Sociedade

O Jornalismo sem Censura

O Jornalismo sem Censura

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Os constantes ataques de governantes, no Congresso e no Poder Executivo, ao papel da imprensa têm demonstrado o quanto incomoda o exercício de uma atividade essencial para que a sociedade esteja informada sobre o que está ocorrendo nos bastidores do poder, no Brasil e no mundo.

 

O papel investigatório da imprensa é fundamental. Erram os jornalistas, muitas vezes, mas a própria existência de leis e a jurisprudência que permitem a sua responsabilização por erros, desfigurações ou prejuízos causados a terceiros tornam-nos, na esmagadora maioria dos casos, conscientes e sérios em suas investigações.

 

O que a OAB representou — e representa, em face da qualidade de seu Conselho Federal e de seu presidente Busato — no passado, em relação ao regime de exceção do período militar, os jornalistas representam hoje, visto que estavam nos anos mais severos da repressão, sem poder se manifestar.

 

São os pulmões da sociedade e graças aos parlamentares não contaminados pela “leniência ética”, a mídia desventrou para a nação os escândalos dos bastidores do poder e a utilização de dinheiros públicos e privados para benefícios pessoais de partidários do governo, adeptos, membros do Legislativo e do Executivo, que culminaram com a corajosa e jurídica denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.

 

Não obstante a técnica da defesa governamental seja “desqualificar a mídia e os opositores”, assim como negar que “a evidência exista”, o certo é que os fatos revelados são tão nítidos e lamentáveis que a negativa termina por “desqualificar”, apenas, quem imagina estar “desqualificando” o adversário.

 

Os ataques à imprensa, todavia, para alguns dos parlamentares, levam à demonstração de que, aparentemente, os anticorpos da democracia brasileira são fortes. No início deste governo, pretendiam, seus detentores, impor a aprovação de três projetos manifestamente cerceadores da livre expressão e do direito de vigilância das ações do governo.

 

O primeiro deles foi a criação do CNJ, ou seja, um conselho orientado pelo governo para controlar os jornalistas que, a seu ver, poderiam pôr em risco a estabilidade do Estado. Em outras palavras, por meio do conselho, o governo vigiaria a livre manifestação do pensamento, com critérios subjetivos próprios para definir o que poderia a mídia divulgar ou não. Certamente, tal conselho imporia a censura no país e, se tivesse sido aprovado, ninguém conheceria, hoje, o mensalão ou o caixa 2 utilizados pelos governantes.

 

A liberdade de expressão artística audiovisual também foi objeto de uma tentativa de controle (Ancinav), felizmente repudiada pelos artistas e pela sociedade, assim como foi repudiado o CNJ pelos parlamentares e pelo povo.

 

Por fim, a tentativa de obrigar os advogados a denunciar os clientes que lhes tivessem relevado ilicitudes ou crimes, eliminando o direito de defesa, também, foi frustrada.

 

Os anticorpos da democracia, felizmente, protegeram a sociedade contra a força do poder e, graças ao repúdio público a estas iniciativas — no mínimo ditatoriais —, jornalistas, artistas e advogados continuaram a agir e servir de arautos da sociedade contra o mau uso do dinheiro público.

 

Considero, todavia, que não estamos livres de arroubos antidemocráticos. Todo o continente vive uma redução de direitos dos cidadãos. O genocida líder cubano — matou mais de 10 mil pessoas sem julgamento, nos famosos “paredons”, quando assumiu o poder —; o controverso líder venezuelano, que acabou com a democracia no país; o patético líder boliviano, que volta a teses ultrapassadas do século XIX; o oportunista líder argentino, que impõe derrotas constantes ao governo brasileiro, trabalham para que uma onda de esquerdismo não democrático invada o continente. E, na ideologia da esquerda — em que os fins justificam os meios e se transformam, no tempo, nos próprios fins — a democracia plena e ampla torna-se perigosa e incômoda e deve ser reduzida, quando não excluída, como ocorreu em Cuba.

 

Esta é a razão pela qual estou convencido de que, nada obstante os anticorpos democráticos brasileiros estarem funcionando e termos, hoje, plena liberdade de imprensa, não excluo uma recaída para utilização de meios menos democráticos, à medida em que novos escândalos venham a surgir. Tenho receio, inclusive, que a ênfase no “social”, acima do “respeito à lei” e da “liberdade de expressão”, possa atropelar as balisas da democracia.

 

A sociedade, para defender estes valores maiores, deve continuar, mais do que nunca, alerta.

 

 

* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Jornalismo sem Censura. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-jornalismo-sem-censura/ Acesso em: 29 mar. 2024