Sociedade

O Bafômetro agride o Direito?

Não me sinto
constrangido por eventual submissão de alguém de minha família ao teste do
bafômetro, desde que realizado respeitosamente. Em mim nunca seria feito esse
teste porque não dirijo. De longa data cassei minha carteira de motorista
porque me distraía na direção.

Também não me
sinto constrangido ao passar por máquinas que detectam metais, nos aeroportos,
bancos etc.

Se o critério
é o da prudência parece-me que, no Brasil, o bafômetro é bem mais importante do
que o detector de metais nos aeroportos. Da embriaguez no volante resultam
milhares de mortes. Já quanto à possibilidade de atos de terrorismo no espaço
aéreo brasileiro, creio que a possibilidade é remota. O Brasil não suscita
ódios virulentos, motivo pelo qual não somos alvos preferenciais de atos
insanos, sempre injustificáveis, mesmo quando dirigidos contra países que
pretendem a hegemonia no mundo, porque os atos de terrorismo sacrificam pessoas
inocentes.

O argumento
jurídico contra a obrigatoriedade do teste do bafômetro é o de que “ninguém é
obrigado a fazer prova contra si mesmo”. O argumento procede. A imposição do
teste fere a Constituição. Já há decisões da Justiça neste sentido. Entretanto,
se o teste de bafômetro não pode ser compulsório, a recusa de submissão ao
mesmo deve ser lavrada, em termo próprio, e poderá ser ponderada, em desfavor
do motorista, junto a outros elementos de prova, se tiver ocorrido acidente do
qual resulte morte ou lesões corporais, ou dano material em prejuízo de
terceiros.

Se alguém que
não ingeriu bebida alcoólica vê-se envolvido num acidente, sua melhor conduta
será aceitar o teste de bafômetro, pois a verificação negativa da presença de
álcool no organismo será elemento importante em seu benefício.

A chamada
“lei seca”, a meu ver, se aplicada com sabedoria, merece aplausos, pois tem
reduzido o número de acidentes, conforme constatado. Mas, como em tudo, a
virtude está no meio (in medio virtus).

A lei seca
não pode ser utilizada para justificar o arbítrio ou o desrespeito ao cidadão.

O êxito da
medida depende do equilíbrio dos aplicadores da lei.

Seria
razoável lavrar auto de presença de álcool no sangue contra o sacerdote que
acabou de rezar Missa e ingeriu, segundo o rito, o vinho que é utilizado na
celebração?

Seria
aceitável adotar procedimento incriminatório contra o trabalhador cujo ofício é
provar vinhos, na indústria em que exerce o seu mister, porque resíduos de
álcool foram encontrados no seu organismo?

Seria
compreensível punir o noivo que acabou de contrair núpcias e que, na viagem de
Lua de Mel, é surpreendido na estrada, quando então se constata que ingeriu
vinho, no brinde que se levanta como voto de amor eterno, segundo a tradição
milenar?

Os que zelam
pelo trânsito não devem ser prepotentes, como não deve ser prepotente quem quer
que tenha, nesta ou naquela função, alguma parcela de autoridade. As leis de
trânsito existem em benefício do povo, em defesa da vida e da integridade das
pessoas. Todos devemos colaborar para que se reduzam no Brasil os acidentes,
causa trágica de luto e sofrimento.

Uma política
de segurança no trânsito não se limita à utilização do bafômetro, como forma de
coibir a embriaguês. Todo um trabalho educativo há de ser realizado para
inspirar na coletividade, principalmente nos jovens, atitudes de respeito ao
próximo, responsabilidade, moderação, convívio fraterno.

João Baptista
Herkenhoff, 74 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila
Velha (ES). Autor do livro Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória. (GZ
Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. O Bafômetro agride o Direito?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-bafometro-agride-o-direito/ Acesso em: 29 mar. 2024