Sociedade

Goethe, por Ortega y Gasset

Goethe, por Ortega y Gasset

21/02/2011

Um dos textos mais saborosos escritos por Ortega e Gasset é aquele que
escreveu em 1932, por ocasião do centenário da morte de Goethe (Goethe Desde
Dentro). Quão belo e quão equívoco! O filósofo espanhol sustenta sua
argumentação sobre a vida e a obra do poeta alemão em uma curta frase: “El
destino es precisamente o que no seelige”. E o que é o destino para uma vida
que se realizou, se completou? O conjunto de encontros e desencontros que é a
somatório dos fatos da vida inteira. Nada acontece ao acaso. Para lembrar do
dito inspirado de um suposto descendente de Goethe, Carl Jung, “As coisas são
para mim o que são porque eu sou o que sou”. Uma verdade integral contida na
sentença.

Ortega insistirá que Goethe fugiu à sua própria vocação porque aceitou
integrar a Corte de Weimar e isso o teria desviado daquilo a que foi chamado no
essencial de sua vida, ser escritor. Nas palavras do filósofo: “Huye de su vida
de escritor para caer em esatriste historia de Weimar – Weimar es el mayor
malentendu (no original) de lahistoria literária alemana, quién sabe si lo que
há impedido que sea La alemana laprimera literatura del mundo”. O próprio
Ortega reconheceu no texto que Goethe, antes do trinta anos, já tinha criado
todas as suas grandes obras, ainda que só posteriormente as tenha concluído. O
fato cristalino é que Goethe não fugiu à sua vocação: ele a encontrou e a
realizou.

O ponto de Ortega é que ele viu o homem Goethe apenas como escritor.
Isso seria empobrecê-lo, reduzi-lo a uma única dimensão. Mas Goehte era ao
menos dual na sua vocação: uma, que se realizava no exterior – na ciência, na
ação de Estado – e outra que se realizava no interior – que tinha sonhos
memoráveis, que enxergava além do comum, que traçou uma linha direta com a
teleologia da criação, fato que alimentava sua vertiginosa imaginação de poeta.
Por isso seu panteísmo agudo, sua misturaentrelaçadora do espírito com a
matéria. Não creio que os personagens de Goethe são meras criações literárias
e, quando digo isso, estou de olho fixo no Fausto. Há ali representações da
Eternidade sob os nomes eternamente conhecidos. Mas Ortega recusava essa vida
além da vida, essa perenidade das coisas do espírito, essa realidade
transcendente além do mísero concreto apreendido pelo mental. Isso é que
empobreceu a própria obra do filósofo espanhol, e não a do alemão. Estranha
conclusão a ser retirada do seu texto: uma confissão dos seus próprios
fracassos existenciais.

Goethe nasceu sob o signo do poder, seja do poder terreno dado pelo
Estado e pela ciência, seja do poder espiritual naquilo que ele tem de mais
negativo e – mundano! Tudo em Goethe formava uma unidade. O atalho de fuga que
Ortega viu no convite para o Corte de Weimar foi na verdade um encontro com o
próprio destino, o caminho mais curto para encontrar-se a si mesmo. Goethe
precisava provar do sabor agridoce de torna-se magistrado e exercer o poder. O
magma vulcânico cristalizado nos seus versos não teria o convencimento que
entrega ao leitor atento e preparado para a leitura sem que ele tivesse aceito
o convite, sem que ele abraçasse o seu próprio destino.Weimar foi essencial à
personalidade de Goethe e é parte da realização do seu próprio destino. Ortega
y Gasset não tinha como entender isso, pois foi ele, e não Goethe, aquele que
frustrou a própria vocação ao se esquecer do catolicismo de Dom Quixote e se
entregar ao agnosticismo estéril que encontrou em Marburgo.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente
em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento,
escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

http://www.nivaldocordeiro.net/

Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. Goethe, por Ortega y Gasset. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/goethe-por-ortega-y-gasset/ Acesso em: 29 mar. 2024