Sociedade

A catástrofe no Japão


16/03/2011

Quando
vi as primeiras imagens do terremoto e, depois, do monumental tsunami que o
seguiu, eu parei diante da TV e rezei. Em meu imaginário mais apocalíptico eu
sempre considerei que o fim do mundo, se um dia vier, será daquela forma. Na
verdade, as cenas exibidas já estavam nos filmes do chamado gênero de
cinema-catástrofe e nos de ficção científica futurista. Não dá para não se
compadecer com o sofrimento da população japonesa, em geral, e especialmente
naquela que reside próximo ao epicentro dos eventos.

Vimos
que depois da fúria dos elementos tudo se acalmou. O mar voltou ao seu vai e
vem normal. A terra ficou firme. Essa é a característica dos males naturais: a
natureza se corrige a si própria e, passada a tempestade, sabemos que sempre
virá a bonança. Mas os males causados pela mão humana são de outro feitio.
Estamos vendo agora os horrores das avarias nas usinas nucleares. O homem
resolveu brincar de Deus fabricando o fogo das estrelas. E, como no mito,
soltou os demônios e não consegue mais fazê-los voltar à caixa que os continha.
O mal em largas proporções que as avarias das usinas pode fazer ainda não tem
como ser dimensionado. A figura emblemática do Imperador japonês vindo à TV
falar sobre o assunto mostra que a gravidade não é pequena.

Em
maio próximo vou oferecer um curso que terá como foco a obra de Goethe,Fausto.
Este livro sempre me seduziu e me puxou para dentro de si. A questão do mal tem
sido premente em tudo aquilo que tenho lido. Nos últimos tempos resolvi
aprofundar meu estudo sobre o Fausto e sobre o seu autor. Fui compelido a fazer
isso, eu que poderia estar fazendo qualquer outra coisa. Mas o Fausto me
seduziu e em tão má hora estou concluindo minhas pesquisas para o curso. Goethe
conseguiu, a um só tempo, fazer a crônica da modernidade e prever a tragédia
que viria por obra desse novo homem, que nasceu do abandono da fé cristã ou,
mais precisamente, do novo homem que passou a cultivar o Negador. Goethe
registrou esse momento da alma coletiva do Ocidente.

Quando
Mefistófeles alcunhou de forma irônica o seu pupilo de Dom Microcosmo é que
vemos um instante da genialidade de Goethe. O símbolo está em toda parte, tendo
tomado o lugar antes reservado à cruz. Na expressão poética está contida toda a
arrogância do homem moderno, que resolveu “aperfeiçoar” a natureza, a natural
assim como a social. Só podia dar nas tragédias do século XX; só podia dar na
tragédia atual de Fukushima. O Japão está sendo, pela segunda vez, a vítima
principal do fogo nuclear, fruto do ativismo da suprema arrogância do homem
moderno.

A
tragédia vai se prolongar. O Japão empobreceu instantaneamente e ainda não é
possível medir o tamanho do empobrecimento. Toda a população japonesa sofrerá
com esse empobrecimento repentino. Se for preciso remover centenas de milhares
de pessoas de suas casas será uma tragédia imensa, desconhecida em tempos de
paz. Fácil mover pessoas, mas a infra-estrutura deixada para trás não é
reprodutível facilmente.Onde irá toda essa gente? Onde morar? Água? Esgoto?
Empregos? Escolas? Deixar tudo para trás é um sacrifício sem limite. Sem contar
as seqüelas psicológicas inevitáveis em um momento de exílio involuntário,
talvez para nunca mais.

Em
boa hora os países nuclearizados estão revendo sua política nuclear e revisando
suas normas de segurança. Espero que nosso governo faça o mesmo. É hora de ter
prudência e meditar sobre os limites da ação humana. Que o sacrifício japonês
não seja em vão!

*
José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São
Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas.
É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos
diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação
Nacional de Livrarias.

http://www.nivaldocordeiro.net/

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. A catástrofe no Japão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-catastrofe-no-japao/ Acesso em: 16 abr. 2024