Processo Civil

Em Ação de Execução não há blindagem contra nulidades substanciais e formais comprovadas nos autos

1. Carência de ação de execução quando falta título executivo autônomo – Efeitos.

Não padece dúvida de que comumente existem autos de execuções lastreadas em títulos extrajudiciais inexeqüíveis vez que atados a contratos, como pode ser visto em seus versos, contratos cujos instrumentos não venham sequer aos autos.

A fim de justificar o curso da execução a despeito de semelhante particularidade, tem-se decidido que as arguições surgem empós do prazo para embargos à execução ou a arrematação do imóvel penhorado, o que teria feito equivocadamente convalescer o título, aliás, à míngua da prática de qualquer ato jurídico para tanto.

Sabido que a Ação de Execução não exige tratamento diverso do adotado para o processo de conhecimento, ut se vê do art. 598 do CPC/73, aplicável muitas vezes ao caso, por ocasião da propositura, se antiga, vez que tempus regit actum, e mesmo aplicando a regra em igual sentido do art. 771 do Código de Processo Civil ora vigente.

Art. 586 – A execução para a cobrança de crédito fundamentar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível.” (CPC/73)

“O título executivo deve ter os seguintes atributos: liquidez, certeza e exigibilidade. Sucintamente, temos: líquido, quando é facilmente aferível o valor da prestação; certo, quando não há controvérsias da sua existência; e, exigível, quando não depende de termo ou condição” (RICARDO BANDEIRA DE MELLO, Execução de prestações vincendas de título extrajudicial no novo CPC, in Consultor Jurídico, 22/03/2016)

Art. 598 – Aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de conhecimento.” (CPC/73)

Art. 771 – […]. § único: Aplica-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.” (CPC/15)

Respeitantemente ao tema atinente à sucessão de leis, a Introdução às Normas de Direito Brasileiro determina:

“Art. 2º – Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º – A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior.”

A propósito, a doutrina relativa ao CPC/73:

Indaga-se, por serem aplicadas normas do processo de conhecimento à execução, por que negar aplicação de suas nulidades antes de haver uma sentença extinguindo o respectivo processo, se o título que não circulou perde sua autonomia?

“Como é sabido, a ausência das condições da ação provoca a extinção do processo (CPC, art. 267). Além disso, por serem de ordem pública, questões como essa podem e devem ser conhecidas a qualquer tempo e qualquer jurisdição independentemente de provocação das partes (art. 267, §3º). “No processo de execução questões de ordem pública relacionadas às condições da ação e aos pressupostos de desenvolvimento do processo são denominadas pela doutrina de objeções de pré-executividade ou exceções de pré-executividade.” (ADAM CRISTIAN SCHMITZ DIAS; Exceções de pré-executividade: Inexigibilidade dos títulos.)

“Exemplos de normas do processo de conhecimento aplicáveis à execução; conforme observado, as regras do processo de conhecimento, aplicáveis à execução, são aquelas de conteúdo geral que por opção legislativa encontram-se insertas no Livro I do CPC, ou aquelas que de alguma forma preencham lacuna. Em qualquer caso, todavia, sempre se deve evitar antinomias e incompatibilidade com os princípios da função executiva”.

“Desse modo, ‘o Livro I do CPC regulamenta jurisdição, a ação, partes e procuradores, suas responsabilidades e prerrogativas, despesas e multas, a intervenção do Ministério Público, o órgão judiciário, sua competência e seus auxiliares, os atos processuais, prazos, nulidades, provas, formação, suspensão, extinção de processos, e por fim, recursos, tudo isso se aplica, mutatis mutandis, ao processo executivo.” (CONSULTOR JURÍDICO; nulidade absoluta pode ser reconhecida após trânsito em julgado).

Ademais, colaciona-se nesse sentido: “O ajuizamento de ação executiva fundada em título inexigível acarreta a nulidade da execução, na forma do art. 803, I do CPC/15, porquanto ausente um pressuposto de desenvolvimento regular e válido do processo.” (Ac. TRF-4ª; proc.: n.º AC 5081143-35.2014.4.04.7000PR, Rel. Des. ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL).

No corpo desse acórdão encontra-se:

“O ajuizamento de ação executiva fundada em título inexigível acarreta a nulidade da execução, na forma do art. 818-I, do CPC, porquanto ausente pressuposto de desenvolvimento regular e válido do processo, questão de ordem pública, que pode ser conhecida de ofício pelo órgão jurisdicional, nos termos do art. 267 do CPC”

O Direito Processual Civil, tanto em seu antigo regime quanto no em voga (CPC/15), apresenta de forma cristalina:

Art. 803 – É nula a execução se:

I – O título executivo extrajudicial não corresponde à obrigação certa, líquida e exigível […].” (CPC/15)

“Nulidades cominadas e não cominadas. Há nulidade cominada quando a lei, ao impor uma regra processual, prevê a nulidade como sanção expressa para o ato que venha a ser praticado sem a respectiva observância. Não cominada é, outrossim, a nulidade que se reconhece para o caso de infração de alguma regra processual, sem que a lei tenha previsto expressamente tal sanção. No sistema do Código de Processo Civil, a cominação de nulidade revela a relevância da exigência legal, permitindo ao juiz reconhecer a invalidade de ofício, por presunção de prejuízo decorrente da inobservância do preceito. Mas a cominação expressa de nulidade não torna ipso facto insanável o ato viciado.” (HUBERTO THEODORO JÚNIOR,Nulidades no Código de Processo Civil, in web)

Art. 267 – Extingue-se o processo sem resolução de mérito […]:

VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.” (CPC/73).

Ainda, tangente ao que foi dito, acrescenta-se:

“Sabe-se que uma das características dos títulos de crédito é a literalidade, não importando, em regra, a discussão do negócio que ensejava sua emissão. No entanto, quando a própria exequente informa que o título foi dado como garantia de um negócio subjacente que não chegou a ser formalizado […] para dizer que foi passado como garantia de pagamento de valores disponibilizados, não pode mais escapar da tese defensiva de que ocorreu a perda da autonomia da cártula.” (A. TJRJ, Apel. Civ. 0004838-26.2015.8.19.0011, Rel. Des. LUCIANO SABOIA RINALDI DE CARVALHO)

O título em execução no caso ora sugerido não seria exigível, carecendo de força executória, face à ausência de pressuposto processual válido, de modo a incidir inevitavelmente nulidade absoluta da execução (art.618, I, CPC/73).

Nulla executio sine titulo (Ac. STJ; REsp. 2.923 – PR; Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEREDO).

“[…] Embora não haja previsão legal específica, predomina na doutrina e na jurisprudência o entendimento no sentido de que tem lugar a exceção de pré-executividade quando a matéria alegada for de ordem pública (aquela reconhecível pelo Juiz, a qualquer tempo ou grau de jurisdição), ou possa gerar nulidade do título executivo, ou, ainda, quando ocorra a prescrição manifesta. […]” (Ac. TRF-2ª, Agr. Instr. 141207.2005.02.01.010388-5)

“Assim, a alegação de nulidades, vícios pré-processuais que tornam ineficaz o título executivo judicial (ou extrajudicial) devem ser suscitados através da exceção de pré-executividade, antes mesmo ou após a citação do executado. A penhora e o depósito já são medidas executivas e não podem ser efetivadas quando não existir ou não for eficaz o título que embasa o processo executório. Devo perfilar a posição adotada por GALENO LACERDA (opus. cit. p.14) ao divergir de PONTES DE MIRANDA quanto ao momento do oferecimento da exceção. Como os pressupostos processuais devem ser observados e decretados de ofício pelo Magistrado, a matéria não se subordina aos efeitos da preclusão, podendo a alegação através da exceção de pré-executividade ser oferecida desde o ajuizamento da ‘ação executiva’. (A exceção de pré-executividade, LUIZ APPEL BOJUNGA, Ajuris, 45/155)

De fato, a promissória não autônoma, embasadora do procedimento nesse caso foi, e será imprestável para lastrear a execução.

Em tal sentido valem-se dos seguintes ensinamentos:

“A petição inicial deve vir instruída com os documentos básicos, nos quais se apóia a pretensão do credor em obter, pela via jurissatisfativa, o pagamento de seu crédito.” (ANTONIO CARLOS COSTA E SILVA; in Tratado do Processo de Execução; 2º vol.; Aide Editora; pp. 765)

“Sendo assim, tal como se contém no art. 614, I, do CPC, cumpre o credor, ao requerer a execução por quantia certa contra devedor solvente, instruir sua petição inicial com título executivo, salvo se ela se fundar em sentença.” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR; in Execução – Direito Processual ao Vivo; n.º 3; Aide Editora; pp. 507-517)

“Uma vez que a lei só permite a execução forçada quando apoiada em título legalmente qualificado como executivo [ CPC, art. 583] e ainda quando este seja líquido, certo e exigível, por seu conteúdo [CPC, art. 586] a possibilidade jurídica de pretensão de executar se confunde com a necessidade de vir sempre petição inicial desse tipo de ação, fundada em título que ostente ditas características, por isso, o título executivo [assim como sua liquidez e certeza] representa uma condição da ação executiva.” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR; in Execução – Direito Processual ao Vivo; n.º 3; Aide Editora; p. 507-517)

Com efeito, lembra a obra de PONTES DE MIRANDA:

“[…] no título executivo está o documento que permite a ação de execução. De sorte que ‘nunca há ação de execução sem título executivo.” (PONTES DE MIRANDA; Comentários ao Código de Processo Civil; Rio; Forense ed.; 1976; vol. XI)

É ilegal a atividade exercida pelo exequente e pelos órgãos executivos no processo de execução quando o título que lhe serve de base não tem força executiva, e o juiz não pode permitir-se, nem permitir o exercício de uma atividade ilegal.” (PONTES DE MIRANDA; in Comentários ao Código de Processo Civil; Rio; Forense ed.; 1976; vol. XI)

A jurisprudência é uníssona quanto ao tema:

“Toda execução se funda em título para ser movida, mas desde que o título apresente condições formais e substanciais que a lei impõe. Não é, portanto, qualquer documento quer formal, quer substancial, que pode providenciar a execução. Será somente aquela que reunir as duas condições. A circunstância da carência de ação por falta de uma de suas condições pode ser declarada de ofício ou em qualquer grau de jurisdição em que se encontre o processo.” (Ac. unan. da 6ª Câmara do 1º TACivSP de 11.11.86, na apel. 361.930, rel. juiz AUGUSTO MARINS, Adcoas, 1987, nº113.077; RT, 617/95)

Os pressupostos processuais são requisitos necessários para que a relação jurídica processual se constitua e tenha validade e, assim, à falta de qualquer um deles acarreta a nulidade ex-radice do processo e, por isso mesmo, impossibilita a decisão sobre merecimento do pedido.” (Ac. unan. da 1ª Câm. do TJES de 17.09.85, na apel. 13.944)

“A propósito do Juízo de admissibilidade antes proclamado, vale a transcrição de parte da sentença prolatada pelo eminente e douto Juiz de Direito WILLIAN COUTO GONÇALVES, onde esta questão é abordada e aprofundada, numa manifestação que foi confirmada à unanimidade dos desembargadores do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, publicada na Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, ano 1990, vol. 339/343, in verbis: ‘[…] não se diga que só nos embargos se deve conhecer matéria atinente ao juízo de admissibilidade, tanto que a particularidade passa a ser de ordem pública na medida em que a relação jurídica de direito material não se enquadra nos parâmetros delineados pelo Código instrumentalizador daquele direito, o fato do executado não embargar a execução não deve impedi-lo de exercer defesa, a fim de conter a execução nos limites da legalidade que necessariamente deve informar o processo’[…]” (WILSON SANTANA VENTURIM; Arguição de nulidade absoluta no processo civil – falta de título hábil a execução; publ. in SEDEP)

2. Inexistência do hipotético título de propriedade decorrente de praceamento nulo

Muito se tem dito que: com o registro da carta de arrematação esta ostenta-se perfeita e acabada, mas não esclarecem que isso não a faz invulnerável, visto que mesmo o próprio casamento, que é um instituto com convenções rígidas e solenes formalidades, não se caracteriza pela invulnerabilidade, por ser passível de desfazimento, inclusive pela decretação de sua nulidade.

Sabe-se de caso em que houve arrematação de imóvel penhorado em execução assim, nula, em que foi produzido pretenso título dominial.

Respeitantemente à absoluta invalidade/inexistência do título de propriedade obtido pelo autor nas condições indicadas: ausência de título executivo, invalidade absoluta da arrematação, eventual vindicação viria embasada em título inexistente.

A propósito da natureza em que teria resultado tal título, buscam-se lições de nosso ex-professor na Universidade de Coimbra, Dr. RUI ALARCÃO, no tratado clássico “Sobre a invalidade do negócio jurídico”, cuja amplitude de idéias fundamenta o respeito que lhe devota a universalidade dos juristas:

“Convém, antes de mais, salientar, expressando melhor uma idéia que já aludi que o fato de existir um determinado negócio não significa que ele desencadeie a eficácia que, segundo seu conteúdo, deveria corresponder-lhe. Pode acontecer que, por diversas causas e diversos modos, não se verifique, ou venha a desaparecer a eficácia a que o negócio tendia. Quando as coisas se passam desta sorte é que se fala de ineficácia do negócio jurídico.”

E, na hipótese sub-examine tem-se que, a fim de se comprovar a pretensa propriedade, necessário exibir “carta de arrematação” que caracterize a operação como “ato jurídico”, vindo a ser aplicável a lição do ilustre e douto OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA:

“Os atos processuais, como todos os atos jurídicos, podem apresentar certos vícios que os tornem inválidos e ineficazes. No campo do processo civil, estes vícios em geral, decorrem da inobservância de forma por meio da qual determinado ato deveria realizar-se. Observe que o conceito de forma aqui deve corresponder ao modo pelo qual a substância se exprime e adquire existência, compreendendo, além de seus requisitos externos, também as circunstâncias de tempo e lugar, que não deixam de ser igualmente modus por meio dos quais os atos ganham a existência no mundo jurídico.”(Apud CAIO GUIMARÃES FERNANDES, Nulidades processuais e as suas perspectivas no novo CPC, in JusBrasil)

3. Conclusão

Desta exposição retira-se a idéia de que em ação de execução não existe qualquer blindagem contra nulidades, quer de caráter material, quer processual, observando-se, ademais, que no mesmo campo, ao contrário de considerações que têm surgido, não há espaço para tendências preferenciais relativamente a uma das partes, porque não admissíveis nos demais procedimentos, por ferir as garantias fundamentais do cidadão, e por caracterizar abuso.

Finalmente consigna-se que tendo em conta as razões exposta, e por motivos outros, como o de que a Lei que dá azo à Execução não derroga o Direito das Coisas, não há lugar para atuação processual visando à transmissão da posse do imóvel arrematado, através de expedição direta de mero mandado possessório em favor do arrematante como se tem feito.

Consabido que tal operação manifesta-se em oposição ao sistema jurídico, vez que o praceamento não envolve entrega da coisa, que exige ação própria, de imissão na posse ou reivindicatória, e o mandado expedido isoladamente nesse caso não se mostra executório da venda ou de entrega da coisa, por tratar-se, no caso alvitrado, de cumprimento de ato não jurídico, mas sim de ato volitivo judicial, arbitrário.

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia/UFU

Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Messina – Itália

Advogado

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Eulâmpio Rodrigues. Em Ação de Execução não há blindagem contra nulidades substanciais e formais comprovadas nos autos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/em-acao-de-execucao-nao-ha-blindagem-contra-nulidades-substanciais-e-formais-comprovadas-nos-autos/ Acesso em: 20 abr. 2024