Processo Civil

A Fraude à Execução no Direito Processual Civil

A Fraude à Execução no Direito Processual Civil

 

 

Jucélia Maria da Silva *

 

 

RESUMO

Nos propomos a discorrer sobre o tema Fraude à Execução, cujo estudo tem apresentado calorosas discussões, visto ser divergente a sua interpretação pelos nossos tribunais. Queremos aqui, salientar de maneira geral sobre a ocorrência da fraude à execução. Pretendemos demonstrar as principais características, conceitos, diferenças e também levantar pontos relevantes e porque não dizer polêmicos. Pois conhecendo a fraude à execução poderemos melhor discutir o tema e encontrar uma solução diferente da corrente majoritária. No entanto, não temos a pretensão de esgotar o assunto, porque seria muito difícil visto ser extensa a matéria em comento neste humilde artigo.

 

PALAVRAS-CHAVE: Fraude à execução. Contra credores. Terceiro. Alienação.  Efeitos legais.

 

 

1 – INTRODUÇÃO

 

Este artigo científico trata da fraude à execução, com base nos arts. 593 inciso I e II; e do art. 592 do Código de Processo Civil.

 

Apresentaremos inicialmente as linhas gerais sobre esse instituto, abordando as diferenças existentes entre fraude à execução e a fraude contra credores, bem como analisando os aspectos mais importantes na configuração da fraude à execução, visto ter o momento de sua ocorrência, quando da citação, várias correntes.

 

A metodologia utilizada será baseada em um referencial teórico de compilação das obras de vários doutrinadores brasileiros. Temos como objetivo, não esgotar o tema, mas demonstrar a importância da sua discussão para que sua má interpretação não acabe por causar sérios danos à segurança jurídica, tornando legítimas condutas injuriosas de devedores que tentam burlar a justiça, portanto, evidente é o prejuízo tanto do credor quanto à justiça, sendo desmoralizada por tais condutas, assim sendo clara a ofensa ao princípio da efetividade do processo. Princípio este tão precioso para o nosso ordenamento Jurídico.

 

 

2 Objeto jurídico da fraude à execução

 

O objeto jurídico do instituto da fraude à execução é dar segurança às relações jurídicas objeto de questionamento em juízo, mais especificamente, não permite que na pendência do processo, o devedor aliene bens, frustrando a execução e impedindo a satisfação do credor mediante a expropriação de bens.

 

Logo, a fraude à execução visa impedir atos de alienação fraudulentos ou, apenas, reputá-los ineficazes, em vista da pendência do processo. Vale mencionar pensamento do professor e jurista Ronaldo Brêtas  de Carvalho Dias :

“A teoria da ineficácia dos atos de alienação ou de oneração, inoponíveis à parte que deles sofra prejuízo e que vem claramente acolhida na norma do art. 619 do CPC… Ao nosso juízo, essa construção do processo civil brasileiro, de certa forma, está associada à idéia de se assegurar ao credor a plena efetividade do processo de execução”.

 

Desse modo, acaba por permitir que a justiça realize o fim precípuo do processo de execução, que é a expropriação de bens do devedor para satisfação do crédito do credor.

 

 

3 Conceituando a fraude à execução

 

Primeiramente se faz necessário conceituar a Fraude à Execução. Temos então que a fraude à execução é a alienação de bens pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva em seu patrimônio, de bens suficientes para garantir o débito objeto de cobrança.

 

Notamos, que se trata de um instituto de direito processual, regulado na lei adjetiva no nosso Código de Processo Civil em seu art. 593 e que não se confunde com a fraude contra credores prevista nos arts. 106 e ss. do Código Civil Brasileiro. Segundo o renomado doutrinador Moacyr Amaral Santos , tratar-se “a fraude de execução de modalidade de alienação fraudulenta, assim como a fraude contra credores”.

 

Esta modalidade de alienação fraudulenta, ao contrário da fraude contra credores, ocorre no processo de condenação ou de execução. É mais grave do que a fraude contra credores, tendo em vista que frustra a função jurisdicional em curso, subtraindo o objeto sobre o qual recai a execução.

 

A fraude à execução é repelida com mais energia pelo ordenamento jurídico. Assim, não há necessidade de que se proponha ação alguma para anular o ato que frauda a execução: o ato é considerado ineficaz pela legislação, já que não é oponível contra o exeqüente. O negócio jurídico que frauda a execução gera pleno efeito entre alienante e adquirente, ao contrário do que ocorre na fraude contra credores, mas não pode ser oposto contra o exeqüente.

 

E temos ainda que a diferença básica entre a fraude à execução e a fraude contra credores é a seguinte: a fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos, é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor. Já a fraude à execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação.

 

Então de acordo com o Código de Processo Civil, a fraude à execução ocorre quando a alienação ou a oneração: a) recai sobre bens sobre os quais pende ação fundada em direito real; b) ocorre quando corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; e c) incide em outras hipóteses previstas em lei. (art, 593, CPC).

 

Temos que diferenciar o inciso I do art. 593 do inciso I do art. 592 do Código de Processo Civil, tendo em vista que ambos regem o direito de seqüela (direito do proprietário de buscar seu bem aonde quer que ele esteja), inerente a todos os direitos reais. O art. 592, I, trata da ineficácia da alienação ocorrida após a sentença proferida na ação real, enquanto o art. 593, I, a seu turno, cuida da ineficácia da alienação anterior ao julgamento definitivo da causa.

Sendo assim, há duas hipóteses a serem consideradas: a primeira ocorre quando a citação, na ação, tiver sido levada à inscrição no Registro Geral de Imóveis, a fraude não depende de prova, porque se presume do registro que o fato registrado é de conhecimento de todos e, portanto, do adquirente dos bens ou daquele em favor de quem foi feita a oneração do mesmo; o bem está vinculado especificamente à execução. A segunda hipótese ocorre quando não tiver sido levada a citação a registro, cumprindo ao exeqüente provar a fraude que, por sua vez, concretiza-se quando não há tal vínculo.

 

Temos segundo jurisprudência :

 

“A fraude à execução é crime de que só cogita a lei penal na pendência de uma lide civil, que só tem lugar após a citação do devedor para o processo, quer de conhecimento ou de execução”.

 

 

4 A posição do terceiro adquirente

 

A posição da jurisprudência quanto ao terceiro adquirente do bem judicialmente gravado (penhora, seqüestro ou arresto), é de que a aquisição é ineficaz. Assim se posiciona a jurisprudência:

 

“EXECUÇÃO–FRAUDE. A alienação de bem judicialmente constrito é ineficaz, sendo desnecessário demonstrar insolvência do executado. Na fraude de execução, o ato de alienação do bem constrito não é nulo ou inválido, mas ineficaz em relação ao credor e ao processo executivo, permanecendo válida entre as partes alienantes e adquirentes”.

 

Portanto na fraude à execução,  a posição do terceiro adquirente é de que poderá ingressar em juízo como assistente do alienante, mas não como parte. Já que a legitimidade ad causam  reside na pessoa do alienante, conforme art.  42 do CPC.  Contudo, mesmo no caso de não se tornar  assistente, ao terceiro adquirente garante-se o contraditório, antes de consumar-se a expropriação em beneficio do credor, na execução. Sendo que a penhora não registrada não torna ineficaz a alienação efetivada por terceiro, que não o executado, se fazendo necessária a prova de que o adquirente tinha conhecimento da fraude.

 

 

5 Outras hipóteses em que a lei prevê a fraude à execução

 

O nosso Código de Processo Civil dispõe, ainda, outras hipóteses em que a lei preveja a fraude à execução.

 

Na penhora de crédito, representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, a apreensão do documento far-se-á esteja ele, ou não, em poder do devedor (CPC, art. 672). ‘ Se o terceiro negar o débito em conluio com o devedor, a quitação, que este lhe der, considerar-se-á em fraude de execução’ (CPC, art. 672, §3º).

 

Na licitação de imóvel hipotecado, nos termos do art. 816, §§ 2º e 3º, do Código Civil.

 

No caso de hipoteca judicial (CC, art. 824), que, como direito real provido de seqüela, acompanha o imóvel do executado, que pode ser penhorado em poder de quem o tiver adquirido.

 

 

6 O momento de configuração da fraude à  execução

 

Iniciamos com uma pequena indagação para configurar o momento da fraude à execução, basta a propositura da ação ou exige-se a citação válida?

 

O grande doutrinador Nelson Nery Júnior  sustenta que:

 

“A alienação ou oneração de bens após a simples propositura da ação (art. 263, 1.ª parte, CPC), ainda que realizada antes de realizada a citação válida (art. 219, CPC), se presume configurada a fraude de execução (art. 593, CPC)”.

 

O Superior Tribunal de Justiça, limitou-se, entretanto, a reconhecer a fraude, quando há prova de que, ciente da demanda, o devedor escusou-se em receber a citação e, nesse lapso de tempo, alienou bens fraudulentamente.

 

Entretanto, algumas decisões, apontam no sentido da posição de que para se admitir a fraude à execução é necessário, ao menos que o imóvel tenha sido alienado posteriormente à propositura da ação executiva, de modo a admitir a existência da fraude à execução independentemente de citação do devedor na ação executiva.

 

Por isso, o momento de configuração da fraude a execução é de grande discussão no nosso direito. É sabido que a alienação do bem garantidor do processo de execução, buscando a insolvência, é o primeiro passo para evidenciar a fraude. No entanto, resta para muitos identificar o momento de sua configuração.

 

Discorremos abaixo as três teorias que apontam o momento a ser considerado para caracterizar a fraude à execução, segundo a doutrina e jurisprudências.

 

A primeira teoria conforme entendimento de Yussef Said Cahali : “a fraude à execução se configura com a alienação do imóvel depois do simples protocolo da petição inicial na distribuição do fórum”.

 

A segunda teoria conta com apoio de Nelson Nery Júnior :

 

“é a que considera fraudulenta a alienação do imóvel somente após a citação do executado, já que é com a citação que o devedor tem ciência da ação e, alienando o bem, estará, incontestavelmente, agindo de má-fé”.

 

A terceira teoria é defendida por aqueles que estão diretamente ligados à área registral.

 

Podemos citar Walter Ceneviva , que considera:

 

“em fraude à execução a alienação do bem após o registro da citação e da penhora no cartório de registro de imóveis, em razão dos princípios da publicidade e da fé pública, pois, a contrário sensu, não estaria o registro trazendo a segurança aos negócios jurídicos conforme determina a lei, perdendo seu objeto”.

 

 

6.1 Alienação após a distribuição da demanda

 

Suscita-se, como ponto central desta teoria o início da formação do processo de execução.

 

O Código de Processo Civil, art. 593, determina que “Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: […] II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; […]”.

 

Nota-se que o inciso II apresenta uma condição para a caracterização da fraude contra a execução: a existência de demanda contra o devedor. Porém, o legislador não precisou o significado da expressão “corria contra o devedor demanda”, deixando margens para várias interpretações.

 

É na omissão do legislador que se busca o fundamento para justificar a fraude contra o processo executivo. Se o que está em questão é o momento de início da demanda, encontrou-se abrigo no próprio código processual , precisamente no art. 263, assim redigido:

 

“Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no artigo 219 depois que for validamente citado”.

 

Sobre a exigibilidade da citação, não nos parece que, no exato  texto do art. 593, II, do CPC, tenha o legislador pretendido que a existência da demanda em curso esteja condicionada à citação do devedor, como se não bastasse o simples ajuizamento da ação contra aquele.

 

Entretanto, não devemos presumir a má redação da lei, e se o Código, ao prever a fraude de execução, refere-se à ação que corria contra o devedor, ao invés de valer-se da expressão tecnicamente definida, de litispendência, deve-se ver nele aquilo que ressalta, o curso da ação se dá pela sua distribuição, momento a partir do qual passam a ser observados os atos do processo, e que, no caso da execução, podem atingir até mesmo o aperfeiçoamento da constrição judicial sem que tenha havido, até então, citação.

Segundo os seguidores desta primeira teoria, depois de movimentada a máquina estatal, todas as alienações supervenientes ao protocolo da petição inicial devem ser consideradas em fraude à execução, nos termos do art. 593, inciso II.

 

A citação deixa, de ser requisito indispensável para a declaração da fraude à execução também por outros motivos, como, por exemplo, o fato de o devedor poder esquivar-se do ato objetivando retardar o processo executivo, o que não é raro na prática forense brasileira.

 

A constrição de bens é tão importante para o processo executivo que a lei prevê, caso não seja encontrado o réu, o arresto de bens suficientes para garantir a execução, podendo, inclusive, depois de certo lapso de tempo, vir a ser convertido em penhora (art. 654 do CPC).

 

Conforme se pode inferir do constante no caput do art. 652, a citação não tem como principal motivo dar ciência ao devedor de que está sendo demandado. Na execução o ato citatório assume outro papel: o de chamar o devedor aos autos para pagar a dívida ou nomear bens à penhora, e não para responder à ação proposta.

 

Se a citação do devedor no processo executivo perde o seu caráter informador, dando-se prioridade ao direito insculpido no título executivo, que requer a garantia do juízo, então não mais se a tem como ato indispensável. O art. 652 é claro: “O devedor será citado para, no prazo de vinte e quatro horas, pagar ou nomear bens à penhora”.

Tem este artigo do CPC o seguinte objetivo, o pagamento da dívida ou a garantia da execução.

 

 

6.2 Alienação após a citação válida

 

Para essa corrente o estrito respeito aos atos processuais é o seu principal fundamento, interpretação essa retirada do próprio pergaminho processual civil, art. 213: “Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado, a fim de se defender”. Na mesma esteira, o art. 214 determina que “Para a validade do processo, é indispensável a citação do réu”.

 

Sem dúvida é com a citação que o devedor toma ciência de que está sendo demandado, de que está sendo chamado ao processo para defender-se, surgindo, assim, uma obrigação oculta, reforçada pela aquisição da dívida: a de não alienar bens que o levem ao estado de insolvência. Alienando o último imóvel que integra o seu patrimônio, depois de validamente citado, restará evidente a intenção de frustrar o processo de execução. Não poderá, assim, alegar o desconhecimento acerca da litigiosidade que o abraça ao credor.

 

Mais uma vez citaremos o pensamento de Nelson Nery Junior  que ensina ser a citação:

 

“É o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que em face dele foi ajuizada pretensão, de modo a ensejar sua manifestação no processo diante do pedido do autor. É o ato que implementa, por sua excelência, o contraditório no processo civil, que se iniciou com o ajuizamento da ação pelo autor”.

 

Não podemos presumir que o devedor saiba da existência de ação que vise a satisfazer dívida por ele assumida, pelo simples fato de ser devedor, o que, diga-se de passagem, nos dias de hoje é normal. O direito de ação está condicionado à vontade do credor em acionar o judiciário para saldar seu crédito. Só através da citação o devedor deverá comparecer ao processo formando não mais uma relação biangular (devedor e credor), mas uma relação triangular, agora composta por exeqüente, juiz e executado.

 

Para o devido processamento dos feitos ajuizados, o trinômio credor – juiz – devedor deve estar perfeitamente composto, como requisito indispensável para a formação da relação jurídica processual, com vistas ao princípio do contraditório.

 

O saudoso doutrinador Arruda Alvin (2005) , comentando o art. 263 do Código de Processo Civil, sobre o início da propositura da ação, registra:

 

“Entretanto, no art. 263 considera-se proposta a ação ‘tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219, depois que for validamente citado’, em face do disposto no art. 263, 2ª frase. À primeira vista, se a lei considera proposta a ação desde o despacho da petição inicial, parece que teria adotado posição de que a relação jurídica processual ou o processo só se estabeleceria entre o autor e o juiz. Mas não é assim. Antes da citação, pelos próprios termos do art. 263, não há coisa litigiosa e, se esta não existe, não há processo em relação ao réu, nem se operam os outros efeitos, quanto ao réu, elencados no art. 219”.

 

Sendo assim, após validamente comunicado o requerido para que responda à ação, restará perfeita a relação jurídica processual, sem a qual o processo não poderá prosseguir.

 

Neste momento, torna-se essencial a análise da boa-fé daquele que está adquirindo o bem imóvel. A partir dessa análise, poder-se-á verificar com clareza se a alienação objetivou a fraude ou não.

 

Nota-se que no anseio de não cometer injustiças, deve-se sempre levar em conta o princípio da boa-fé, dando maior força e respeito àquele que toma todas as cautelas necessárias para a aquisição de um imóvel.

 

Assim, para que o adquirente seja considerado de boa-fé é necessário que fique evidenciado o mínimo de cautela. E é através das certidões forenses que o interessado na compra do bem imóvel poderá ter certeza de que o vendedor é ou não parte passiva de demanda judicial, garantindo, assim, que o bem objeto do negócio não venha a ser subtraído do patrimônio do comprador para saldar dívida em execução movida contra o vendedor. É essa a garantia que as certidões forenses proporcionam.

 

Toda via, a questão ainda não está resolvida. Sabe-se que o sistema forense brasileiro ainda não dispõe de uma certidão que tenha abrangência nacional, uma certidão que tenha o condão de comprovar que o vendedor do imóvel não está sendo processado em nenhuma comarca do país, caso em que a penhora poderia recair sobre o bem objeto da venda, mesmo que localizado em comarca distinta.

 

Fica então, na busca da plena segurança do negócio jurídico, inviável imaginar que o adquirente tenha de verificar em todas as comarcas do Brasil para ter certeza de que contra o vendedor não corre nenhuma ação.

 

O Código de Processo Civil, no seu art. 94, ao tratar da competência, assim determinou: “A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu”; verifica-se que a legislação, ao prever como competente o domicílio do réu para a propositura das ações aludidas, abriu um caminho no qual se poderá trafegar para chegar a uma solução adequada. Desta forma, terá o adquirente a obrigação de apresentar as certidões forenses extraídas da comarca do domicílio do vendedor, onde estará o juízo competente para julgá-lo.

 

Diante da dificuldade e da inviabilidade de reunir certidões de todas as comarcas do país, e levando em consideração que, além da justiça comum, existem outros juízos competentes para processar determinadas ações, como por exemplo, no caso das execuções trabalhistas, cuja competência é da Justiça do Trabalho, ou, no caso da execução fiscal, cuja competência poderá ser da Justiça Federal ou Estadual, a doutrina e jurisprudência têm adotado a apresentação de certidões forenses apenas da comarca do domicílio do vendedor como caracterizador da cautela e, em conseqüência, da presunção da boa-fé.

 

 

6.3 Alienação após o registro da citação e da penhora

 

Acreditamos que o nosso ordenamento jurídico não deve ater-se apenas às condições que o direito formal apresenta, mas sim buscar ao lado dos auxiliares da justiça o reforço e a garantia necessários ao seu cumprimento. E o registro imobiliário cumpre bem a sua função, conforme preceitua o art. 1º da Lei de Registros Públicos: “Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta lei”.

 

Um dos principais objetivos dos registros públicos é informar à população a situação dos bens nele registrados, de maneira que os que o consultarem possam contratar, certos de que não estão agindo às escuras e de que a aquisição efetuada não se frustrará por motivos alheios a sua vontade.

 

Esta teoria é defendida pela maioria dos doutrinadores ligados à área registral imobiliária, como, por exemplo, Walter Ceneviva, entende que somente após registrada a citação e a penhora no cartório imobiliário é que será possível verificar a fraude à execução, interpretando restritivamente o que prevê o art. 240 da Lei de Registros Públicos: “O registro da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior”.

 

Apresenta ainda, a Lei de Registros Públicos, no seu art. 167, uma série de direitos sujeitos ao registro imobiliário, dentre os quais o de registrar a citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis (inciso I, n. 21), e o de averbar as decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados (inciso II, n. 12).

 

De acordo com o que acabamos de perceber, a fim de garantir seus direitos creditórios pode o credor que promove o processo executivo contra o proprietário do imóvel tornar pública qualquer pendência processual. Tais previsões buscam a proteção do adquirente de boa-fé.

 

Todo aquele que pretende adquirir um imóvel deve tomar todas as precauções necessárias para que se consolide um negócio jurídico perfeito, sem prejuízos e nem perdas. Assim, deve o pretendente comprador requisitar todas as certidões que sustentem segurança da transação imobiliária, como, no caso, a certidão negativa de ônus reais e reipersecutórios fornecida pelo registro imobiliário.

 

Informando a certidão que o imóvel se encontra livre de embaraços, não contendo nenhuma restrição quanto à presença de ações ajuizadas contra o vendedor, estará apto o terceiro a adquirir a propriedade imobiliária. Porém, se contiver a restrição quanto à presença de ação movida contra o alienante ou penhora, presumir-se-á a má-fé do adquirente, flagrando a fraude à execução.

 

Esta teoria baseia-se na segurança jurídica que o álbum imobiliário confere e na eficácia proporcionada pelas certidões, suficientes para a aquisição do imóvel e confiabilidade do negócio.

 

Contesta a corrente contraria Walter, a qual exige a prévia obtenção de certidões forenses para configurar a boa-fé do adquirente, diante da fraude contra a execução:

 

“É inaceitável a corrente exegética segundo a qual, feito negócio pertinente a imóvel, o adquirente tem o dever de obter prévias certidões forenses esclarecedoras da situação do alienante. Denunciada por elas a penhora, ainda não levada ao cartório imobiliário, e público que é o processo, aberto ao conhecimento de todos, o adquirente não se pode escusar, alegando boa-fé, dizem seus seguidores (CENEVIVA 1997,  p-445)”.

 

Não estando registradas a citação nem a penhora, para que se configure a fraude, ficará obrigado o exeqüente a comprovar por outros meios que o terceiro adquirente tinha ciência da pendência de ação ou da insolvabilidade do executado. Nesse caso, portanto, a boa-fé do adquirente se presume.

 

Se forem oferecidos ao credor meios que lhe possibilitem precaver-se de futuras frustrações com a alienação pelo devedor do único bem garantidor da execução, e ele não os utiliza, realmente o direito não poderá socorrê-lo. A lei não fornece amparo aos inertes. Conseqüentemente, não poderá a lei penalizar aquele credor que, por uma questão de cautela, registrou os atos da penhora e da citação na matrícula do imóvel, visando a produção dos efeitos erga omnes.

 

Portanto, dizem os defensores dessa teoria que não estando registrada a citação ou a penhora, caberá ao exeqüente o ônus de provar que o adquirente sabia do estado de insolvência do executado, configurando a má-fé do vendedor e do comprador.

 

 

7 Dos efeitos da declaração da fraude à execução

 

Analisadas as hipóteses legais que caracterizam fraude à execução, mister se faz se determinar os efeitos da sua decretação.

 

A fraude à execução, diferentemente da fraude contra credores, não anula ou nulifica o ato translativo de propriedade, apenas declara o mesmo ineficaz em relação ao credor prejudicado. Decorre daí que o ato continua válido e eficaz perante terceiros, só não podendo ser oposto ao credor prejudicado.

 

Segundo os arts. 593, II, do CPC e 185 do CTN, caso o adquirente do bem comprove que o alienante possui outros bens suficientes para garantir o débito ou, ainda, se o alienante ou próprio adquirente adimplirem a obrigação com o credor lesado pela fraude à execução, permanecerá íntegro o negócio jurídico.

 

Já se ocorrer a fraude à execução na forma tipificada no art. 593, I, do CPC, apenas o julgamento de improcedência da ação fundada em direito real será capaz de afastar a ocorrência de fraude. Caso a sentença tenha transitado em julgado, somente se aviada a competente ação rescisória e vindo a mesma ser julgada procedente, ficará descaracterizada a fraude, mas, de qualquer forma, a declaração de ineficácia só beneficia o credor titular do direito real. Destarte a fraude só produz efeitos jurídicos em favor do credor prejudicado, não atingindo terceiros.

 

Outro efeito da decretação de fraude à execução, é que o ato do devedor-alienante é considerado como atentatório à dignidade da justiça (CPC art. 600, II), sujeitando-o às penas do art. 601 do CPC, que prevê expressamente a possibilidade de aplicação de multa ao devedor pelo juiz, em montante não superior a 20%(vinte por cento) do valor atualizado do débito.

 

Poderá o juiz aplicar outras sanções de natureza processual ou material ao devedor. Anote-se que não existe mais a previsão expressa da sanção proibindo o devedor de falar nos autos, de modo que, à vista da nova disposição, tal pena não é mais permitida em nosso ordenamento jurídico, mesmo porque era violadora dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (CF art. 5.º, LV).

 

Temos como conseqüência extra-processual da fraude de execução, a tipificação dessa conduta como crime, capitulado no art. 179 do Código Penal, entretanto, por  se tratar de crime que só se procede mediante queixa, conforme Código Penal no seu art. 179, dependerá da propositura de ação penal privada pelo credor prejudicado.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É inegável que a discussão a respeito do instituto da fraude à execução tem gerado os mais férteis e calorosos debates por parte de doutrinadores e julgadores, na busca de melhor aplicar o direito ao caso concreto.

 

É mister que o terceiro comprador tenha a melhor cautela, com vistas a garantir o negócio que pratica, principalmente na prática da compra e venda, que constitui a uma transação.

 

A fraude à execução causa efeitos não só na relação negocial, bem como na prestação jurisdicional. Combater os atos que fraudam a execução e a própria função jurisdicional é necessário não só em atenção às partes do negócio jurídico, mas também em respeito às funções do poder judiciário, que sofre grande desprestígio em razão da fraude. É evidente que os negócios jurídicos e o próprio Direito não podem perder sua credibilidade.

 

A fraude à execução causa graves prejuízos à boa-fé e à segurança dos negócios jurídicos, motivo pelo qual deve ser reprimida na forma da lei.

 

Inúmeros são os casos em que se encontra a fraude à execução, em virtude da interpretação das normas no sentido de só declarar a fraude após a citação do devedor.

 

Considerar a fraude à execução desde a propositura da ação, não implicaria necessariamente sequer em agravação da situação do terceiro adquirente, que seria o único com direito a ser protegido na espécie, pois o devedor tem é que quitar seu débito e a expropriação do bem é exercício regular de um direito pelo credor, pois, esse terceiro, poderá ter conhecimento da ação executiva contra o devedor mesmo antes de sua citação, mediante a simples busca nos distribuidores cíveis.

 

Data vênia, citado ou não, o devedor-alienante dificilmente informará o adquirente que foi citado, que existe ação pendente, de modo que para proteger o negócio entabulado, o adquirente terá que se cercar da cautela já referida em nosso texto. Assim, a fixação da citação válida, para ocorrência da fraude de execução não altera a situação do terceiro de boa-fé e acaba por facilitar alienações fraudulentas. Esse sim é o nosso entendimento.

 

Sendo assim, para que se evite a propagação da fraude de execução, mister se faz que não fiquem impunes os seus infratores.

 

É preciso dar aos textos legais, uma interpretação que mais atenda o quadro econômico-social e que condiza com a realidade vivida pela sociedade, onde é sabido que algumas empresas e pessoas físicas, por deter assessoria especializada, têm conhecimento da existência da ação desde o seu ajuizamento e se utilizam dessa informação para alienar bens antes da citação do devedor, burlando a nossa lei.

 

Entendemos que tanto a multa prevista em lei e as outras sanções de natureza material ou processual precisam ser aplicadas pelos juizes, independentemente de requerimento da parte, pois essa fraude atenta contra a dignidade da justiça, sendo esta lesada diretamente.

 

Não deve os operadores jurídicos, advogados e magistrados ater-se apenas às limitações que os doutrinadores e a própria jurisprudência apresentam. Pois devem buscar a efetiva prestação da tutela jurisdicional, mesmo diante de questões com pontos divergentes como é caso do tema em comento.

 

 

Referências Bibliográficas

 

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_________. Idem. Processo de Execução. Rio de Janeiro: Leud, 1999.

 

 

* Bacharel em Direito e Especialista em Direito Ambiental, pela Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG e Centro Universitário de Patos de Minas/MG – UNIPAM.

 

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Jucélia Maria da Silva. A Fraude à Execução no Direito Processual Civil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-fraude-a-execucao-no-direito-processual-civil/ Acesso em: 28 mar. 2024