Sociedade

Somos um só na Vida privada e na Profissão

O trabalho dos
operadores do Direito se submete a determinados padrões éticos estabelecidos
pela legislação específica a cada especialidade. Apesar de alguns itens
peculiares a cada área, há evidentemente algumas regras comuns, aplicáveis a
todos os operadores do Direito.

Essas regras são, na
verdade, a consagração do mínimo, uma vez que não fazem exigências além do
aceitável para que não ocorram aberrações tão escandalosas.

Todavia, muito erros
éticos ocorrem no dia-a-dia do foro, os quais não chegam a arranhar as
previsões coercitivas da legislação, justamente porque, como dito, são meras
previsões do mínimo…

A vida privada de
cada um está para as suas atividades profissionais como o rio está para o seu
leito. Ou seja, são coisas indissociáveis. O rio não existe sem seu leito. Não
conseguimos separar integralmente nossa vida profissional da particular.

Muita gente diz (ou
pensa) o seguinte: posso ser alcoólatra, toxicômano, sexólatra, desonesto etc.,
na minha vida privada, mas sou um excelente operador do Direito, onde ajo de
maneira formalmente correta.

Tenho para mim que
isso não é possível.

Lembro-me de ter lido
na adolescência a edição brasileira do livro Minha Sombra Foge Rápido, de Duff
Cooper, onde ele descreve, em certo ponto, a atuação de um diretor da
Penitenciária de St. Quentin, nos Estados Unidos. Tal diretor era tão amado
pelos presidiários que, na hora das refeições coletivas, ele lhes fazia
companhia, todos ficavam de pé à sua chegada e não se sentavam enquanto ele não
se sentasse. Tratava-se de uma manifestação espontânea de criminosos
perigosíssimos, que ele procurava recuperar para a vida social. Aquele homem
não se fazia acompanhar de seguranças para estar no meio dos presos e
conversava paternalmente com eles sobre o interesse que deveriam ter na sua
própria integração no mundo do trabalho, vida familiar, vida social etc.

Mesmo sem nós,
operadores do Direito, chegarmos a tal nível de boa-intenção e boa-vontade,
perguntemos: – Qual o percentual dos que oficiam com nobres ideais e quantos
são aqueles que visam o dinheiro acima de tudo?

Pode alguém dizer que
não importa o que somos interiormente mas sim o que fazemos no nosso dia-a-dia
profissional e que o trabalho de todos é absolutamente igual, não importando o
aspecto ético de quem realize aquele trabalho.

Isso não corresponde
a verdade, no nosso caso, em várias situações.

Imaginemos um
advogado ao ajuizar uma ação. Dependendo da sua índole, pode relatar os fatos
de acordo com a verdade que apurou ou optar pela mentira. Pode requerer o que
seja justo ou exacerbar o pedido, de forma maldosa ou desonesta.

O mesmo se diga
quando contesta uma ação em nome do cliente.

Coloquemos em análise
a conduta do promotor de justiça igualmente, que pode estar apenas pretendendo
a paz social ou estar exercitando a crueldade.

O mesmo se diga do
julgador.

A forma como ouvimos
as partes e seus representantes, como colhemos os depoimentos das testemunhas,
como analisamos as provas e interpretamos do Direito – tudo isso retrata o
nosso íntimo, seja tratando os problemas das pessoas com humanidade e atenção
ou desprezo e malícia.

O que se passa no
nosso íntimo durante esse espaço de tempo é apanágio de cada um de nós. Na
verdade, não há nenhum operador do Direito igual a outro.

Imaginemos se aquele
diretor de penitenciária fosse advogado, promotor de justiça, juiz etc. Que
milagres não conseguiria no interrogatório de um acusado, no depoimento pessoal
de uma parte, ouvindo uma testemunha, peticionando, emitindo um parecer ou
julgando! Seu trabalho seria certamente muito diferente do nosso em muitos
aspectos. Os resultados que conseguiria em favor da paz social seriam
possivelmente muito mais expressivos.

Falta ainda qualidade
intrínseca na maioria de nós. Nossa técnica muitas vezes é irretocável, mas
estamos distantes ainda da sensibilidade necessária para tratar de muitos
problemas jurídicos, principalmente aqueles que mais abalam o ser humano.

Por isso, tenho
sugerido o aperfeiçoamento dos exames psicotécnicos nas áreas em que é exigido.
E completo dizendo que deveria ser incluído nas outras onde não é previsto,
como sejam os exames da OAB, concursos para servidores da Justiça etc.

Nosso psiquismo atua
constante e ininterruptamente. Espalhamos paz e serenidade ou desespero e
revolta em cada atitude da nossa vida de operadores do Direito.

*
Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Somos um só na Vida privada e na Profissão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/somos-um-so-na-vida-privada-e-na-profissao/ Acesso em: 28 mar. 2024