de
um pai, a função orientadora. Para Jurandir (2007), nos dias de hoje, o pai não mais garante os recursos, ele não é suficiente ou se torna inexistente.
De acordo com o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG), um dos fatores
determinantes da violência urbana é a falta de palavras de ordem do pai dirigida ao filho, muitos desses garotos são abandonados ainda no ventre de
suas mães, outros têm pais-incestuosos, pai envolvido com drogas e até mesmo pai que se encontra cumprindo regime prisional.
Segundo Laia (2007), as dificuldades das famílias contemporâneas articularem Lei e Desejo, são particularmente visíveis em estudos de casos
relacionados à violência urbana, portanto caracteriza um sintoma da atualidade, onde prevalece a pulsão e o valor de sentido é coberto pelo gozo.
Em uma análise rápida dos casos que estamos observando no CEA, estamos propensos a identificarmos o declínio da participação paterna nas famílias e a
presença apenas da mãe. Muitos dos menores afirmam não sentirem nenhum sentimento pelo pai, elegem apenas os entes maternos como componentes de sua
família, tendo tios e avô como pais.
O FIM DE UM REGIME SIMBÓLICO
No âmbito da psicanálise é possível encontrar estudos de diversos horizontes, inclusive o que está relacionado à violência empregada pelos
adolescentes, uma realidade que necessita de soluções eficazes e urgentes. Segundo a teoria Lacaniana, podemos identificar a violência encaixada numa
política do sintoma, mesmo sabendo que a violência não é um conceito psicanalítico, abordamos então seu conceito dentro dos chamados sintomas
contemporâneos, na categoria do simbólico e do real, sendo mais específico no que se refere ao declínio do Nome-Do-Pai.
Do ponto de vista psicanalítico, o pai é o representante simbólico da lei, ou seja, o pai é quem promove a função castradora e acaba separando
simbolicamente a mãe do filho.
(…) supõe que o Nome-do–pai desempenhe na fantasia a função de agente da castração. Ele transfere a potência simbólica do significante, para o
imaginário. Permite transmutar o real do gozo impossível para as vias imaginárias de um real do gozo proibido. (TEIXEIRA e SANTOS, 2003, p. 2)
Quando esse processo não é desenvolvido, segundo Lacan (1969[2003]), “a criança fica exposta a todas capturas fantasísticas” que iram ocupar o lugar da
lei do pai, como a violência ou drogas, e assim fica fora do complexo paternal, de acordo com Teixeira e santos (2003, p. 1) “O ponto de ruptura se
apresenta como real sem lei, logo, ele não é mais impossível, porque todos os gozos são co-possíveis”.
Dessa forma, podemos dizer que a violência/crimes/drogas é o que põe em cheque a ausência total de um regime simbólico paterno e o que aponta, segundo Marchesini, “como únicas possibilidades que restam ao proto-sujeito para ex-istir. A única possibilidade que lhe resta é fazer um
buraco no real, para produzir uma falha no Outro social”. Portanto, o que percebemos é que a violência empregada pelos adolescentes em conflito com a
lei é proveniente de uma formação “prenha” de falhas que partem do seio familiar e que não conseguiram compreender o que esse pai representa em termos
psíquicos, isto é, a lei, fazendo que esta situação reflita em forte ameaça a sociedade.
Através da documentação cedida pelo CEA, foi possível constatar que a estrutura familiar dos menores se encontra abalada. Em depoimentos registrados
pelas assistentes sociais e psicólogas, podemos encontrar a demissão paterna, tais como: “o filho não deseja falar com o pai”, “(…) nunca sentiu
falta do pai (…)”, “o seu pai abandonou o lar”, “Seu pai segundo sua mãe, nunca procurou saber do filho como também, nunca ajudou financeiramente”,
“Durante este período de um ano de sua estada no CEA, o pai só veio aqui, uma única vez para entrevista solicitada pelo Serviço Social e não quis
vê-lo”. Dados como estes só reforçam a hipótese da decadência da autoridade paterna que já vem sendo anunciada por Lacan desde a década de 30 em “Os
Complexos Familiares in Outros Escritos” apontando suas patologias.
Além disso, na documentação podemos perceber com o declínio da função do pai, um total domínio da mãe e sua forte ligação com seus filhos. Vejamos:
“mostra-se preocupado com a mãe”, “pedi ligações para falar com a mãe”, “relação muito afetiva com a mãe”, “senti falta da mãe”, “sua mãe lhe dava
muitos conselhos”, “antes da internação morava com a mãe”, “registro de nascimento consta apenas o nome da mãe”, nos mostram que as mães se tornaram
chefes do lar e que podem se tornarem parceiras fundamentais na recuperação dos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa.
Na documentação não apenas indica o declínio do pai e a ascensão da mãe, podemos encontrar também que muitos pais dos adolescentes se encontram
cumprindo sentença penal, ou seja, existem alguns pais que estão em regime carcerário. Além disso, é registrado que muitos dos infratores são
provenientes de famílias de baixa renda, que vivem dos proventos dos avós ou de algum benefício do Governo Federal e 100% das fichas analisadas é
registrado que os adolescentes faziam uso de alguma droga ilícita antes de estarem no centro educacional, tais como maconha, cola, crack e cocaína.
Quanto aos atos infracionais, assaltos, homicídios e roubo, são os atos mais comuns que os fazem cumprirem a medida sócio-educativa.
DADOS DA PESQUISA
Para obtermos os dados necessários para composição do objetivo final do projeto, entramos em contato como já comentado, com uma das instituições
encarregadas de aplicar medida sócioeducativa aos menores atores de atos infracionais, o CEA (Centro Educacional do Adolescente).
O Centro Educacional do Adolescente é uma unidade do órgão Fundac (Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente), que atende adolescentes de
12 a 17 anos em conflito com a lei aplicando medidas sócio-educativas. Assaltos, homicídios e roubo, são os atos infracionais mais comuns cometidos
pelos menores.
A instituição de reabilitação é situada no bairro Jardim Cidade Universitária na cidade de João Pessoa, conta com um corpo técnico formado por
psicólogos, assistentes sociais, supervisores, direção e a segurança são feita por policiais militares. Além disso, o CEA oferece escola da
alfabetização ao ensino médio e oficinas profissionalizantes.
Este centro se responsabiliza pela ressocialização dos inimputáveis, ou seja, a legislação entende que os menores de 18 anos apresentam
“desenvolvimento mental incompleto”, portanto, não cumprem regime prisional, mas medida sócioeducativa, nos termos previstos no Estatuto da Criança e
do Adolescente (Lei n° 8.069/90).
Para tentarmos analisar o lugar do pai na família dos menores infratores, obtivemos contato com os relatos por escrito que as assistentes sociais
faziam de alguns internos.
CONCLUSÃO
Demos início ao presente artigo levantando pontos que pudessem nos esclarecer o que pode ter por trás dos atos inflacionais empregados pelos
adolescentes. Pudemos constatar que tais infrações estão relacionadas à viga mestra na vida desses garotos, está relacionada a estrutura familiar,
lugar no qual vem a ser julgado as funções de pai e mãe.
Para este trabalho também, tentamos mostrar quais são os elementos que parecem identificar, partindo da literatura psicanalista, esta postura agressiva
dos menores em conflito com a lei confrontando realidade e teoria e constatamos que o sintoma quer dizer algo quer alertar as suas causas, indica a existência desses adolescentes que demonstram pouca aceitação ou nenhuma do espaço que os cercam, isto é, temos o sintoma como prova real dessa
adaptação do sujeito ao real.
Portanto, chegamos ao fim dessa busca da identificação da função paterna e sua importância na constituição do sujeito, verificando que o sujeito
(menor infrator) se encontra submerso nos imperativos de gozo causado pela falta de inserção na lei paterna, que a violência praticada pelos
adolescentes em conflito com a lei, tem se revelado uma ameaça que assola o corpo social e nos alerta para busca de soluções eficazes, pois a
legislação vigente não vem dando resultados, confirmando apenas o que Lacan definiu como violência, isto é, como uma ultrapassagem que produz
consequências consideráveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo aqui exposto faz parte da pesquisa que realizamos com a orientação da Prof.ª Dr.ª Mônica Nóbrega, sendo financiado pelo PIBIC/CNPq/UFPB, no
âmbito da linguagem e psicanálise. Para tal composição, temos como base teórica as leituras do psicanalista Jacques Lacan.
REFERÊNCIAS
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_______. Os complexos familiares na formação do indivíduo. In:__. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, (1968[2003]).
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@gente revista digital de psicanálise, 2007, p. 7-10.
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