Processo Civil

Divisão judiciária da primeira instância da Justiça Comum: distinção terminológica entre fórum, foro e juízo

*Versão alterada de artigo originalmente publicado no Boletim Conteúdo Jurídico, nº 483, págs. 38-49, 17 nov. 2015.

RESUMO : O exercício da jurisdição pelos juízes togados está limitado em unidades territoriais; essas unidades são denominadas de foro. O foro é dividido em outras unidades jurisdicionais, que são chamadas de juízo. O objetivo do presente artigo é abordar as diferenças terminológicas dos vocábulos “fórum”, “foro” e “juízo” e seus respectivos sinônimos; porém, nos limitaremos ao estudo destes termos na primeira instância da Justiça Comum brasileira.

Palavras-chave : Justiça Comum; Primeira Instância; Divisão Judiciária; Fórum; Foro; Juízo; Distinção.

1. INTRODUÇÃO

 

O Estado exerce o monopólio da jurisdição, entendida, de acordo com Daniel Amorim Assumpção Neves (2011, pág. 3), como “ a atuação estatal visando a aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução a pacificação social.”

A função jurisdicional é una, mas isso não significa dizer que um mesmo juiz possa processar e julgar todas as causas. Em razão disso, o Estado distribui esse poder de julgar entre vários juízes e Tribunais. A essa limitação do poder jurisdicional dá-se o nome de competência. [1]

 

A distribuição do poder de julgar é feita por meio da instituição de organismos distintos, em que se outorga a cada um deles um setor das grandes “massas de litígio” que precisam ser processadas no país, visando obter uma divisão racional do trabalho. [2]

Por essa razão, a Constituição Federal dividiu o Judiciário em Justiça Especial e Justiça Comum.

 

A Justiça Especial é constituída pela Justiça Militar (arts. 122/124 e 125, § 3º), Justiça Eleitoral (arts. 118/121) e Justiça do Trabalho (arts. 111 a 116).

Por sua vez, a Justiça Comum é formada pela Justiça Federal (arts. 106 a 110) e pelas Justiças Estaduais (arts. 125/126).

 

As matérias que não são da competência de uma das Justiças Especiais, são da Justiça Comum. Na Justiça Comum, mais uma vez, usa-se o critério da exclusão; assim, as causas que não são da competência da Justiça Federal (art. 109), são de algumas das Justiças Estaduais – competência residual. [3]

Tanto a Justiça Federal quanto a Justiça dos Estados são dividas em unidades jurisdicionais denominadas, naquela, de “Seção Judiciária” e “Subseção Judiciária”, e, nesta, de “Comarca”. Nos dois ramos da justiça comum, os “foros” são divididos em outros órgãos jurisdicionais menores, chamados de “varas” ou “juizados especiais”.

2. FORO: COMARCA, SEÇÃO e SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA

 

Em sentido geral, foro é a base territorial sobre o qual determinado órgão judiciário exerce a sua competência. O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores possuem foro sobre todo o território nacional. Os Tribunais de Justiça possuem-no sobre os Estados em que estão instalados; e os Tribunais Regionais Federais, nas regiões que lhes são afetas. [4]

Dispõe o artigo 110, caput, da Constituição Federal, que cada Estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária, que terá por sede a respectiva capital, e varas localizadas segundo o disposto em lei.

As seções judiciárias constituem unidades territoriais que delimitam o exercício da jurisdição pelos Juízes Federais. Márcio André Lopes Cavalcante lembra-nos, ainda, que a Justiça Federal é organizada, no interior dos Estados, em unidades jurisdicionais chamadas de subseções:

[…] em se tratando de Justiça Federal, não é correto falarmos em comarca, mas sim seção judiciária. […]. No início, somente havia Justiça Federal nas capitais e outras grandes cidades. No entanto, isso foi mudando com o movimento chamado de “interiorização da Justiça Federal”. No interior do Estado, a Justiça Federal é organizada em Subseções Judiciárias. Ex: na seção judiciária da Bahia, cuja sede é Salvador, existem 24 varas federais. No entanto, além disso, existem varas federais no interior do Estado. Lá, elas são chamadas de subseções judiciárias.É o caso da subseção judiciária de Feira de Santana (BA), onde existem três varas federais. […] – Grifo próprio. [5]

A Justiça Comum dos Estados, por sua vez, é divida em unidades jurisdicionais chamadas de “comarcas”. Sobre este termo, De Plácido e Silva, em seu “Vocabulário Jurídico Conciso” (2010, pág. 169), nos diz que:

Comarca . Embora se atribua a derivação do vocábulo do latim comarchus (governador de uma povoação), melhor se dá sua origem do alemão marca, que quer dizer limite e traz o sentido de território com limites certos ou com marca. Assim,designa o território, a circunscrição territorial, compreendida pelos limites em que se encerra a jurisdição de um Juiz de Direito. – Grifo próprio.

A comarca é, pois, a limitação territorial do exercício da jurisdição pelos juízes togados dos Estados.

Cintra, Grinover e Dinamarco, na clássica obra “Teoria Geral do Processo” (2011, págs. 192/193), ao discorrerem sobre os foros judiciais, registraram que:

Assim é, por exemplo, que, para efeitos da Justiça Federal, o país está divido em tantas seções judiciárias quantos são os Estados, havendo também uma seção que corresponde ao Distrito Federal (Const., art. 110); nas Justiças Estaduais há ainda a divisão de cada unidade federada emcomarcas. […] A comarca e a seção judiciária constituem o foro (isto é, território em que o juiz exerce a jurisdição). Num só foro pode haver um ou mais juízos (varas, juntas de conciliação e julgamento etc.). [6]

Portanto, a comarca é a delimitação territorial da jurisdição exercida pelos juízes do Poder Judiciário dos Estados; ao passo que a seção judiciária – nas capitais – e a subseção judiciária – nos municípios do interior dos Estados – são limitações ao âmbito territorial do exercício da jurisdição pelos juízes federais.

3. JUÍZO: VARA ou JUIZADO

Os foros (comarcas, seções ou subseções judiciárias) são divididos em unidades jurisdicionais menores, chamadas de juízo. [7]

O termo Juízo deriva do latim judicium (ação de julgar, julgamento). De Plácido e Silva diz que há duas acepções para o vocábulo juízo: 1) Em sentido restrito, é o local em que o juiz exerce as suas funções; e 2) em sentido amplo, significa a própria discussão da causa. [8]

Usaremos, neste estudo, a palavra “Juízo” em seu sentido restrito. Nesta acepção, o conceito de “juízo” coincide com o das “varas”, que são unidades judiciárias integradas pelo juiz e seus auxiliares. [9]

Vara – ou juízo – é a denominação que se dá a cada uma das divisões de jurisdição nos foros da primeira instância onde há mais de um juiz. [10]

Nas comarcas ou subseções judiciárias de vara única (em que há apenas uma vara), os conceitos de foro e juízo se confundirão; isso porque o juiz do mencionado foro será competente para processar e julgar todas as causas que lhe forem submetidas [11], não havendo distribuição das ações. [12]

O artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, determinou a criação dos “juizados especiais”, com competência para o processo, o julgamento e a conciliação das causas cíveis de menor complexidade e as infrações penais de menor potencial ofensivo.

O “juizado” é, também, uma divisão da jurisdição nas comarcas, seções ou subseções judiciárias. Assim, podemos concluir que se trata de um termo sinônimo de “juízo”, pois um foro pode ter inúmeros juizados e/ou varas.

4. FÓRUM versus FORO

 

Em consulta a dicionários da Língua Portuguesa, observa-se que os termos “fórum” e “foro” são assim definidos:

Foro . s.m. (lat. forum). 1. Lugar em que o Poder Judiciário desempenha suas funções; fórum. 2. Tribunal em que se administra a justiça. 3. Alçada, jurisdição.

Fórum . s.m. (lat. forum). 1. Foro. 2. Lugar onde o povo se reunia na Roma antiga. – Grifo nosso.

[Larousse, Ática: Dicionário da Língua Portuguesa – Paris: Larousse/São Paulo: Ática, 2001. págs. 455 e 456].

Sinônimos de Foro . 1. Centro. 2. Competência. 3. Alçada, foral, prerrogativa, tribunal, justiça, pensão, juízo, direito, jurisdição, fórum. – Grifo nosso.

[Dicionário de Sinônimos Online. Disponível em: http://www.sinonimos.com.br/foro/ Acessado em 06.11.2015.]

Como se vê, os dicionários da nossa Língua Portuguesa costumam atribuir o mesmo valor semântico às palavras fórum e foro. Porém, na terminologia jurídica não é adequado conceituar estes vocábulos como se sinônimos fossem.

A diferença conceitual desses termos é trabalhada por Wanderlei José dos Reis em sua obra “Diretoria de Foro e Administração Judiciária” (2011, págs. 66/67). Vejamos:

Insta destacar, de proêmio, sem adentrarmos em discussão semântica, que fórum e foro são termos com significados diversos, embora muitos os utilizem como se sinônimos fossem. Fórum (ou forum) é o locus, o lugar, o espaço físico, as instalações ou o prédio onde funcionam os órgãos do Poder Judiciário no âmbito do primeiro grau de jurisdição (unidade judiciária). Foro, por sua vez, tem um sentido mais amplo, podendo assumir tanto o significado da palavra “fórum”, quanto o de área de jurisdição, área de atribuição […]. Assim, a designação foro é mais ampla e abarca o termo fórum […].

Em conclusão, conforme já vimos, foro é a delimitação territorial do exercício da jurisdição pelos juízes togados, e fórum é o edifício – ou imóvel – onde as instalações do Poder Judiciário do primeiro grau estão localizadas; é, em outras palavras, o endereço em que as varas e a administração do foro da primeira instância estão situadas.

CONCLUSÃO: A jurisdição é una e não comporta divisões; porém, para racionalizar o trabalho dos juízes, ela está dividida em unidades jurisdicionais, dando ensejo a limitações ao exercício da função jurisdicional pelos magistrados. No âmbito da Justiça Federal, a jurisdição no território nacional foi dividida em seção e subseção judiciária; aquela, quando situada na Capital dos Estados; esta, quando nos municípios do interior. Na Justiça Comum dos Estados, o exercício da jurisdição foi dividido em unidades territoriais chamadas decomarcas. Na primeira instância da Justiça Comum, os termos seção e subseção judiciária e comarca são expressões sinônimas de foro. Nos foros estão situados os juízos, que são também chamados de varas – na Justiça Comum – e juizado – no âmbito dos Juizados Especiais. Quanto à diferença entre fórum e foro, este é a limitação do exercício da jurisdição dos magistrados a determinadas unidades territoriais; ao passo que aquele é o prédio – ou imóvel – em que as instalações do foro de primeiro grau estão localizadas. Por fim, destacamos que tanto o CPC de 1973 quanto o de 2015 usam os termos “foro” e “juízo” para formular regras de competência; daí resultando a importância em saber diferenciá-los.

 

NOTAS :

[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: JusPODIVM, 2015. pág. 319.

[2] CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. pág. 195.

[3] CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, op. cit. pág. 196/197.

[4] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. pág. 93.

[5] Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2014/09/o-2-do-art-109-da-cf88-aplica-se-tambem.html#more Acessado em 02/11/2015.

[6] No mesmo sentido: “Em primeira instância, perante a Justiça Estadual, foro é designação utilizada como sinônimo de comarca. Todos os Estados estão divididos em comarcas, sobre os quais os juízes de primeiro grau exercem a sua jurisdição.” GONÇALVES, op. cit. pág. 93.

[7] Lembra-nos Marcus Vinicius Rios Gonçalves (op. cit. pág. 94) que não se pode confundir “foro” com “juízo”: “ Com foro não se confundem os juízos, unidades judiciárias, integradas pelo juiz e seus auxiliares. Na justiça comum estadual o conceito de juízo coincide com o das varas. Uma comarca pode ter numerosas varas, isto é, diversos juízos. Quando se busca apurar em que comarca determinada demanda deve ser proposta, está-se em busca do foro competente. Quando, dentro da comarca, procura-se a vara em que a demanda deve ser aforada, a dúvida será sobre o juízo competente.” – Destaque do próprio livro.

[8] SILVA, De Plácido e, 1892-1964. Vocabulário jurídico conciso; atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. – 2. ed.- Rio d Janeiro: Forense, 2010. pág. 463.

[9] GONÇALVES, op. cit. pág. 94.

[10] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2009. pág. 586.

[11] O foro é uma divisão territorial do exercício da jurisdição pelos magistrados; os juízos são divisões da jurisdição dentro do próprio foro. Saber se o foro possui apenas um ou mais juízos gera importantes efeitos práticos, não se tratando de mero apego ao rigor terminológico. Por ex. o artigo 167, parágrafo 5º, do CPC de 2015, diz que os conciliadores estão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções; se o foro que o conciliador estiver atuando tiver apenas uma vara, ele será impedido de exercer a advocacia em toda a comarca, seção ou subseção judiciária; porém, se o foro tiver mais de um juízo, o conciliador somente não poderá advogar naquele em que estiver exercendo sua função.

[12] Art. 43 do CPC/2015: Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial , sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.” Grifo nosso. Nos foros de vara única haverá apenas o registro da petição inicial, isso porque nos referidos foros só há um juiz responsável por toda a seção ou subseção judiciária (Justiça Federal) ou comarca (Justiça dos Estados). 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrine. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

LAROUSSE, Ática: Dicionário da Língua Portuguesa – Paris: Larousse/São Paulo: Ática, 2001.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: JusPODIVM, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

REIS, Wanderlei José dos. Diretoria de Foro e Administração Judiciária. Curitiba: Juruá, 2011.

SILVA, De Plácido e, 1892-1964. Vocabulário jurídico conciso; atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. – 2. ed.- Rio d Janeiro: Forense, 2010.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O § 2º do art. 109 da CF/88 aplica-se também para ações propostas contra autarquias federais. Disponível em: http://www.dizerodireito.com.br/2014/09/o-2-do-art-109-da-cf88-aplica-se-tambem.html#more Acessado em 02/11/2015.

DICIONÁRIO DE SINÔNIMOS ONLINE . Disponível em: http://www.sinonimos.com.br/ Acessado em 06/11/2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acessado em 24/10/2015.

_____. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm Acessado em 24/10/2015.

_____. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm Acessado em 24/10/2015.

Thiago Borges Mesquita de Lima é bacharel em Direito pelo Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura, advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso e conciliador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, lotado na 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Cuiabá.

Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Thiago Borges Mesquita de. Divisão judiciária da primeira instância da Justiça Comum: distinção terminológica entre fórum, foro e juízo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/divisao-judiciaria-da-primeira-instancia-da-justica-comum-distincao-terminologica-entre-forum-foro-e-juizo/ Acesso em: 29 mar. 2024