Sociedade

A Fidalguia no Supremo

A Fidalguia no Supremo

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Há quase 50 anos militando na advocacia, tendo sustentado oralmente, pela primeira vez, perante a Suprema Corte, há mais de 45 anos, gostaria de, em artigo, referir-me a uma das características que mais me impressiona, naquela Corte: a fidalguia dos ministros no trato com os advogados e membros do Ministério Público, com os quais estão em permanente contato, em virtude de suas respectivas funções. Nunca deixei de ser por eles recebido -e com muito respeito- mesmo quando ainda jovem advogado. Lembro-me, inclusive, de que, certa vez, quando fui distribuir memorial ao Ministro Hahnemann Guimarães, ele me recebeu com particular atenção, ofertando-me lição que me serviu por toda a vida.

 

Pediu-me, inicialmente, que resumisse o longo memorial que preparara e, só depois, perguntou-me se poderia dar-me um conselho, ao que aquiesci prontamente. Disse-me, então, que, dado o excesso de trabalho da Suprema Corte, (que recebia, na ocasião, em torno de 7.000 processos por ano; hoje o número é superior a 100.000 ), os memoriais deveriam ter, no mínimo, cinco páginas e, no máximo, oito, pois menos de cinco páginas, poderia dar a impressão de pouco conhecimento ou de pouca relevância da questão levada ao conhecimento da Corte, e mais que oito, poderia levar a crer que o excesso de explicação implicasse escassez de direito.

 

Como jovem recém-formado, agradeci ao eminente magistrado pelo conselho, que aproveito, no presente artigo, para repassar a todos os jovens causídicos, em face de sua permanente atualidade.

 

No curso destes quase 50 anos de contato com a Suprema Corte, convivi, como modesto advogado de província, com os mais brilhantes juristas e ministros daquela Casa. Reitero, pois, que, salvo raríssimas exceções, sempre testemunhei, apesar do hercúleo volume de trabalho, a consideração e a fidalguia manifestada no trato pessoal com os operadores do direito, que compõem o tripé da Justiça (juizadvogado-MP).

 

Apenas como exemplo, lembro-me daquele que foi o único brasileiro a presidir os quatro Poderes da República (Judiciário, Executivo, Constituinte e Congresso), o Ministro José Carlos Moreira Alves, que nunca deixou de atender, com solicitude, aos advogados que o procuravam, apesar de seus inúmeros afazeres, como ministro, jurista, conferencista, professor e autor de livros.

 

Impressiona-me muito, ainda hoje, em que a carga de trabalho da Suprema Corte é desumana (cada Ministro recebe mais de 10.000 processos-ano), que a esmagadora maioria continua a manter a tradição da mais que centenária Corte de Justiça, servindo, esta forma de agir, de sadia sinalização e exemplo para os demais Tribunais do país e para os magistrados de 1a. instância.

 

Nada obstante uma renovação que jamais vi, nestes cinqüenta anos – seis novos ministros indicados num único mandato presidencial- esta tradição de fidalguia e respeito foi mantida, repito, pela maioria esmagadora de seus componentes, a demonstrar a convicção da Suprema Corte, como guardiã que é da

 

Constituição, de que só há verdadeiramente justiça, com o diálogo franco e respeitoso entre magistrados, MP e advocacia.

 

Aos 72 anos – se magistrado fosse, já estaria compulsoriamente aposentado-, teimando em continuar no exercício da única profissão à qual dediquei a minha vida e consciente de que meu tempo futuro é cada vez mais presente (e, em breve, será pretérito), quis, neste singelo artigo, reiterar minha admiração pelos mais insignes magistrados da Nação, todos mais jovens do que eu. Louvo neles a consciência que têm do relevante papel da advocacia para o bom desempenho das funções que exercem e o fato de que, em sua quase unanimidade, conservarem, malgrado o volume de trabalho, a tradição admirável de respeito à minha classe.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Fidalguia no Supremo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2007. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-fidalguia-no-supremo/ Acesso em: 19 abr. 2024