Sociedade

O crepúsculo da cidadania

O crepúsculo da cidadania

 

  

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Há nítida escalada, no mundo, de restrições aos direitos dos cidadãos. Nos Estados Unidos, a guerra do Iraque desventrou tratamentos indignos a prisioneiros e cidadãos de outras nacionalidades, até hoje não tendo havido solução para o problema dos emigrantes mexicanos.

 

Putin, por outro lado, enrijece o regime, a ele sendo atribuídos assassinatos de adversários políticos, o que coincide com a adoção de atitudes cada vez mais arbitrárias para calar a oposição, de que é prova a injustificável prisão de Kasparov, símbolo da inteligência russa.

 

A China é uma ditadura, não ficando atrás o Paquistão, onde, com violência, as vozes oposicionistas têm sido caladas.

 

Quanto aos países fundamentalistas nem há o que se falar. O fanatismo termina por impor regras desumanas, como punir a mulher vítima de estupro, e não os estupradores, ou apenar professora por ter concordado que as crianças suas alunas dessem o nome do profeta Maomé a um pequeno urso de pelúcia.

 

Se Dan Brown, em vez do Código Da Vinci, tivesse escrito um Código desfigurando a pessoa de Maomé, como o fez com Cristo, certamente seria esquartejado em praça pública – muito embora merecesse umas palmadas pela fantástica demonstração de desrespeito, ignorância histórica, religiosa, filosófica e política, na farsa que escreveu.

 

Na África, os governos ditatoriais se sucedem e, na América Latina, o orador de baixo calão Chávez e o pouco dotado Morales reagem com violência a seus opositores, em comportamento que traz implícito o seguinte princípio: “Na Venezuela e na Bolívia todos têm o direito de ficar calados e quem não exercer este direito será punido”. Apesar disto, Chávez perdeu o plebiscito, o que o levou a atacar seus opositores com palavras proibidas nas escolas.

 

Corrêa e outros pretendem se perpetuar

 

Mesmo o Brasil em que o calar a oposição não chegou a arroubos arbitrários, vemos projetos de lei de destruição da cidadania, como o que pretende permitir às autoridades do Executivo grampear telefones e ter acesso a dados da vida privada de cidadãos, sem autorização judicial; executar suposta dívida tributária sem participação de magistrados; alargar as operações cinematográficas de prisões, com base em meras suspeitas, com a desfiguração da imagem das pessoas expostas à mídia; transformar órgão técnico, como o Ipea, em central ideológica.

 

Até mesmo o presidente Lula deixa-se levar pelo ímpeto autoritário, ao taxar de “sonegadores” todos os que se opõem à aprovação da CPMF – que, segundo a ex-vice presidente do FMI, Ana Krueger, constitui o “pior tributo do mundo” – pretendendo, assim, desqualificar seus adversários. Esquece-se de que ele mesmo foi contra o tributo, no governo anterior, não sendo legítimo concluir que o tenha feito com propósitos sonegatórios…

 

O mundo, em matéria de direitos fundamentais e de direito à privacidade vai muito mal, infelizmente não se excluindo o Brasil. Em nosso país, impera a falha visão de que o interesse público – leia-se: “interesse dos detentores do poder” – deve sempre prevalecer sobre o direito dos cidadãos, o que leva o governo a transformá-los em pobres produtores de tributos. E, apesar de produzirem a riqueza nacional, são desqualificados pelas autoridades, temerosas, talvez, de uma reação da sociedade que ponha um ponto final no status quo, em que parte de nossos tributos terminam alimentando as licitações superfaturadas e a corrupção, segundo detectado por órgãos internacionais.

 

Decididamente, o mundo não vai bem. Caminhamos para a perda de conquistas preciosas para a humanidade, ameaçadas pelo egoísmo e pela tirania, em que, tal como no passado, o medo governará.

 

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O crepúsculo da cidadania. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2007. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-crepusculo-da-cidadania/ Acesso em: 25 abr. 2024