Processo Civil

A Tutela de Evidência e seus efeitos na celeridade do Processo Civil Brasileiro

A Tutela de Evidência e seus efeitos na celeridade do Processo Civil Brasileiro

 

 

Ravênia Márcia de Oliveira Leite*

 

 

Conforme delineia Antônio de Souza Clemente “a tutela de evidência se apresenta no texto maior da Constituição cidadã, de 1988, como garantia fundamental, por intermédio dos institutos do habeas corpus, do habeas data, do mandado de injunção e do mandado de segurança, individual ou coletivo, na proteção do direito líquido e certo (CF, art. 5º, incs. LVIII, LXIX, LXX, LXXI e LXXII, alíneas a e b), para o acesso pleno à Justiça (CF,5º, XXXV)”, mas, deve-se verificar que o texto constitucional não foi taxativo ao elencar tais garantias constitucionais devendo o aplicador do direito ampliar o texto constitucional ao cidadão em geral, posto que direito individual, núcleo intangível da constituição brasileira.

 

Alcione Rosa Martins de Sampaio e Marina Rosa Vizzoni, em excelente dissertação sobre o tema afirmam que “a tutela de evidência ocorre quando nos deparamos com um direito que representa uma verdade clara e manifesta, uma certeza imediata, uma situação líquida e certa. É o direito evidenciado em juízo, obtido por meio de provas incontestáveis, líquidas, certas, notórias, incontroversas, impassíveis de contestação séria. O direito evidente representa uma situação que a probabilidade de certeza é quase absoluta; há nele uma verossimilhança preponderante. Não é necessário tratar-se de uma verdade absoluta. A evidencia é demonstrável de imediato por meio de prova documental, por meio de fatos notórios, incontroversos, confessados noutro processo, produzidos antecipadamente ou, ainda, decorrentes da decadência ou prescrição.”

 

                                  Fredie Didier Júnior, em irretocável trabalho sobre o tema, o qual não se pode deixar de mencionar, assevera que “quando a diferenciação do procedimento se dá pela apresentação processual do direito, temos a proteção daquilo que foi muito bem denominado de tutela da evidência ou tutela do direito evidente: tutela-se energicamente o direito em razão da evidência (aparência) com que se mostra nos autos. Não releva, a princípio, a natureza do direito material posto em litígio. Privilegia-se, sem dúvida, a comprovação do direito alegado: direito líquido e certo (provado documentalmente, conforme conceituação atual; a liquidez e certeza indicam como o direito é apresentado em juízo, ou seja, se é ou não passível de comprovação de plano; Sérgio Ferraz, Celso Barbi, em suas monografias clássicas sobre o tema, bem como o recente artigo do Ministro Adhemar Ferreira Maciel) e prova escrita, em se tratando de ação monitória. A antecipação genérica da tutela, fundada em prova inequívoca —que não precisa ser, necessariamente, documental—, agora permite a tutela de qualquer, repita-se, qualquer direito evidente. Estamos diante do mais alto grau de abstração na previsão normativa de um provimento de urgência. Alterou-se o procedimento comum para adequá-lo aos direitos evidentes.”

 

O Ministro Luiz Fux, refere-se à tutela de evidência, ao afirmar que a mesma clama pela exegese e aplicação do princípio da “justiça adequada”,  “porque, ao preceito constitucional de que “nenhuma lesão escapará à apreciação judicial”, deve encaixar-se a tutela célere do direito material. O decurso do tempo diante do direito evidente, sem resposta, por si só representa uma “lesão”, interpretação magistral e que deve-se operacionalizar com vistas a diminuir as injustiças provocadas, pelo que denominada Sua Excelência, o “decurso do prazo”

 

Alcione Rosa Martins de Sampaio e Marina Rosa Vizzoni, no trabalho “Tutela de evidência e pedido incontroverso”, asseveram queo direito evidente tem um misto de atributo material e processual, quando se projeta um direito incontestável ou impassível de contestação. Logo o titular de direito evidente poderá, dependendo das circunstâncias, obter a tutela antecipada em liminar ou, logo após, quando conhecida a sua defesa, não nos esquecendo que, também, poderá ocorrer na sentença e na fase recursal.”

 

Assim, verifica-se, a aplicação da tutela de evidência ou de segurança no Direito Processual Civil Brasileiro pode ampliar, infinitamente, os resultados dos julgados e sua quantidade, razão pela qual, mudança de tal calibre, sem sombra de dúvidas, exige estudos e cometimento da parte das autoridades judiciárias, face a responsabilidade que a aplicação de direito de tão amplo pode acarretar.

 

Entretanto, não se pode deixar, com base nas Escolas de Direito Processual Civil Clássicas, de ampliar e modernizar o processo civil brasileiro, com base em possibilidade deverás frutífera, como a que aqui se apresenta.

 

Continuam, a Procuradora do Estado de São Paulo e a Mestre em Direito Processual Civil, respecitivamente, acima citadas, que, “a idéia nuclear da lei é demonstrar a evidência do direito do autor, de tal sorte que a defesa do réu nessas circunstâncias mostre-se abusiva e protelatória, objetivando postergar o legítimo interesse do autor. Nessa hipótese de tutela antecipada do direito evidente, o juiz necessitará conhecer a defesa do réu para fazer a valoração; logo não será veiculada por liminar, ocorrendo no curso do processo. Assim, conhecida a defesa insubsistente do réu, configura, para a lei, antecipação dos efeitos da sentença face ao direito evidente, sendo injustificável a espera da desgastante e morosa decisão final.”

 

Aponta-se para a possibilidade de uma decisão imediata, até mesmo com produção de coisa julgada. “evidente o direito”, diz Roberto Antônio Vallim Bellocchi, “excluída está a cognição sumária, pois, completo o quadro para sustentá-lo, há ambiente para a prolação do decisum, sendo a margem de erro a comum dos provimentos em função da ‘humanidade do julgador'”. (Estudos de Processo Civil, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001, p. 55). Assim, a tutela da evidência abriria a possibilidade de uma decisão definitiva in limine litis. “A tutela da evidëncia”, diz o autor já citado, “é antecipação do provimento pretendido na extensão maior do que a tutela antecipada, de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil, por dizer, intimamente, com o direito material passível de ser reconhecido desde logo, num julgamento antecipado que não reúne condições de ser modificado pela intervenção contestatória do destinatário dos efeitos”

 

Segundo Didier, o apanágio da tutela de evidência “com a nova redação do princípio da inafastabilidade, feita pela Constituição de 1988, com a inclusão da tutela da ameaça —inexistente na ordem anterior—, constitucionalizou a tutela preventiva, a tutela de urgência, a tutela contra o perigo, legitimando ainda mais a concessão de provimentos antecipatórios e cautelares. A Constituição é clara ao prescrever a tutela reparatória e a tutela preventiva. Grande evolução. A proliferação das ‘cautelares satisfativas’ —medidas urgentes de mérito concedidas mediante o procedimento cautelar— é a demonstração prática da necessidade de adequação às situações de urgência; é a resposta da comunidade jurídica à ausência legislativa de uma medida adequada à tutela dos direitos em estado de periclitação.”

 

Fredie Didier Júnior ainda assevera, brilhantemente, que “a fórmula constitucional foi ditada para ‘entrar em ação’, tão logo descumprido o direito objetivo. Assim, desrespeitando o direito evidente, incide a garantia judicial, que variará na sua efetivação, conforme a demonstração da lesão seja evidente ou duvidosa. Essa visão constitucional não passou despercebida à doutrina gaúcha de Ovídio e Galeno Lacerda. Se o julgador já tem condições de saber, ao iniciar-se a demanda, que nenhuma contestação séria poderá ser contraposta ao direito líquido e certo, a legitimidade da tutela imediata tornase um imperativo lógico e até mesmo constitucional. Nesse contexto, a liminar é deferível mediante cognição exauriente, decorrência mesmo da evidência, diferentemente do que ocorre nos juízos de aparência (fumus boni juris) peculiares à tutela de urgência cautelar.”

 

Na obra “A tutela coletiva e de evidência no Juizado Especial feceral Cível e o acesso pleno à Justiça”, o autor cita exemplos da possibilidade de ampliar-se “a dimensão processual da antecipação da tutela de evidência, já prevista nas letras do art. 273, II, do CPC, a Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, com eficácia plena 3 (três) meses após sua publicação (D.O.U. de 08/05/2002), acrescentou o § 6º ao referido dispositivo legal, nestes termos: A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas deles, mostrar-se incontroverso. Nessa hipótese, observa Luiz Marinoni, que seria injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido. Assim, se o processo prosseguir, não obstante a evidência de um direito, a tutela antecipatória é o único instrumento, dentro do atual sistema processual, que permite que o procedimento comum atenda ao Direito Constitucional e à tempestividade da tutela jurisdicional, evitando que o autor seja obrigado a esperar indevidamente a tutela de um direito incontrovertido”.

 

Nesse contexto, o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu na ADC n. 4, firmando a convicção pretoriana sobre o assunto, nos termos seguintes: 1 – Tutela antecipada concedida para reconhecimento do direito da viúva do servidor à percepção da integralidade da pensão, com fundamento no art. 40, § 5º, da Constituição. 2 – Reclamação buscando garantia da autoridade da decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4. 3 – Liminar indeferida, por implausibilidade da alegação, pelo reclamante, de dano irreparável, ante a coincidência, na questão de fundo (integralidade da pensão), entre o sentido da decisão reclamada e a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal (Ag. Reg. em Reclamação n. 1.067-8-RS. STF/Pleno – Unânime – D.J.U. de 17/06/99. rel. Min. Octávio Gallotti).

 

Em suma, com base em todo o exposto, pode se afirmar, sem mesuras, que a tutela de evidência ou de segurança, aplicadas no processo civil brasileiro, de maneira mais dinâmica e real, poderia eliminar uma série de processos que deveriam ser julgados de pronto, verificada a presença do direito líquido, certo e do pedido incontroverso, de tal modo que, a Justiça Brasileira tem um meio legal e admissível tecnicamente para desafogar-se e concentrar-se em ações judiciais mais complexas e que demandam a necessária atenção jurisdicional.

 

 

* Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. A Tutela de Evidência e seus efeitos na celeridade do Processo Civil Brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-tutela-de-evidencia-e-seus-efeitos-na-celeridade-do-processo-civil-brasileiro/ Acesso em: 19 abr. 2024