A faculdade legal da adoção por uma só pessoa, independentemente de estado civil, é que permitiu aos parceiros homossexuais constituírem família com filhos. Era uma solução faz de conta. O par decidia pela constituição da família, mas só um se habilitava, não revelando sua orientação sexual. Também ninguém perguntava. Ou seja, a avaliação era mal feita, pois feita pela metade.
A adoção era deferida a um dos parceiros, mas o filho acabava tendo dois pais ou duas mães. Tal subterfúgio contornava a proibição legal que, de forma categórica, restringia a adoção por duas pessoas aos casados ou a quem convivesse em união estável.
Apesar de conviver com o par, ter dois pais ou duas mães, o filho restava completamente desprotegido com relação a quem não o havia adotado formalmente. Essa hipócrita postura protetiva resultava em total inversão de propósitos, pois acabava por deixar o filho em situação de vulnerabilidade. Apesar de ter dois genitores, só tinha direitos com relação a um deles, o adotante. Seu parceiro, que também assumia os encargos parentais, restava desobrigado de todo e qualquer encargo com relação ao filho. Assim, vindo ele a falecer, o filho nada recebia. E o pior: falecendo o adotante, a criança, na condição de órfã, corria o risco de ser institucionalizada para ser adotada por outrem.
Agora, em face dos modernos métodos de reprodução assistida, novamente voltou a questão da identificação do vínculo de filiação.
Quando a ciência aprendeu a fazer a fertilização de um óvulo em laboratório e conseguiu implantá-lo no ventre feminino, ocasionou a maior revolução que o mundo teve a oportunidade de presenciar no campo da genética. A concepção não mais decorre, necessariamente, de um contato sexual entre um homem e uma mulher. O sonho de ter filhos está ao alcance de qualquer um. Ninguém precisa ter par, manter relações sexuais, ser fértil para tornar-se pai ou mãe.
Os métodos se sofisticaram, e não é possível negar o uso dos meios reprodutivos em face da orientação sexual de quem quer constituir uma família, ter filhos. Os homossexuais passaram a se socorrer da concepção medicamente assistida.
Quando o projeto parental é do casal necessário que a filiação seja estabelecida com ambos. O filho não é de quem cedeu o óvulo, de quem cedeu o espermatozóide, de quem gestou, mas é de quem quis o filho e orquestrou o seu nascimento. É pai, é mãe quem quis o filho.
Como resiste o legislador em acompanhar essa evolução não há outro jeito senão socorrer-se do Poder Judiciário. Em dezembro de
Os fundamentos para negar o pedido só têm um nome: preconceito.
* Maria Berenice Dias, Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família/IBDFAM. Pós Graduada e Mestre em Processo Civil.