Processo Civil

O Descabimento de Decisão Padrão, Genérica ou Estereotipada

Por: Luiz Cláudio Barreto Silva*

Com o advento do Novo Código de Processo Civil [i] há expressa vedação para fundamentação genérica.[ii] Essa espécie de decisão se caracteriza por sua possibilidade de aplicação a qualquer caso. Ela é chamada no campo jurídico como decisão genérica, padrão, estereotipada, dentre outras rotulações.

Não se desconhece que pululam ainda decisões com essa mácula e que em alguns casos, em visível descaso ao ordenamento processual, são mantidas e com certa frequência.

No entanto, não é esse o entendimento adequado, como se extrai da esclarecedora lição de Alexandre Freitas Câmara:

“Decisão como esta, a rigor, poderia ser utilizada em qualquer caso. E decisão que serve para qualquer caso, na verdade, não serve para caso algum”[iii].

Em igual sentido, a lição de FREDIE DIDIER JR., RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA e PAULA SARNO BRAGA:

“A motivação tem conteúdo substancial, e não meramente formal. É bastante comum o operador do direito deparar-se, no seu dia-a-dia, com decisões do tipo “presentes os pressupostos legais, concedo a tutela provisória”, ou simplesmente “defiro o pedido do autor porque em conformidade com as provas produzidas nos autos”, ou ainda “indefiro o pedido, por falta de amparo legal”. Essas decisões não atendem à exigência da motivação: trata-se de tautologias. Exatamente por isso, não se podem considerar fundamentadas. O magistrado tem necessariamente que dizer por que entendeu presentes ou ausentes os pressupostos para a concessão ou denegação da tutela provisória; tem que dizer de que modo as provas confirmam os fatos alegados pelo autor (e também por que as provas produzidas pela parte contrária não o convenceram). Em hipóteses como essa, Calmon de Passos sugere que se “consulte uma sibila, para desvendar o pensamento do magistrado. Decisão sem fundamento ou sem fundamento aceitável como tal, no mínimo que seja, é decisão nula, que não obriga e deve ser reformada” (CALMON DE PASSOS, 1998, p. 40). É disso que trata o inciso III do § 1.º do art. 489: da fundamentação genérica e tão desgarrada do caso concreto que se prestaria a justificar qualquer pronunciamento decisório. Este é um exemplo de fundamentação inútil”.[iv]

Na mesma linha de entendimento, as considerações de Cassio Scarpinella. Bueno:

“O § 1º do art. 489 indica as hipóteses em que a decisão – qualquer decisão, como ele próprio faz questão de evidenciar – não é considerada fundamentada, exigindo do julgador que peculiarize o caso julgado e a respectiva fundamentação diante das especificidades que lhe são apresentadas. Fundamentações padronizadas e sem que sejam enfrentados os argumentos e as teses trazidos pelas partes não serão mais aceitas”. [v].

Outra não é a lição de Humberto Theodoro Júnior:

“(c) Invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão (inciso III): é o que comumente ocorre quando o juiz, por exemplo, defere uma liminar, afirmando tão somente que estão presentes os pressupostos legais. Ao julgador cabe justificar o seu posicionamento, de maneira clara e precisa, não podendo, simplesmente, proferir uma decisão “padrão”, ou “estereotipada” [vi]

Em sede jurisprudencial, esclarecedor julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, da relatoria da Desembargadora Regina Lucia Passos, com a seguinte ementa:

“Decisão agravada que adotou a técnica de fundamentação genérica. Nulidade flagrante. Magistrado limitou-se a dizer que os requisitos autorizadores não estavam presentes. A Carta Política em vigor veda, expressamente, a ausência de fundamentação nas decisões judiciais: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (art. 93, inciso IX). A nova legislação adjetiva dispõe, no art. 489, §1º, III, que: “o juiz ao proferir um provimento jurisdicional, seja qual for, não poderá fazer uso de tese de fundamentação genérica, que por ventura possam embasar qualquer outra decisão”. Decisão que deve ser extirpada do mundo jurídico. Reconhecimento de ofício da nulidade. Recurso prejudicado. Jurisprudência e precedentes citados: 0035691-17.2016.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO -DES. RICARDO RODRIGUES CARDOZO – Julgamento: 18/07/2016 – DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL; 0053809-75.2015.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DES. SIRLEY ABREU BIONDI – Julgamento: 21/10/2015 – DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL; 0002526-41.2010.8.19.0209 – APELAÇÃO – DES. CRISTINA TEREZA GAULIA – Julgamento: 15/03/2016 – QUINTA CÂMARA CÍVEL; 0053428-45.2012.8.19.0203 – APELAÇÃO – DES. MARIA LUIZA CARVALHO – Julgamento: 21/01/2016 – VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR. NULIDADE DA SENTENÇA. PREJUDICADO O RECURSO”. [vii]

Por conseguinte, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, não se concebe mais à luz do Código de Processo Civil em vigor, sejam proferidas decisões padrões, genéricas, estereotipas, que se prestam a justificar qualquer outra decisão.

  •  O autor é Advogado, Escritor, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, Ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia, Ex-Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia da Informação da 12ª. Subseção da OAB de Campos dos Goytacazes e Ex-Professor Universitário.



Notas e referências bibliográficas

[i] BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm . Acesso em: 16 ago. 2018.

[ii] Art. 489. São elementos essenciais da sentença:    

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

[iii] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. E-Book, n/p

[iv] (CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. E-Book, n.p.).

[v] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, e-pub, n.p.

[vi] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. V. I. 56 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, e-book, n.p.

[vii] TJRJ. AI. 0028160-40.2017.8.19.0000. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=2017.002.33339 . Acesso em: 13 mar. 2018). (Destacou-se).

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Luiz Cláudio Barreto. O Descabimento de Decisão Padrão, Genérica ou Estereotipada. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/o-descabimento-de-decisao-padrao-generica-ou-estereotipada/ Acesso em: 29 mar. 2024