Processo Civil

A tendência da reclamação constitucional com a sua inclusão no novo Código de Processo Civil

RESUMO

O presente artigo tem como escopo examinar o instituto da reclamação constitucional. Apresenta a sua evolução histórica na legislação, desde a sua criação no Superior Tribunal de Justiça até a sua recente introdução no novo Código de Processo Civil de 2015. O intuito deste trabalho é o de despertar para a importância desta  recente inclusão e a relevância desta ferramenta, para preservar a competência e  garantir a autoridade das decisões dos tribunais – objetivo este  garantidor da almejada uniformidade e transparência  das decisões, com  valoração dos precedentes  judiciais, que vai ao encontro da filosofia proposta pelo novo código.   Pretende também, como segundo, mas não menos importante objetivo, chamar a atenção quanto a indesejável  possibilidade de uso desvirtuado desta medida, e sua desnecessária e incorreta proliferação com consequente potencialização da sobrecarga dos tribunais.

 

 Palavras Chaves: 1. reclamação constitucional. 2. tendência no novo Código de Processo Civil. 3.evolução histórica . 4. natureza jurídica. 5. precedentes. 6. tribunal.

 

 ABSTRACT

The purpose of the present work is to examine the institute of the constitutional complaint. The paper presents the historical evolution of the legislation, since its inception in the Supreme Court until its recently introduced in the 2015 new Civil Procedure Code. The intention of this article is to awaken to the importance of this inclusion and the importance of this tool in order to preserve the competence and maintaining the authority of court decisions – this objective guarantee the intended uniformity and transparency of decisions, valuation the judicial precedent – which is consistent with the philosophy proposed by the new code. Also intends, as a second but not less important gol, to call attention about the undesirable possibility of distorted use of this measure, with its unnecessary proliferation and consequent overload of the courts.

Keywords: 1. constitutional complaint. 2. new Civil Procedure Code tendency. 3. Historic evolution. 4. previuous.

SUMÁRIO

1. Considerações introdutórias

2. Cabimento, hipóteses e legitimidade

3. Natureza jurídica

4. Extensão da reclamação aos demais tribunais

5. Distinção entre  reclamação e outros institutos

6. Conclusões

Referências Bibliográficas

 1.   CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Antes de adentrar na instituição da reclamação constitucional no novo CPC 2015, importante traçar, mesmo que em breves linhas, o seu histórico até então. Depois disto serão apresentados os principais pontos polêmicos desta medida, ciente do fato de que, como bem salienta Profa. Tereza Arruda Alvim Wambier[1] ao tratar deste tema “grande parte das questões polêmicas relativas à reclamação são fruto de uma dose de razoável ‘desordem’ que existe no pais”. Ora, uma medida restritiva da possibilidade de invasão da esfera de autoridade e competência de um tribunal superior, só tem espaço em uma nação deste tipo.

A reclamação constitucional tem sua origem no Supremo Tribunal Federal tendo sido  aprovada sua incorporação no regimento interno deste em 1957. Posteriormente a Constituição Federal de 1967 autoriza este tribunal a estabelecer a disciplina processual dos feitos sob sua competência, conferindo força de lei federal às disposições do regimento interno sobre seus processos, legitimando a reclamação – que passa assim a ter garantido fundamento constitucional.

Depois disto a Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 102, I, l, “e” e 105, I, “f” passa a prever expressamente reclamação, para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões. O instituto adquire status de competência constitucional.

Art.102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

(…)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

(…)

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Em 1990 é publicada a Lei dos Recursos n.º 8.038, que nos artigos 13 a 18 institui as normas procedimentais da reclamação, perante o  Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.

Art. 13 – Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.     

Parágrafo único – A reclamação, dirigida ao Presidente do Tribunal, instruída com prova documental, será autuada e distribuída ao relator da causa principal, sempre que possível.

 Art. 14 – Ao despachar a reclamação, o relator:     

I – requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de dez dias;

II – ordenará, se necessário, para evitar dano irreparável, a suspensão do processo ou do ato impugnado.

Art. 15 – Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.     

Art. 16 – O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vista do processo, por cinco dias, após o decurso do prazo para informações.

Art. 17 – Julgando procedente a reclamação, o Tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à preservação de sua competência.

Art. 18 – O Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

Posteriormente, em 2004 é editada a Emenda Constitucional 45, que taxativamente passa a aplicar a reclamação para garantia da súmula vinculante, o que se dá o artigo 103-A, § 3º  da Carta Magna.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

(…)

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

A mais recente novidade fica por conta da inserção no Novo Código de Processo Civil de 2015, instituído pela Lei 13.105/2015, que passa a prever a reclamação no capítulo IX, capítulo este exclusivamente dedicado a esta ferramenta, nos  artigos 988 e seguintes.

Art. 988.  Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

§ 1o A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.

§ 2o A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.

§ 3o Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível.

§ 4o As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

§ 5o É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.

§ 6o A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.

Art. 989.  Ao despachar a reclamação, o relator:

I – requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

II – se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável;

III – determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a sua contestação.

Art. 990.  Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante.

Art. 991.  Na reclamação que não houver formulado, o Ministério Público terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado.

Art. 992.  Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia.

Art. 993.  O presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

Como se pode ver, o NCPC mantém as previsões da Lei de Recursos e da Constituição Federal, e amplia as hipóteses de cabimento, o que se dá bastante em consonância coma filosofia abordada no novo código, de maior ênfase aos precedentes, visando maior uniformidade, celeridade e segurança jurídica. As alterações inseridas no NCPC são um desdobramento da garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal. Deste modo, a reclamação passa a ter status também de instituto de direito processual civil.

 2.   CABIMENTO, HIPÓTESES E LEGITIMIDADE

Das alterações introduzidas no NCPC, os pontos que ganham destaque são com relação ao cabimento da reclamação. De acordo com o artigo 988 é possível a  reclamação  para:

i)              preservar a competência do tribunal;

ii)             garantir a autoridade das decisões do tribunal;

iii)            garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

iv)           garantir a observância de enunciado de súmula vinculante;

v)            garantir a observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos;

vi)           garantir a observância de incidente de assunção de competência.

Dentre as novidades inseridas algumas ganham  destaque. Em primeiro lugar, o fato de o código empregar genericamente o termo “tribunal”, enquanto a Constituição Federal referia-se exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal De Justiça, nos artigo 102 e 105. Tal mudança  pode ser interpretada como aumento no cabimento da reclamação, quando trata da preservação de competência e garantia da autoridade das decisões, este é, inclusive, o entendimento de Nelson Nery[2] para quem “o CPC 988 fala genericamente em ‘tribunal’, não discriminando um ou outro órgão, mas dando a entender que em todos os tribunais, dentro das condições delineadas por esse artigo, é possível a reclamação”.

Outro ponto que também merece destaque é a inclusão da garantia da observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos. Esta garantia aplica-se não só quando da não observância do  precedente, mas também quando aplicado este incorretamente. Ricardo de Barros Leonel[3], ao tratar do necessário  prestígio aos precedentes lembra que “a concessão de maior importância aos precedentes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal De Justiça, especialmente quando sumulados, indo além da simples eficácia persuasiva, da qual tradicionalmente em nosso sistema são revestidos, não é algo incompatível com a tradição do processo romano-germânio,  à qual se filia o processo civil brasileiro”. Sem dúvida alguma a aplicação dos precedentes é viável e necessária ao sistema pátrio.

A garantia da observância de incidente de assunção de competência também é outro acréscimo do NCPC nas possibilidades de cabimento da reclamação. Trata-se mais uma vez da valorização à jurisprudência, que visa assegurar maior uniformidade às decisões, criando parâmetros mais constantes e transparentes.

A reclamação é destinada a fazer com que o tribunal faça cumprir as suas decisões, a jurisprudência consolidada e preserve sua competência. Na posição de Nelson Nery[4], a rmedida, que pode ser apresentada pela parte, pelo interessado ou pelo Ministério Público, tem seu cabimento classificado de acordo com seu objetivo, para garantia da autoridade ou preservação de competência do tribunal.  (i) Para garantia da autoridade do Supremo Tribunal Federal, quando se descumprir decisão de turma ou do plenário, seja por ato do próprio Supremo Tribunal Federal (ministro, turma ou órgão administrativo) ou por ato externo ao tribunal. Isto por óbvio, já que as decisões do tribunal, nos limites de sua competência, tem de ser cumpridas e respeitadas. Quando ocorrer o não cumprimento cabe reclamação para que possa fazer valer esta autoridade. (ii) Para preservar a competência do tribunal, quando outra entidade ou órgão do poder judiciário, legislativo ou executivo, agir invadindo a esfera da competência constitucional do tribunal. Pode ocorrer essa invasão, por exemplo, quando deduzido pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei perante juízo que não seja o Supremo Tribunal Federal. Pode haver ajuizamento de ação cujo pedido seja o cancelamento de lançamento tributário, fundado em inconstitucionalidade de lei. Se declarada a inconstitucionalidade não fará coisa julgada – isso porque o juízo competente para conhecer o pedido não é competente para julgar a causa principal.

O instituto da reclamação tem como fim a valorização da eficácia das decisões do poder judiciário, que devem ser cumpridas com absoluta fidelidade de seus mandamentos. Tal pressuposto tem como pano de fundo a exigência indispensável de segurança jurídica.

Com relação às hipóteses de aplicação da reclamação, importante salientar que não cabe reclamação contra decisão proferida em outra reclamação tendo em vista ausência de eficácia vinculante e feitos erga omnes da decisão proferida. Descabe reclamação nesta hipótese. Neste sentido é a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, 1ª T, AgRgRcl 5389-PA, rel. Min. Cármen Lúcia, j.20.11.2007, v.u., DJU 19.12.2007, p.25.

Tem legitimidade para a propositura da reclamação as partes do processo; aqueles que, não sendo parte do processo, sofrem os efeitos da decisão; e ainda os que pretendem reivindicar a aplicabilidade ou inaplicabilidade de súmula vinculante. Ou seja, o interessado é quem pode propor a reclamação. A Rc 1.880 de 2002 deixa bastante clara a posição de necessidade de “interesse” para propositura da reclamação. “Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada”.

 3.   NATUREZA JURÍDICA

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência apresentam posições diferentes quanto a  natureza jurídica da reclamação, como exposto abaixo. Há quem defenda tratar-se de expediente meramente administrativo e correcional, quem a considere recurso e quem entenda tratar-se de direito de petição.

Natureza de expediente administrativo: este posicionamento defende a função corregedora da reclamação, como se pode ver na decisão da Rcl 872 AgR-SP Rel Marco Aurélio, Pleno DJ 20.05.2005

A reclamação tem natureza de remédio processual correcional, de função corregedora.

Natureza de atividade jurisdicional: Cândido Rangel Dinamarco[5] entende que com a reclamação o tribunal realiza um controle que irá atingir os litigantes e o processo em que estão envolvidos. Ao cassar uma decisão o tribunal realiza atividade tipicamente jurisdicional.

Natureza de recurso: entendimento de Moacyr Amaral Santos em voto proferido na reclamação Rcl 831-DF, julgado em 11.11.70.

Entre os motivos que afastam a natureza recursal da reclamação destacam-se:

i)    a reclamação visa à preservação da competência do tribunal ou a garantia da autoridade das suas decisões, não ao suprimento de eventual divergência na jurisprudência ou mesmo o reparo de erro de julgamento. Em outras palavras, não tem como finalidade impugnar decisão judicial, invalidando-a ou reformando-a. Neste  sentido decisão do Supremo Tribunal Federal, Pleno, AgRcl 1639-SP, rel. Min. Octávio Gallotti, v.u., j. 21.9.2000.

ii)    a reclamação não tem previsão legal de recurso, ou seja, não consta entre as modalidades recursais tipificadas e considera-la como sendo um feriria o princípio da taxatividade que rege o sistema recursal.

iii)    a reclamação não tem o condão de cassar um ato e substituí-lo por outro, ou cassá-lo para que outro seja proferido. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco[6], o binômio cassação-substituição é moeda corrente na teoria dos recursos, o que não se verifica na reclamação.

iv)  Marcelo Navarro Ribeiro Dantas[7] posiciona-se no sentido de que o recurso pressupõe o interesse em recorrer, de quem perdeu. Por outro lado, a reclamação é  posta por quem ganhou ou por quem pretende ver a decisão cumprida.

Natureza de direito de petição: A posição da Ministra Ellen Gracie e Ada Pelegrini Grinover é no sentido de apresentar a reclamação natureza de direito constitucional de petição, previsto na Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXIV.  Esta aplicação pelo Supremo Tribunal Federal é verificada no RE 405031, em que o tribunal declarou inconstitucionais os artigos do regimento interno do Tribunal Superior do Trabalho que dispõe sobre o instituto da reclamação. O plenário deu provimento ao recurso extraordinário, interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas no Estado de Alagoas para invalidar decisão do Tribunal Superior do Trabalho. O TST julgou procedente uma reclamação contra ato da 2ª Vara do Trabalho de Maceió. Contra a decisão foi interposto recurso extraordinário alegando que a corte trabalhista admitiu a reclamação para reformar uma sentença que já havia transitado em julgado, dando ao dispositivo regimental dimensão incompatível com a Constituição Federal.

Neste julgamento o ministro Marco Aurélio argumenta ser inconstitucional a criação da reclamação via regimento interno. Ele analisou que o Tribunal Superior do Trabalho deixou de observar o binômio: segurança jurídica e justiça. “A busca incessante e inesgotável da justiça colocaria em risco o primeiro predicado enquanto a potencialização da segurança jurídica acabaria por afastar do cenário jurídico todo e qualquer recurso, bastando um único crivo sob o ângulo jurisdicional”. E mais adiante, “há necessidade desse instrumento estar previsto em lei no sentido formal e material, não cabendo criá-lo por meio de regimento interno. No tocante ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça foi criado via Constituição Federal”.

De acordo com o relator, o Supremo já admitiu a possibilidade da Constituição Estadual introduzir a reclamação com base no artigo 125, caput, parágrafo 1º, da Constituição Federal. No entanto, destaca que, em âmbito federal, cabe ao Congresso Nacional dispor sobre a matéria. “Não se pode cogitar de disciplina em regimento interno porquanto a reclamação ganha contornos de verdadeiro recurso, mostrando-se inserida, portanto, conforme ressaltado pelo Supremo, no direito constitucional de petição”.

Durante o julgamento, os ministros declararam inconstitucionais os artigos 190 a 194 do regimento interno do Tribunal Superior do Trabalho.  “Surge merecedora da pecha de inconstitucional a norma do regimento interno do TST que dispõe sobre a reclamação. Não se encontrando esta versada na Consolidação das Leis do Trabalho, impossível seria institui-la mediante deliberação do próprio colegiado”, disse o ministro Marco Aurélio, que foi acompanhado por unanimidade.

Tal orientação é coerente com a natureza jurídica da reclamação como decorrente de direito de petição. A inconstitucionalidade declarada aos artigos do Regimento Interno do TST que versam sobre a reclamação, dando a esta contornos de recurso reforça  esse entendimento.

Natureza de ação: O Prof. Eduardo Arruda Alvim[8] acompanha a posição de Tereza Arruda Alvim, Luiz Rodrigues Wambier, José Miguel Garcia Medina, José da Silva Pacheco, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Leonardo L. Morato, que entendem a natureza de ação da reclamação. A reclamação refere-se a medida jurisdicional, de que podem vale-se as partes para alterar a decisão judicial.

Neste mesmo sentido, para Arlete Inês Aurelli[9] o direito petição e o de ação são inconfundíveis. O direito de petição garante a qualquer um reclamar direitos perante o Poder Público, tendo em vista abuso de poder ou ilegalidade, sendo incondicionado. Já o direito de ação, ou direito de pleitear a prestação da tutela jurisdicional somente pode ser exercido se presentes as condições da ação, como se dá na reclamação, visto que para propor a reclamação é preciso deter legitimidade conferida pela lei e ter interesse processual. Ainda para esta autora a reclamação é do tipo de ação mandamental, eis que refere-se a decisão a verdadeira ordem.

Importante frisar que, independente da natureza determinada para a reclamação, esta tem o poder de cassação, não de revisão. Julgando-se procedente, o tribunal anula o ato administrativo ou cassa a decisão judicial, determinando à administração ou ao órgão judicial que profira outra decisão no lugar daquela.

 4.   EXTENSÃO DA RECLAMAÇÃO AOS DEMAIS TRIBUNAIS

Um debate que se estabelece é se podem os tribunais locais criarem, em seus regimentos internos, reclamação para garantir que não haja usurpação de suas competências ou desrespeito à autoridade de decisão deles emanada – tópico este que também divide a posição da doutrina pátria.

Favoravelmente a esta possibilidade para Nelson Nery[10], a previsão constitucional da reclamação faz as vezes de indicação da via de impugnação adequada, e não impede que esta seja aplicável a outros tribunais. Entretanto, tendo em vista a regulamentação da reclamação pelo novo CPC, uma vez que existe lei federal prevendo o instituto não faz sentido que os institutos previstos regimentalmente devam prevalecer sobre o CPC  – até porque, o artigo 988 do CPC utiliza-se genericamente do termo “tribunal”, sem se ater a um ou outro órgão, o que leva a crer que em todos os tribunais seja possível a reclamação.

Por outro lado, contra esta possibilidade apresenta-se a posição de Cassio Scarpinella e Marcelo Navarro Ribeiro Dantas[11], para quem a Constituição Federal previu a reclamação apenas no âmbito do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal De Justiça, sendo indevida a sua extensão aos tribunais locais. “O que não se admite é a extensão indiscriminada da reclamação a quaisquer cortes e juízos, não apenas pelos problemas práticos que isso poderia acarretar, mas, fundamentalmente, porque o sistema em vigor, decorrente da Constituição e das leis, não o admite”.

Neste mesmo sentido, reconhecendo a inconstitucionalidade do regimento interno que cria a reclamação  é a decisão proferida no RITST 190 a 194 – Supremo Tribunal Federal, Pleno, RE 405031-Al., rel. Ministro Marco Aurélio, j. 15.10.2008.

O mesmo debate se aplica na possibilidade de criação de reclamação pelos Tribunais Regionais Federais, em seus respectivos regimentos internos, na medida em que o artigo 108 da Constituição não elenca a reclamação no  âmbito destes tribunais.

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I – processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;

c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;

d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal;

e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;

II – julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

A posição de Nelson Nery[12] é de que, tendo em vista a regulamentação da reclamação pelo CPC, uma vez que existe lei federal prevendo o instituto, não faz sentido que os institutos previstos regimentalmente devam prevalecer sobre o CPC. Até porque, como já dito neste artigo, o artigo 988 do CPC utiliza-se genericamente do termo “tribunal”, sem se ater a um ou outro órgão, o que leva a crer que em todos os tribunais seja possível a reclamação.

 5.   DISTINÇÃO ENTRE  RECLAMAÇÃO E OUTROS INSTITUTOS

Interessa também neste trabalho traçar a distinção entre a reclamação constitucional e outros institutos, como a correição parcial, o sucedâneo recursal, sucedâneo de ação rescisória e tutela jurisdicional.

A correição parcial refere-se a medida administrativa ou disciplinar que visa levar a conhecimento do Tribunal error in procedendo do juiz que acarretou abuso ou inversão tumultuária do processo – quando para o caso não existir recurso previsto na lei processual.

Para Cássio Scarpinella Bueno[13] seu objetivo é “verificar a regularidade da atuação judicial relativamente aos expedientes ou serviços forenses”. Para Adalberto Narciso Hommerding[14] a correição parcial refere-se a atividade administrativa do juiz e não a atividade jurisdicional. “Não interfere, assim, no curso da lide”.

Em síntese, a diferença entra a correição parcial e a reclamação está no fato de que a primeira refere-se a medida administrativa-disciplinar da magistratura, enquanto a reclamação visa garantir a autoridade das decisões e competência do tribunal. Uma visa disciplinar a magistratura outra garantir a decisão.

No que tange ao sucedâneo recursal, na posição do Prof. Eduardo Arruda Alvim[15] este tem finalidade semelhante a dos recursos, no sentido de reanálise de decisão, objetivo ao qual não se preza a reclamação.  Também acordo com Nelson Nery[16] a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo recursal ou como meio de dirimir divergência jurisprudencial. Neste sentido a decisão do Superior Tribunal De Justiça, 1ª Seção, AgRgRcl 14786-SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 13.11.2013, DJUE 5.12.2013. Por outro lado, Alcides de Mendonça Lima[17] defende der a reclamação utilizada como sucedâneo recursal.

A reclamação tem também objetivo diverso do sucedâneo de ação rescisória, de forma que aquela não pode ser usada como esta. A ação rescisória volta-se à desconstituição da coisa julgada que recai sobre decisão que tenha apreciado o mérito e ou que tenha transitado em julgado quando presentes ao menos um dos fundamentos do art. 485 do Código de processo Civil.

Também não se admite correlação com a tutela jurisdicional, tendo em vista  que a reclamação não é o meio hábil a alcançar-se o empréstimo de efeito suspensivo a recurso interposto. Descabe confundir reclamação com tutela antecipada. Neste sentido a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, Pleno, Rcl 968-DF, rel. Min. Marco Aurélio, v.u., j. 19.04.2001, DJU 29.6.2001, p. 35.

 6. CONCLUSÕES

Sem dúvida alguma, trata-se a reclamação constitucional de instituto processual fundamental no contexto da aplicação do direito para atingir maior uniformidade,  isonomia, proteção da confiança,  credibilidade do sistema jurídico e segurança jurídica, certamente motivo pelo qual vem ganhando cada vez mais espaço na legislação pátria.

De qualquer modo, não se pode deixar de citar a análise feita por Tereza Arruda Alvim Wambier, nas considerações que fez no prefácio livro Reclamação Constitucional, que apresenta uma coletânea de textos escritos por diversos especialistas, sobretudo em matéria processual. Nas palavras da professora “as hipóteses de cabimento da reclamação (seja lá como deva ser classificado este instituto) demonstram que, em outras circunstâncias culturais, este poderia nem mesmo existir, de tão excepcionais que seriam as situações que ensejam o seu uso”. Ora, a reclamação tem como finalidade corrigir distorções consideradas inadmissíveis, como a invasão da autoridade dos tribunais e a preservação da autoridade de suas decisões. Em uma sociedade em que houvesse maior respeito à justiça, desnecessário seria este remédio.

A preocupação que se apresenta neste momento, com a introdução na reclamação no novo código, é com a possibilidade de proliferação desenfreada desta ação, o que sem dúvida desvirtuaria a sua finalidade e, ao contrário do que se pretende com a nova filosofia processual, atolaria os tribunais com petições desnecessárias. Extremamente importante a consciência do instrumentador do direito no sentido de adotar postura mais restritiva, evitando assim que os órgãos recursais se transformem em devastadores revisores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REMÉDIO ALECRIM, Eliza. Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário  pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015-2017).



[1] NOGUEIRA, P. H. P.; COSTA, E.J.F. (Org.) Reclamação Constitucional.. São Paulo: Editora JusPodivm, 2013.

[2] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R.M.A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

[3] LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

[4] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R.M.A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil, p. 198-199.

[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil, Malheiros, 2003, p. 196.

[7] DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro. Sergio Antonio Fabris, 2000.

[8] ALVIM, Eduardo Arruda.. Reclamação e Ação Direta de Inconstitucionalidade. In.: Reclamação Constitucional São Paulo: Editora JusPodivm, 2013. pág. 153.

[9] AURELLI, Arlete Inês. Reclamação Constitucional. Condições da Ação para o Exercício da Reclamação Constitucional. Ed. JusPOPIVM, 2013,  p. 22.

[10] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R.M.A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

[11] DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação Constitucional no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Fabris, 2000,  pag. 271.

[12] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R.M.A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

[13] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.

[14] HOMMERDING, Adalberto Narciso. Reclamação e Correição Parcial: Critérios para distinção. In.: Reclamação Constitucional. São Paulo: Ed. JusPODIVM,  2013. pág.57.

[15] ALVIM, Eduardo Arruda. Reclamação e Ação Direta de Inconstitucionalidade . In.: Reclamação Constitucional. São Paulo: Editora JusPodivm, 2013. pág. 152.

[16] NERY JÚNIOR, N.; NERY, R.M.A. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

[17] NOGUEIRA, P. H. P.; COSTA, E.J.F. (Org.) Reclamação Constitucional.. São Paulo: Editora JusPodivm, 2013.

Como citar e referenciar este artigo:
ALECRIM, Eliza Remédio. A tendência da reclamação constitucional com a sua inclusão no novo Código de Processo Civil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-tendencia-da-reclamacao-constitucional-com-a-sua-inclusao-no-novo-codigo-de-processo-civil/ Acesso em: 26 abr. 2024