Sociedade

O MST também vai à universidade

 

Edição nº 5 – Ano I

 

Fico extremamente feliz em verificar que, após séculos de cultura intransigente e intolerante, os preconceitos e barreiras sociais vão sendo superados paulatinamente no Brasil. Demorou? Nunca é tarde demais para as grandes superações sociais!

 

Os homossexuais já não são vítimas passivas da homofobia: organizaram-se em quase toda parte e já lançaram seus brados de protesto nas Passeatas Gay, ocorrendo anualmente no Rio e em São Paulo. E com grande recepção do povo em geral composto de milhares de simpatizantes da causa.

 

Os detentos em presídios, que nada mais são do que meras vítimas da repressão da cruel sociedade capitalista –como bem asseverava Michel Foucault – já não ficam com suas famílias desamparadas, pois podem contar com o Auxílio Reclusão, uma quantia de R$ 752, 12, por cada filho, de acordo com a Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS – uma medida socialmente justa, uma vez que a detenção os impede de trabalhar para sustentar suas famílias. E praticante de crimes hediondos também tem família!

 

Os não-brancos (id est: a extensa categoria incluindo negros, mulatos, pardos, índios, cafuzos, mamelucos, caboclos, extremo-orientais, etc.), que antes não tinham acesso à universidade por mero preconceito racial, agora já podem fazer os cursos tão desejados por eles, graças à Affirmative Action ou Ação Afirmativa – conhecida também como sistema de cotas – uma das poucas coisas boas importadas dos Estados Unidos, apesar dos contrários a abusivos transplantes ideológicos.

 

E isto malgrado mesmo os protestos dos reacionários de que tal medida – de alto alcance social, diga-se en passant – estaria ferindo gravemente a meritocracia e até mesmo a Constituição, uma vez que em seu capítulo destinado ao ensino ela diz explicitamente que o ingresso no ensino superior deve ser feito mediante avaliação da competência dos candidatos.

 

Ora, isto não é para ser tomado ao pé da fria letra: obviamente requer competente hermenêutica jurídica, para que seja desvelado o recôndito espírito da lei, malgrado os reacionários pedantes ficarem desperdiçando seu “latinorum” ao dizer, insistente e cansativamente, que in claris cessa interpretatio.

 

No entanto, os membros do MST, que durante muito tempo foram demonizados pelos reacionários de direita e criminalizados como muitos outros movimentos sociais pacíficos e extremamente progressistas, não puderam ser beneficiados pela Ação Afirmativa.

 

Por que? Ora, simplesmente porque não havia e não há como fazer comprovação de que este ou aquele campônio pertence ao referido movimento social, uma vez que o mesmo não constitui pessoa jurídica. E assim sendo, o MST não estando devidamente legalizado enquanto instituição, não pode fornecer carteirinhas válidas de membros da mesma, como fazem todos os sindicatos e uniões sindicais como a CUT-PT, aliás, uma união sindical-partidária recentemente legalizada.

 

Mas se os membros do MST não foram beneficiados pelo sistema de cotas, não podendo ser alunos regulares desta ou daquela universidade, isto não significa dizer que estejam excluídos da vida universitária, pois podem fazer cursos extracurriculares e sem dispender um centavo sequer, desde que o façam numa universidade pública. Educação é um direito de todos e o Brasil é um país de todos!

 

Somente espíritos preconceituosos e empedernidos reacionários acham que os sem terra são uma malta de descamisados analfabetos e revoltosos, dirigidos como bonequinhos acéfalos pelos sem-vergonhas, sempre dispostos a perturbar a ordem no campo. Acham que os mesmos deviam antes fazer o primeiro e o segundo grau, para depois cursarem um curso de extensão no terceiro.

 

Essa é uma imagem altamente deformada do perfil dos sem terra, pois a maioria de seus milhares de militantes pode ser de fato composta de analfabetos aos quais não foi dada a oportunidade de estudar, mas seus líderes são advogados, professores do segundo grau e economistas, como é o caso de seu líder supremo João Pedro Stédile, que já deitou falação até na ESG (Escola Superior de Guerra).

 

 E são justamente estes os alunos do curso de extensão oferecido pela Escola de Serviço Social da UFRJ. E nada mais justo e necessário que eles aprendam teorias sociais e produção de conhecimento, uma vez que só conhecem práticas sociais e produção agrária das grandes fazendas de onde estão excluídos.

 

E eis que abro o jornal da ADUFRJ (Associação dos Docentes da UFRJ) de 2/3/2010 – este Clarim do Iluminismo! – e deparo-me com alvissareira manchete:

A UNIVERSIDADE RECEBE TERCEIRA EDIÇÃO DE CURSO DE EXTENSÃO PARA MILITANTES DO MST

 

“A Escola de Serviço Social recebeu no mês de janeiro a terceira etapa do curso de extensão Teorias Sociais e Produção do Conhecimento, dirigido a militantes do movimento social. (…) Para o estudante e militante do MST, Pedro Sales, a participação num curso como este, de teoria social, é muito importante para os que lidam com as questões concretas no dia-a-dia das lutas no campo”.

 

Indubitavelmente! Não basta invadir terras e depredar patrimônio de latifundiários reacionários de latifúndios produtivos, é preciso ter consciência teórica do significado das lutas de classes dentro do materialismo histórico. É preciso conhecer as teorias sociais de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Trotsky, Mao Tsê Tung, Pol-Pot, Che, Guevara, Fidel Castro, Hugo Chávez, Luís Carlos Prestes, José Dirceu, Marco Aurélio Garcia, etc., para que o referido movimento social tenha um embasamento teórico.

 

Como já dizia sábia e oportunamente Lenin: “Não há práxis revolucionária sem teoria revolucionária”.

 

E é neste sentido que a Escola de Serviço Social da UFRJ tem dado sua inestimável contribuição para a divulgação de idéias comunistas entre os trabalhadores do campo, preparando-os desde já para a vindoura revolução. Desse modo, o mesmo Pedro Sales completa seu pensamento dizendo: (…) “a partir dos estudos, já conseguimos relacionar as teorias com a nossa prática. É uma experiência riquíssima”.

 

Indubitavelmente, uma riquíssima experiência. Não só para o corpo discente como também para o docente, pois estes têm muito que aprender com os militantes do MST, principalmente sobre a aplicação prática das estratégias de guerrilha do general Gi-Ap do Viet-Kong há muito postas em prática pelas FARCs na Colômbia e adjacências, não obstante ferrenho combate liderado por aquele já denunciado por Chávez como agente secreto da CIA: Alvaro Uribe .

 

Mas diz ainda o Jornal da ADUFRJ: “A Escola Nacional Florestan Fernandes (SP) também possui vários cursos dirigidos aos movimentos sociais, mas esse curso especificamente é uma parceria do MST com a UFRJ”. Ao que é preciso acrescentar: ambos pagos com o dinheiro do contribuinte, pois se trata de uma universidade federal recebendo dinheiro diretamente e de uma não-pessoa jurídica recebendo indiretamente do governo federal, através de determinadas ONGs.

 

As duas pinturas toscas que ilustram o supramencionado artigo – provavelmente pintadas por algum militante do MST com dotes artísticos – mostram admiravelmente bem o sentido profundo e a finalidade precípua dos militantes e de seus adestradores teóricos.

 

Quem são elas? Ora, Olga Benário, oficial do Exército Vermelho da URSS, enviada ao Brasil para fazer um atentado a Getúlio Vargas e para ser guarda-costas do Cavaleiro da Desesperança, Luís Carlos Prestes, a outra figura emblemática. De onde se infere que qualquer semelhança do MST com uma facção subversiva preparando a Revolução Comunista não passa de mera coincidência.

 

 

* Mário Antônio de Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. O MST também vai à universidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-mst-tambem-vai-a-universidade/ Acesso em: 26 abr. 2024