Sociedade

Basta de violência

Basta de violência

Maria Berenice Dias*

No dia 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Cumprimentos são trocados, homenagens são prestadas, realizam-se inúmeros eventos.

No entanto, o significativo avanço feminino em várias áreas e setores – a justificar as comemorações – não pode encobrir uma cruel realidade: a violência doméstica, que, surpreendentemente, vem aumentando em proporções alarmantes. Basta lembrar que, segundo estatística da ONU, a cada 4 minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por pessoa com quem mantém uma relação de afeto. A esse dado soma-se outro igualmente assombroso, de que somente 10% das agressões são denunciadas. Chega-se a um número por demais assustador.

Necessário, assim, que a data sirva não só de momento de confraternização. Deve também ensejar uma pausa para reflexão, para uma tomada de consciência. Imperioso que se busque identificar causas para que soluções possam ser encontradas.

A sociedade defere ao homem o espaço público e concede à mulher o espaço privado, nos limites da família e do lar. Isso enseja a formação de dois mundos: um, de dominação, externo, produtor; o outro, de submissão, interno e reprodutor. A essa distinção estão associados os papéis ideais de homens e mulheres: ele provendo a família, e ela cuidando do lar, cada um cumprindo sua obrogação. Esses estereótipos são vincados desde muito cedo. As meninas são treinadas para o desempenho da função doméstica, ao receberem de brinquedo bonecas, casinhas e panelinhas. Aos meninos é reservado um mundo exterior, pois brincam com bolas, carrinhos e aviões.

Os padrões de comportamento instituídos distintamente para homens e mulheres levam à geração de um verdadeiro código de honra. A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais limitadas em suas aspirações e desejos. Por isso o tabu da virgindade, a restrição ao exercício da sexualidade e a sacralização da maternidade. Ambos os universos, ativo e passivo, distanciados mas dependentes entre si, buscam manter a bipolaridade bem definida, pois ao autoritarismo corresponde o modelo de submissão.

A evolução da Medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, bem como as lutas emancipatórias, levaram ao surgimento de uma nova postura feminina, que impôs a redefinição do modelo ideal de família. A mulher, ao se integrar no mercado de trabalho, saiu para fora do lar, impondo ao homem a necessidade de assumir responsabilidades dentro de casa. Essa mudança acabou por provocar o afastamento do parâmetro preestabelecido, ensejando um desequilíbrio, terreno propício ao surgimento de conflitos.

De outro lado, acostumada a se realizar exclusivamente com o sucesso do par e o pleno desenvolvimento de seus filhos, não consegue, a mulher, encontrar em si mesma o centro de gratificação, o que gera um profundo sentimento de culpa que a impede de usar a queixa como forma de fazer cessar a agressão. É que, em seu íntimo, se acha merecedora da punição por haver desatendido as tarefas que lhe são afeitas como a rainha do lar.

Nesse contexto é que surge a violência, que se justifica como forma de compensar possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero. Quando um não está satisfeito com a atuação do outro, surge a guerra dos sexos, e cada um dos envolvidos usa suas armas: eles, os músculos; elas, as lágrimas.

Somente a partir da conscientização de que o novo modelo de família deve se basear na mútua colaboração e no afeto é que se poderá chegar à tão almejada igualdade e ao fim da violência.

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Basta de violência. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 1997. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/basta-de-violencia/ Acesso em: 28 mar. 2024