Sociedade

Entrevista com Martim Vasques da Cunha

Quando soube que o Martim Vasques da Cunha, editor da excelente revista
Dicta&Contradicta, a melhor revista cultural do país e uma das melhores do
mundo, havia saído do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS)
lamentei o fim de um departamento que primava pelas escolhas acertadas dos
temas e adequada dos professores dos cursos que realizava.

Felizmente, Martim, que muitos leitores deste blog já conhecem, é, além
de um homem devotado ao conhecimento, um empreendedor nato. Agora atua como
diretor-executivo do Cultura Sem Limites, um ciclo de cursos feito em parceria
com a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, tradicionalmente localizada na Av.
Paulista esquina com a Rua Augusta. A programação, que pode ser conferida aqui,
manteve o padrão de qualidade.

Jornalista de formação, mestre em filosofia da religião com uma tese
sobre utopia e doutorando em filosofia política pela Universidade de São Paulo,
Martim concedeu-me gentilmente a entrevista abaixo, feita por e-mail, e na qual
explica a saída do IICS e de que forma os cursos foram concebidos isentos de
qualquer forma de otimismo cultural, que reduz o amor pelo conhecimento a uma
função meramente utilitária.

Garschagen – Para começar: sua saída do IICS causou muita surpresa
porque a qualidade e a grande procura pelos cursos que você montou parecia
mostrar uma parceria bem-sucedida com o Instituto. O que, afinal, aconteceu?

Martim – A única coisa possível a se fazer nestes assuntos é nada mais
nada menos contar a verdade e não ter medo de fazer isso. O que aconteceu foi
uma avaliação errada da administração do IICS. Os cursos de Humanidades estavam
com a média de 25 a 30 alunos – sem uma divulgação sofisticada, tudo feito na
marra, no esquema “guerrilha”. Não davam lucro, mas começavam-se a
pagar. Um belo dia, me chamaram e disseram que o departamento de Humanidades
prejudicava os outros departamentos e que eles tinham de investir em um novo
prédio. Disse que entendia perfeitamente os motivos, mas no fundo estava
aliviado. Não queria trabalhar mais lá depois que aconteceram dois fatos: 1)
soube que convidaram um jornalista que se regozijava de ter descoberto a Bruna
Surfistinha para dar aulas no departamento de Jornalismo e 2) depois que vi um
simpósio de defesa do islamismo disfarçado de “simpósio ecumênico e
multiculturalista” onde, de brinde, vendiam-se exemplares do Corão e
biografias de Maomé. Detalhe: a instituição onde trabalhei era católica. Na
minha última conversa com o diretor, perguntei se os organizadores do tal
simpósio deixariam vender a Bíblia em uma de suas mesquitas. Ele não soube me
responder.

Garschagen – Você se tornou um empreendedor cultural. Depois da
experiência no IICS e da publicação bem sucedida da revista
Dicta&Contradicta, junto com o Instituto que vc criou, o IFE, você também
montou o Cultura sem Limites em parceria com a Livraria Cultura, que começa na
próxima semana com o curso “Modernidade atormentada: Dostoiévski e os irmãos
Karamázov”, ministrado pelo professor Élcio Verçosa. Além deste, já tem
programados mais seis cursos, reunindo gente como Nivaldo Cordeiro, Luiz Felipe
Pondé, Leandro Oliveira, Laís Bodanzky, Bráulio Mantovani, César Charlone e
Daniel Rezende e Nancy Silva. Minha pergunta é a seguinte: você é um otimista
cultural ou está em busca de riqueza, fama, poder, glória etc.?

Martim – Não sou um otimista, muito menos acho que este é um projeto que
vai me dar dinheiro. Na verdade, a única coisa que sai é o meu próprio
dinheiro, conquistado com sangue, suor e lágrimas. Mas o desafio para mim é
continuar com a comunidade que se criou no IICS, não perder o contato com os a
lunos e os professores e não deixar que uma decisão de gabinete destrua três
anos de trabalho com uma canetada só. A diferença é que agora sou meu próprio
patrão. Se der certo ou se der errado, eu vou assumir as conseqüências do
sucesso e do fracasso.

Garschagen – Quais foram os critérios de escolha desse grupo que vai
ministrar os cursos e como os temas foram escolhidos? Houve alguma preocupação
para que os assuntos se complementassem ou tivesse alguma identidade
substancial?

Martim – O programa já estava pronto desde Setembro de 2010. Como o IICS
não aprovou pelos motivos acima e sequer teve conhecimento dela, logo a
programação se tornou minha. A única coisa que fiz foi fazer uma adaptação ou
outra. O critério é exclusivamente o meu bom gosto, sobre o qual eu tenho
extrema confiança.

Garschagen – Por que vale a pena realizar esse tipo de curso? Gostaria
que você considerasse na sua resposta, primeiro, o aspecto educativo e, em
segundo lugar, o de mercado.

Martim – A razão para fazer estes cursos não é o mercado, muito menos há
uma intenção educativa. É simplesmente a chance que você tem de encontrar
pessoas que estão perturbadas com o sentido de suas próprias vidas e descobrir
que você, afinal de contas, não estava tão sozinho assim. A educação vem com a
amizade – e o mercado não compensa um churrasco onde você participa com todos
os amigos feitos nestes cursos, mesmo quando tudo dá a impressão de estar
errado.

Garschagen – O que você diria para um interessado de forma a convencê-lo
a se matricular num dos cursos do “Cultura sem Limites” e não num curso dos
concorrentes?

Martim – Que você não vai ter a sua inteligência insultada. Se acontecer
isso – e me provar como uma pessoa adulta -, devolvo o seu dinheiro na hora.

Garschagen – Você é um leitor empolgado, como eu, do filósofo político
Eric Voegelin. Podemos esperar um curso sobre alguma parte de sua obra?

Martim – Provavelmente, não. Voegelin é um filósofo muito sofisticado
para o público brasileiro. Não estamos preparados para entendê-lo corretamente.
Mas também posso garantir que não teremos cursos sobre Foucault, Marx,
Nietzsche, Marques de Sade e tutti quanti. O que posso garantir é que, se o
projeto der certo, um dos meus sonhos é promover cursos sobre Raymond Chandler,
sobre Henry Miller e sobre Walter Hugo Khouri.

* Enviado por José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside
atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das
idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do
momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É
Diretor da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

http://www.nivaldocordeiro.net/

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Entrevista com Martim Vasques da Cunha. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/entrevista-com-martim-vasques-da-cunha/ Acesso em: 25 abr. 2024