Sociedade

Em Recife, com Dom Hélder Câmara


Nesta página
recordo uma viagem que fiz a Recife, em 1997, a convite do Sindicato de
Servidores da Fazenda, para falar num congresso da categoria ocorrido em
Gravatá. Fui discutir questões éticas ligadas à profissão fazendária. O convite
me foi feito por Jorge Luís Amaral, presidente do Sindicato.

Registro outras
palestras e visitas que fiz, na mesma oportunidade, inclusive palestra na
centenária Faculdade de Direito do Recife. Por fim, o mais importante de tudo:
relembro o encontro com Dom Hélder Câmara, fato que deu título a este texto.

A inclusão da
Ética, nas preocupações do movimento sindical, revela um aspecto altamente
positivo. Mostra a rejeição de uma visão corporativa de mundo, tão comum no
interior de algumas categorias profissionais.

Os fazendários
pernambucanos elegeram como tema do Congresso: “O Fisco e as mudanças de
cenário”. Quiseram discernir tudo que se esconde neste panorama social que o
neoliberalismo pretende impor como “ordem econômica”. Examinaram alternativas
de resistência, que a sociedade brasileira pode opor, ao projeto neoliberal.
Indagaram qual a responsabilidade dos servidores do Fisco, como parcela do
conjunto dos trabalhadores, na luta a ser travada.

A pulverização do
pensamento, a setorização da análise é um dos instrumentos que as classes
dominantes adotam para impedir o conhecimento da realidade. A tentativa de ver
o universal, de fugir das visões fragmentárias, quebra o monopólio da pretensa
verdade decretada pelos poderosos da Terra.

Em Recife,
compareço à Procuradoria da República, a convite da Dra. Sônia Macieira, para
falar a Procuradores, Magistrados, servidores da Casa, estagiários e
convidados. Debatemos o papel do
Ministério Público. Vimos que a Constituição de 1988 ampliou em muito seu eixo
de ação, ao lhe confiar, por exemplo, a defesa dos interesses sociais
indisponíveis. Hoje o Ministério Público é peça essencial na construção da
Democracia.

Vou também à
Faculdade de Direito do Recife, a convite da Professora Fátima Oliveira e do
Professor e Juiz Federal Dr. Roberto Wanderley Nogueira. Subo com emoção suas
escadarias mais que centenárias, piso aquele chão de gloriosas tradições,
penetro com unção quase religiosa no Salão Nobre, franqueado à palavra do
capixaba pelo Professor Doutor João Maurício Leitão Adeodato.

Visito o GAJOP
(Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares), uma organização
que veio depois a servir de modelo para todo o país. No GAJOP sou recebido por
Jayme Benvenuto Lima Júnior e seus companheiros de militância.

Compareço à TV
Tribuna, para ser entrevistado, graças à jornalista Wedja Gouveia Gomes.

E como se não
bastasse, tenho a oportunidade de rever Dom Hélder Câmara. Fisicamente
alquebrado, nos seus mais de 90 anos, porém com os olhos luminosos de uma
criança.

Quando lhe
presenteio com um livro, no qual aparece uma página sobre D. João Baptista da
Mota e Albuquerque, ele comenta com saudade e ternura: um grande Bispo, um
grande amigo.

Conto-lhe um fato
do qual ele acha muita graça. Digo-lhe que durante o período em que seu nome
não podia ser mencionado no rádio, na televisão, no jornal, eu havia “furado” o
bloqueio, num jornal do interior do Espírito Santo. Referia-me ao jornal “A
Ordem”, de São José do Calçado. Eu era
então Juiz da Comarca e, nesse jornal, na edição de 4 de agosto de 1969,
publiquei um artigo (Reflexões após um período de férias), em cujo miolo havia
cinco parágrafos em sua defesa.

Quem conhece a
sociologia das cidades do interior sabe que, na arquitetura do poder local,
jamais o redator-chefe de um jornal censuraria um artigo do Juiz de Direito da
Comarca, ainda que tendo, na mesa do jornal, ordens expressas de escalões
federais proibindo referências a Dom Hélder.

Para fechar a
conversa, disse a Dom Hélder uma frase fulminante. Não esperei a reação adversa, pois tinha
certeza que viria:

“Meu caro Dom
Hélder,

Quando os pósteros
olharem para o passado e avaliarem a dimensão de sua presença, na História
brasileira, não tenho dúvida de afirmar – O Século XX será o Século de Dom
Hélder Câmara.”

João Baptista
Herkenhoff, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila
Velha (ES), palestrante Brasil afora e escritor. Foi um dos fundadores da
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória. Autor do livro Ética para
um mundo melhor (Thex Editora, Rio).

E-mail:
jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. Em Recife, com Dom Hélder Câmara. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/em-recife-com-dom-helder-camara/ Acesso em: 20 abr. 2024