Sociedade

A USP não pode ser gratuita

“O importante da educação não é o conhecimento dos fatos, mas dos
valores.”

(Dean William Inge)

O assassinato de um
estudante nas dependências da Universidade de São Paulo, além de causar comoção
e preocupação, deve também resgatar um debate há muito negligenciado: as
universidades públicas não podem continuar integralmente gratuitas.

USP, Unesp e Unicamp
conquistaram em 1989 a chamada autonomia financeira recebendo repasses do Governo
da ordem de 9,57% da receita líquida do ICMS. Portanto, é dinheiro público, de
um Estado formado por mais de 41 milhões de habitantes (Censo 2010), para
beneficiar cerca de 210 mil pessoas, entre estudantes, funcionários e docentes.

Diante desta
informação, toda discussão acerca da abertura dos portões da USP ao público em
geral e sobre a participação da polícia militar em rondas ostensivas é
improcedente. A população tem direito de acesso a um espaço comum. A polícia
deve prover segurança à Cidade Universitária como deve fazê-lo em qualquer
outra localidade.

Os defensores da
universidade pública integralmente gratuita alegam, com razão, que a educação é
um direito do cidadão e um dever do Estado. Argumentam também que muitos ingressantes
cursaram o ensino médio em escolas privadas com a finalidade de, melhor
preparados, obterem sucesso no concurso vestibular. Ouvi estas e outras teses
em minha passagem pela USP, nos anos 1990, arduamente defendidas pelos
pseudoesquerdistas do Diretório Central de Estudantes (DCE) e de diversos
Centros Acadêmicos.

O fato é que muitos
estudantes lutam, sim, para ingressar em uma destas universidades não apenas
por sua qualidade de ensino e reputação, mas também porque não poderiam pagar
pelos estudos. Refiro-me a alunos que usam transporte público, frequentam
assiduamente as bibliotecas para fugir da aquisição de livros, dividem espaço
em repúblicas ou conjuntos habitacionais com vários outros colegas ao longo de
quatro ou cinco anos.

Contudo, há um número
expressivo de estudantes oriundos das classes A e B, com renda familiar mais do
que suficiente para custear seus estudos e que se locomovem em veículos
próprios, desfilam roupas de grife e lotam os bares nos arredores da faculdade
sem preocupação com o valor da conta.

Tomemos como exemplo
os estacionamentos em todas as faculdades da USP. São mal iluminados, sem
monitoramento eletrônico e vigilância policial. Diante disso, cabe ao poder
público investir em postes de iluminação, câmeras e policiamento, ou cabe aos
proprietários de veículos se cotizarem para suprir estas necessidades? Por que
aqueles que pagam despreocupadamente R$ 20,00 ou mais para estacionar seus
veículos com um manobrista julgam absurdo pagar uma mensalidade para guardarem
seus carros com segurança?

O fim da gratuidade
não significa necessariamente a cobrança de mensalidades. Este expediente pode
ser aplicado a alguns alunos, mas o fato é que todos, indistintamente, deveriam
legar à sociedade parte do que dela receberam. Por que os estudantes de Direito
do Largo São Francisco não advogam para a população carente? Por que os
engenheiros da Poli não realizam ações de urbanização de favelas? Por que os
profissionais da área de saúde não reforçam o atendimento nos postos de saúde e
prontos-socorros?

É uma questão de
vontade política, consciência moral e valores virtuosos. Os trabalhos de
conclusão de curso, estágios e que tais deveriam ser cumpridos em atendimento à
comunidade. Os graduados deveriam destinar um dia por mês ao longo de um ano,
no mínimo, para trabalho assistencial. Mas é mais fácil fechar os olhos para a
favela São Remo, proibir o acesso de “pessoas diferenciadas” no
campus ou até mesmo erguer muros e instalar cancelas, praticando o
segregacionismo.

Basta de hipocrisia!

* Tom Coelho é
educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 15 países. É autor
de “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional”,
pela Editora Saraiva, e coautor de outros quatro livros. Contatos através do
e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br.
Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.

Como citar e referenciar este artigo:
COELHO, Tom. A USP não pode ser gratuita. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-usp-nao-pode-ser-gratuita/ Acesso em: 19 abr. 2024