Processo Civil

Instrumentos processuais possíveis para reformar decisão denegatória incial do relator

 

 

Introdução

 

Considerando que a alteração inserida no parágrafo único do artigo 527 do Código de Processo Civil pela Lei n° 11.187, de 19 de outubro de 2005 – segundo a qual a decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido “somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar” – tenha tornado irrecorrível, ao menos inicialmente, a decisão do relator, nas hipóteses dos incisos II e III do referido dispositivo; considerando que a nova redação, efetivamente, impossibilita a interposição do Agravo Interno ou Inominado (também chamado “agravinho”) e do Agravo Regimental nos casos em que o Relator negar seguimento ou converter em retido, liminarmente, o Agravo de Instrumento, conforme previsto no artigo 557, do CPC; e em havendo necessidade de provimento judicial urgente em sede recursal, quais instrumentos processuais podem ser utilizados para obter a reforma da decisão denegatória inicial do relator?

 

É o que o presente trabalho buscará responder.

 

 

Justificativa

 

Como toda nossa cultura recursal, o recurso de agravo, é um legado de nossos colonizadores portugueses. Segundo José Carlos Barbosa Moreira, esse tipo de recurso apareceu inicialmente nas Ordenações Afonsinas sob a denominação de agravo de instrumento, tendo sido mantido nas Ordenações Manuelinas e repetido nas Filipinas.

 

Findo no Brasil o império e proclamada República, os Códigos Estaduais mantiveram o agravo, sob as nomenclaturas de instrumento e de petição. Este último era destinado a impugnar a decisão que decretava a extinção do processo, sem apreciação do mérito.

 

Simplificando o regime recursal vigorante desde 1939, em 1973 foi instituído o Código de Processo Civil vigente, no qual foi extinto o agravo de petição, e criado o agravo na forma retida.

 

O agravo de instrumento, previsto no art. 522 e seguintes deste último diploma legal, vem sendo, desde então, o recurso hábil para investir contra as decisões interlocutórias proferidas no processo.

 

Desde 1973, entretanto, o sistema recursal pátrio tem sido submetido a diversas reformas, no intuito de dar maior efetividade ao processo, diminuindo a sobrecarga dos tribunais e desobstruindo as vias de julgamento.

 

Em sua versão original, o referido artigo 522 foi assim redigido:

 

“ Art. 522. Ressalvado o disposto nos arts. 504 e 513, de todas as decisões proferidas no processo caberá agravo de instrumento.

§ 1º. Na petição, o agravante poderá requerer que o agravo fique retido nos

autos, a fim de que dele conheça o tribunal, preliminarmente, por ocasião do julgamento da

apelação.

§ 2º. Requerendo o agravante a imediata subida do recurso, será este

processado na conformidade dos artigos seguintes.

 

Mas ainda no mesmo ano, uma nova redação foi dada ao artigo 522, pela Lei n°5.925, de 1°/10/1973:

 

“ Art. 522. Ressalvado o disposto nos arts. 504 e 513, das decisões proferidas no processo caberá agravo de instrumento.

§ 1º. Na petição, o agravante poderá requerer que o agravo fique retido nos autos, a fim de que dele conheça o tribunal, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação; reputar-se-á renunciado o agravo se a parte não pedir expressamente, nas razões ou contra razões da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.

§ 2º. Requerendo o agravante a imediata subida do recurso, será este

processado na conformidade dos artigos seguintes. “

 

Sob essa prescrição, até o ano de 1995, o agravo de instrumento era todo processado em Primeiro Grau de Jurisdição e, somente depois, remetido para o Segundo Grau de Jurisdição. Com tal processamento, continha-se o desenfreio da recorribilidade.

Em 1995, a Lei n° 9.139, de 30.11.1995, dá renovada redação ao art. 522:

 

“ Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez)

dias, retido nos autos ou por instrumento.

 

Tal redação dava, à parte que se sentiu prejudicada, livre manejo das duas modalidades de agravo, pois, salvo poucas exceções, a opção pelo regime recursal ficava ao arbítrio do agravante. O agravo retido, previsto no art. 523 do CPC, geralmente era utilizado nas poucas hipóteses em que a utilização do agravo de instrumento era por lei vedada. Assim, dele se lançava mão nos casos de menor urgência e com o claro objetivo de obstar a preclusão da matéria decidida no curso do processo e permitir ao agravante renovar a discussão da matéria em sede de apelação. Processava-se em Juízo de Primeiro Grau de Jurisdição, nos próprios autos do processo.

 

Contra as decisões que causassem danos de difícil reparação, utilizava-se com muito maior freqüência o agravo de instrumento, previsto no art. 524, do diploma processual civil. Dirigido diretamente ao órgão superior, este poderia liminarmente:

 

a) julga-lo monocraticamente, não conhecendo, reformando ou mantendo a decisão agravada (art. 557 CPC); ou

 

b) suspender a decisão agravada ou antecipar a tutela recursal (art. 527, III, CPC).

 

Essa nova redação dada ao artigo 522, associada à alteração feita no artigo 558, do mesmo diploma legal, passou a permitir que ao agravo pudesse ser atribuído efeito suspensivo. Isso acabou eliminando a prática, antes utilizada, de se impetrar mandado de segurança com o objetivo de suspensão dos efeitos da decisão agravada.

 

A alteração causada pela Lei n° 9.139/95, somada à generalização da antecipação dos efeitos da tutela, propiciada pela redação dada pela Lei n° 8.952/94 ao artigo 273, do CPC, contribuiu para que um grande número de agravos de instrumentos fossem ajuizados em face do igualmente grande número de decisões interlocutórias proferidas em Primeiro Grau de Jurisdição.

 

A partir de 26.12.2001, passou a viger sobre o assunto nova redação, dada pela Lei n° 10.352. Segundo esta, nos casos em que o julgamento do recurso não fosse urgente nem implicasse em dano grave ao jurisdicionado, passou a ser permitido ao relator do agravo de instrumento converter este em agravo retido (art. 527, II, CPC). Desta decisão, que convertia o agravo de instrumento em retido, cabia o agravo interno ou regimental, dirigido à Câmara que julgaria o agravo de instrumento. Isso, na maioria das vezes, levava os desembargadores a julgar de uma vez o agravo de instrumento.

 

Mais recentemente, em 2005, a Lei n° 11.187, de 19.10.2005, alterou, uma vez mais, as disposições relativas ao recurso de agravo com seguinte redação:

 

“ Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

 

O parágrafo único manteve-se sob a redação dada pela Lei n° 9.139, de 30.11.1995:

 

Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo.

 

Conforme a Exposição de Motivos da Lei n° 11.187/05, a alteração do sistema processual brasileiro objetiva conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, mas sem ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa. Destarte, altera a sistemática de agravos, tornando o agravo retido regra, enquanto se reserva o de instrumento para decisões suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, e outras indicadas na alínea “b”, do § 4º do art. 523 do Código de Processo Civil.

 

Consoante, ainda, a Exposição de Motivos, das decisões dos relatores, ao mandar converter o agravo de instrumento em retido, ou ao deferir ou indeferir o chamado efeito ativo, não mais caberá agravo interno, sem prejuízo da faculdade de o relator reconsiderar sua decisão, evitando, assim, a superposição, a reiteração de recursos, que importa tão-só maior retarde processual, em desserviço do litigante a quem a razão escolta.

 

 

Desenvolvimento

 

Tanto doutrinadores, quanto operadores do direito muito têm criticado as mudanças provindas da Lei n° 11.187/05, no tocante a tornar eficiente a tramitação dos feitos e acelerar a atividade jurisdicional. Porquanto o entendimento é que o agravo retido já era a regra do sistema, reservando-se o de instrumento para as hipóteses de urgência. Assim sendo, a Lei 11.187 não inovou realmente, trouxe apenas em sua caput uma alteração conceitual ao explicitar a regra já contida na redação anterior. Contudo, para o litigante, a reforma da decisão que  contraria seus interesses sempre urgirá, mesmo que, tecnicamente, tal decisão não seja imperfeita ou não haja presente risco de dano.

 

Quanto ao fim do agravo interno ou regimental, reaberta foi antiga discussão sobre a admissibilidade do mandado de segurança contra decisões judiciais como sucedâneo daquele recurso sempre que inexista meio de impugnação previsto nas leis processuais. Asdrúbal Júnior defende que, na prática, a alteração legislativa substituiu o direito de agravo regimental, de limitada amplitude, que não entra em pauta, que não cabe sustentação oral, que é julgado pelo próprio colegiado onde tramita o agravo de instrumento, sendo o mesmo relator do AI, e cujas estatísticas demonstram diminuto resultado de reforma.

 

Por conseguinte, ao extinguir o agravo interno, tornaram cabível o mandado de segurança.

 

Igualmente, tem recebido críticas a nova dicção dada ao parágrafo 3°, do artigo 523, pois determina que das decisões interlocutórias na audiência de instrução e julgamento será cabível o agravo retido – devendo ser ele interposto imediatamente

 

e na forma oral, constando do termo de audiências sucintamente as razões do agravante e, em consonância com o contraditório, as contra-razões do agravado – o que, não há duvidar, alongará em demasia a realização de audiências, principalmente aquelas que contam com várias testemunhas, contraditas, preliminares, etc.

 

Há ressaltar que a nova redação não prevê a forma de resposta do agravado, o que pode ocasionar uma desigualdade entre as partes, caso o agravado tenha prazo de 10 dias, podendo, inclusive, juntar documentos, e ao agravante não seja dada igual oportunidade.

 

Crítica há sobre dever ser interposto o agravo retido – oral e imediatamente – , ao entender-se que essa forma desserve ao exercício do direito de ampla defesa (previsto no art. 5°, LV, da CRFB/88), pois a parte prejudicada, a ser surpreendida com o teor da decisão, pode não estar devidamente preparada para, naquele momento, apresentar recurso, o que, na prática, equivaleria à diminuição abrupta do exercício recursal.

A dicção anterior da lei facultava à parte prejudicada com a decisão interlocutória o  livre manejo das duas modalidades de agravo. Hoje, o relator converterá, obrigatoriamente, o agravo de instrumento em agravo retido.

 

Para os defensores do novo regime, entretanto, o agravo retido impede os efeitos do artigo 473, do CPC, já que a questão decidida, se objeto do agravo retido, poderá ser apreciada pelo Tribunal, dado que não ocorrente a preclusão.

 

Os que abonam as alterações asseguram também que o agravo retido não tolhe o andamento do processo, pois deixa que a questão impugnada seja apreciada ao final, após sentença. Esse tipo de recurso, mesmo merecedor de provimento, tornar-se-á prejudicado se a sentença concluir pela procedência do pedido do agravante, já que carecerá este de interesse para apelar e, conseqüentemente, requerer em preliminar que o tribunal conheça do agravo retido (artigo 523, CPC), o que importa em enorme economia processual. E o agravo retido além de não depender de preparo, conforme o disposto no parágrafo único, art. 522, também não exige todas as formalidades do agravo de instrumento.

 

Por fim, há quem defenda que do sistema processual civil pátrio seja extinto o recurso de agravo, porquanto onde ele inexiste, como na Justiça do Trabalho e no Juizado Especial Cível, a justiça é célere.

 

 

Conclusão

 

Mudança, por si só, jamais será certeza de solução satisfatória; celeridade não se faz acompanhar automaticamente de efetividade; e a simplificação nem sempre é sinônimo de eliminação dos problemas, pois muitas vezes se elimina o que havia de precioso e se reduz tudo a algo de inferior qualidade.

 

Como já o dissemos, ao extinguir o agravo interno, tornaram cabível nas hipóteses de decisões monocráticas do relator sobre a conversão do agravo de instrumento em agravo retido e sobre a concessão do efeito suspensivo e da tutela antecipada recursal – o mandado de segurança. Este, por sua vez, é distribuído para um colegiado muito maior, composto por várias vezes o número de julgadores do colegiado do agravo de instrumento, terá um novo relator, terá a possibilidade de liminar, envolverá o contraditório no litisconsórcio necessário e as informações da autoridade impetrada, entrará em pauta, caberá sustentação oral, e admitirá embargos de declaração, recurso ordinário e recurso de natureza extraordinária.

 

Com tamanha amplitude de ações e efeitos, a alteração legislativa foi extremamente benéfica para a ampla defesa, mas não descongestionará o Judiciário. Pois, enquanto o agravo regimental tem, em geral, lapso de 5 dias, no mandado de segurança são 120 dias para impetrar, além de vários anos para julgá-lo em sua inteireza, se considerarmos as diferentes instâncias pelas quais poderá tramitar.

 

Destarte, as recentes alterações nas leis processuais, não atenderam às necessidades dos jurisdicionados nem reafirmaram as garantias do processo. Pois o que transparece de tais mudanças – tanto das já efetivadas, quanto das que ainda estão em curso -, é uma preocupação de ordem quantitativa, visto que parecem objetivar tão-só diminuir a carga de trabalho dos tribunais, minimizar os conflitos, filtrar as matérias que são levadas aos tribunais superiores, uniformizar entendimentos, distanciar os juízes das partes; diminuir as hipóteses recursais, sem, entretanto, assegurar as devidas garantias processuais; acelerar os procedimentos, sem atentar para as conseqüências que desse aceleramento podem advir; criar obstáculos ao acesso à justiça; enfim, as reformas limitam-se à necessidade de, preterindo as garantias das partes, desafogar-se o judiciário apenas com a diminuição do número de demandas.

 

Mas, se a efetividade da justiça só é alcançada através do processo, este deve ser justo, ou seja, deve, em todas as suas fases, assegurar garantias que permitam o alcance daquela efetividade da justiça. Um processo por demais célere, mas que postergue, menoscabe as garantias e a segurança, que dificulte a necessária ponderação, levando à produção de um direito de menor qualidade, é nocivo para a ciência jurídica.

 

Se justiça morosa, tardia não é justiça, pois urge que a tutela jurisdicional seja justa e tempestiva, imprimir celeridade, pura e simplesmente, não torna menos injusta a decisão nem confere efetividade à tutela jurisdicional.

 

 

Referências bibliográficas

 

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Disponível em:

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SANTOS, Valnice Silva dos. O Recurso de Agravo e a Lei nº11.187/05. Disponível em: <http://www.mp.mt.gov.br/cma/secure/arquivos/arq253.pdf>. Acesso em 01 jan. 2008.

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* Lucília Lopes Silva – Formação acadêmica: Graduada em Direito pela Faculdade Cândido Mendes. Pós-graduada Lato Sensu em Direito Civil, pela ESA/OAB-RJ. Cursos de especialização na FGV Online: Direitos do Consumidor, Direitos Humanos, Direito Societário, Direito Processual Civil – Fundamentos e Teoria Geral e Atualização em Direito Processual Civil. Dados profissionais: Consultora jurídica e parecerista

Como citar e referenciar este artigo:
, Lucília Lopes Silva. Instrumentos processuais possíveis para reformar decisão denegatória incial do relator. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/instrumentos-processuais-possiveis-para-reformar-decisao-denegatoria-incial-do-relator/ Acesso em: 29 mar. 2024