Sociedade

O caso do menino Sean: o desfecho

 

 

Brasília , DF, quarta-feira, 30 de dezembro de 2009 _ Foi decidido finalmente o caso do menino Sean. O ministro Gilmar Mendes decidiu que o pai biológico ficará com a guarda de Sean, podendo levá-lo para os Estados Unidos.

 

Por motivos expostos anteriormente, fiquei extremamente decepcionado com a decisão tomada pelo STF e, por isto mesmo, resolvi me informar melhor sobre o caso e sobre as razões que levaram o ministro Gilmar Mendes a tomar tal decisão, ao menos aparentemente, tão fria e desumana:

 

 Uma criança de 9 anos terá que ser afastada de sua família brasileira a que já estava adaptada, para conviver com um pai biológico pouco conhecido por ele em um país desconhecido por ele.

 

Fiquei sabendo que a mãe biológica do menino, em junho de 2004, havia viajado com ele para o Brasil decidida a não mais voltar para os Estados Unidos, tendo comunicado, por telefone, a decisão de se separar de seu marido americano e ficar com a guarda do filho.

 

Tenho que admitir que essa foi uma decisão impensada, pois estando ela nos Estados Unidos e desejando o divórcio e a guarda da criança, o procedimento correto seria entrar, numa Vara de Família da Justiça americana, com um pedido de divórcio e guarda do filho.

 

De acordo com o direito brasileiro, é exigida uma permissão legal para fazer uma simples viagem interestadual e com a concordância de ambos os pais ou responsáveis e, a fortiori, viajar para um país estrangeiro. Essa é uma medida correta, que visa coibir transtornos, entre eles o maior deles: seqüestro de menores.

 

Mas, nesse caso, o pai nem sequer foi consultado, uma vez que só ficou sabendo da viagem para o Brasil, por telefone, quando esta já era um fato consumado e praticado à revelia da lei. Não sei se, de acordo com o direito americano, a decisão da mãe caracteriza seqüestro (kidnapping), mas foi sem dúvida uma arbitrariedade do ponto de vista jurídico, tanto aos olhos da Justiça americana como da brasileira.

 

Ao que tudo indica, decisão do ministro Gilmar Mendes baseou-se na Convenção de Haia de 1980, da qual ambos os países em jogo são signatários. De acordo com a referida Convenção, tal viagem para o estrangeiro com um filho, feita por decisão unilateral de um dos cônjuges, não contando com uma concordância por escrito de ambos, caracteriza seqüestro internacional.

 

Desde 2004, o pai biológico de Sean tinha entrado na Justiça brasileira com um pedido de guarda de seu filho, mas o advogado da família brasileira conseguiu arrastar o caso, tirando proveito da excessiva quantidade de recursos de nosso Direito Processual. Ele conseguiu até mesmo uma liminar do STF que concedia a guarda da criança.

 

Porém essa liminar foi cassada pelo ministro Gilmar Mendes, em 30/12/2009, determinando que Sean fosse devolvido ao seu pai biológico. Não há o que criticar nessa decisão com pleno respaldo da lei.

 

Não obstante, continuo pensando que o menino Sean, que já conta com 9 anos, será prejudicado em seu desenvolvimento humano por ter sido desenraizado de uma família e tendo que conviver com outra desconhecida por ele.

 

Porém, a causa última de seu grande transtorno não deve ser atribuída à decisão do ministro Gilmar Mendes, pois esta mesma foi mera decorrência de um ato ilegal praticado pela leviandade e negligência da mãe da criança, que não avaliou devidamente as previsíveis conseqüências decorrentes do mesmo ato.

 

A idéia de que Sean é o grande prejudicado nessa história foi aventada também por Veja, ano 42, n.o 52, 30/12/2009: “Se há um perdedor nessa história, é o próprio Sean, desde os 4 anos ele foi exposto ao escrutínio direto ou indireto de assistentes sociais, juízes, advogados e a toda a tensão provocada pela situação”.

 

De fato, o referido caso foi amplamente divulgado e comentado pela mídia americana, transformando uma criança inocente e vítima das circunstâncias numa celebridade internacional.

 

Jornais americanos despejaram ásperas críticas ao Poder Judiciário brasileiro por sua insistência em defender a guarda brasileira do menino em franca discordância com a Convenção de Haia de que é signatário.

 

O caso alcançou tamanha repercussão nos Estados Unidos que até mesmo a Ministra das Relações Exteriores do governo Obama, Hilary Clinton – famosa advogada antes mesmo de casar com Bill Clinton e enveredar posteriormente na carreira política – manifestou seu grande desagrado para com a Justiça brasileira, e não podemos deixar de conceder toda a razão a ela.

 

Após a decisão do Presidente do STF, não havia mais nenhuma razão para semelhante erro jurídico que, se foi cometido na primeira instância e até mesmo por uma liminar do STF, foi devidamente corrigido pela cassação feita pelo Presidente do STF.

 

Após o caso ter sido encerrado, os jornais brasileiros mostraram a fotografia de Sean num avião de volta para os Estados Unidos num vôo fretado por uma grande rede de notícias americana. Ao que parece o pai biológico de Sean concedeu exclusividade da história do menino à referida rede, mediante pagamento por “direitos autorais”. Não causará a menor espécie se, dentro em breve nos cinemas, aparecer um filme intitulado: “Sean: Um Menino Entre Dois Países”.

 

Mas enquanto a pendenga judicial ainda estava em curso, o Senado Americano estava para votar uma lei concedendo isenções tarifárias a produtos brasileiros e só faltava o voto de um senador do Estado de New Jersey, por mera coincidência o Estado onde mora o pai de Sean. E também por não menor coincidência o referido senador deu seu voto favorável ao Brasil, logo após saber da decisão do STF.

 

Cabe aplicar aqui o antigo moto filosófico: Post hoc non propter hoc, ou seja: “Após isto, mas não por causa disto”. Sabedora dessa mera coincidência, a avó materna de Sean deu uma declaração à mídia dizendo que seu neto tinha sido objeto de uma negociação internacional. É bastante compreensível, mas não justificável.

 

Sabedor ou não da mencionada votação no Senado americano, Gilmar Mendes tomou uma decisão corretíssima à luz da Convenção de Haia de 1980 e poderia muito bem dizer: Honni soit qui mal y pense * (Maldito seja aquele que vir aí algum mal) ou então citar o velho provérbio brasileiro: “Nem Cristo conseguiu agradar a todos”.

 

* Honni soit qui mal y pense _ Francês normando: “Maldito seja aquele que vir aí algum mal”. Lema da Ordem da Jarreteira (The Order of The Garter).

 

Dizem que isso teria sido dito por Eduardo III, quando ainda não era Rei da Inglaterra e foi colocar uma liga, que tinha se soltado, na perna de uma condessa que estava dançando com ele. Uma paráfrase dessa imprecação ainda costuma ser muito útil em determinadas situações da vida: “Se vês alguma maldade nisto, a maldade está em ti”. Em inglês: Evil to him who evil thinks.

 

Há pessoas que vêem maldade em tudo, mas em compensação também há as que não vêem em nada.

 

 

* Mário Antônio de Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. O caso do menino Sean: o desfecho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/o-caso-do-menino-sean-o-desfecho/ Acesso em: 19 abr. 2024