Processo Penal

Comentários ao artigo 316 do Código de Processo Penal brasileiro

Comments on Article 316 of the Brazilian Code of Criminal Procedure

Resumo: O modesto texto vem trazer comentários ao atual artigo 316 do Código de Processo Penal Brasileiro e que a positivista leitura poderá ser danosa principalmente ao permitir a soltura de perigosos acusados.

Palavras-Chave: Direito Processual Penal. CPP. Constituição Federal Brasileira de 1988. Pacote Anticrime. Prisão Preventiva.

Abstract: The modest text brings comments to the current article 316 of the Code of Process Brazilian Penal Code and that the positivist reading may be harmful mainly by allowing the release of dangerous accused.

Keywords: Criminal Procedural Law. CPP. Brazilian Federal Constitution of 1988. Package Anticrime. Preventive imprisonment.

O artigo 316 do CPP in litteris prevê: “O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes revogar a prisão preventiva se, no ocorrer da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para ela subsista, bem como, novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”.

E, ainda o parágrafo único informa que uma vez decretada a prisão preventiva deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Com o Pacote Anticrime[1] não poderá mais o magistrado decretar a prisão preventiva de ofício, mas quando faltar motivo para que subsista ou quando sobrevierem motivos que a justifique, o juiz poderá, de ofício, revogá-la ou substituí-la, respectivamente.

Na motivação de decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

Ademais, não se considera fundamentada qualquer decisão judicial seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; deixar de seguir enunciados de súmula de jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Assim, o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva, se no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Uma vez decretada, deve-se revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias.

A jurisprudência[2] do STF entre seus entendimentos, segundo a Edição 32, a respeito prisão preventiva: a fuga do distrito da culpa é fundamentação idônea a justificar o decreto ad custódia preventiva para a conveniência da instrução criminal e como garantia da aplicação da lei penal.

As condições pessoais favoráveis não garantem a revogação da prisão preventiva quando há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção da custódia.

A substituição da prisão preventiva pela domiciliar exige comprovação de doença grave, que acarrete extrema debilidade, e a impossibilidade de se prestar a devida assistência médica no estabelecimento penal.

E, ainda quanto à mesma substituição quando comprovadamente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência.

As medidas cautelares diversas de prisão, ainda que sejam mais benéficas, implicam em restrições de direitos individuais, sendo necessária fundamentação para sua imposição.

A prisão preventiva não é legítima nos casos em que a sanção abstratamente prevista ou imposta na sentença condenatória recorrível não resulte em construção pessoal, por força do princípio da homogeneidade.

Outro entendimento relevante é o que menciona que os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta. E, a alusão genérica sobre a gravidade do delito, o clamor público ou a comoção social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão preventiva.

A prisão preventiva pode ser decretada em crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para o fim de garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A prisão cautelar deve ser fundamentada em elementos concretos que justifiquem, efetivamente, sua necessidade. Pode ser decretada para garantia da ordem pública potencialmente ofendida, especialmente, nos casos de: reiteração delitiva, participação em organizações criminosas, gravidade em concreto da conduta, periculosidade social do agente, ou pelas circunstâncias em que praticado o delito (modus operandi).

Não pode o tribunal de segundo grau, em sede de habeas corpus[3], inovar ou suprir a falta de fundamentação da decisão de prisão preventiva do juízo singular.

Os inquéritos policiais e processos em andamento, embora não tenham o condão de exasperar a pena-base no momento da dosimetria da pena, são elementos aptos a demonstrar eventual reiteração delitiva, fundamento suficiente para a decretação da prisão preventiva.

A segregação cautelar é medida excepcional, mesmo no tocante aos crimes de tráfico de entorpecente e associação para o tráfico, e o decreto de prisão processual exige a especificação de que a custódia atende a pelo menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

Curial apontar que a Lei 12.850/2013, a Lei de Organizações Criminosas prevê em seu artigo 2º:

    “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

     (…)

§ 8º As lideranças de organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição deverão iniciar o cumprimento da pena em estabelecimentos penais de segurança máxima.

§ 9º O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo”.

É preciso recordar que a partir da Lei 12.403/2011, o direito processual penal pátrio exige que a manutenção da prisão em flagrante[4] decorra da decretação da prisão preventiva, o que exigirá o atendimento aos requisitos do artigo 312 e do art. 313, I ambos do CPP, na medida em que, em tal situação, a aludida custódia cautelar não se prestaria a garantir a efetividade de outra medida (ex vi artigo 282, §4º CPP).

Nesse modelo contemporâneo do processo penal brasileiro vem desaparecendo os motivos da decretação, a preventiva tanto poderá ser revogada, quanto se for o caso, substituída por outra cautelar menos gravosa, segundo a lógica esculpida do artigo 282, §5º CPP.

Em uma interpretação conforme a Constituição Federal[5] brasileira vigente pode e deve ser feita em relação à prisão preventiva para garantia de ordem pública, as seguintes considerações, a saber: somente se admita a prisão quando se tratar de crimes de natureza grave, sem prejuízo dos limites impostos no art. 313, I, CPP.

A gravidade, em princípio, seria deduzida da pena cominada; a natureza do crime deve apontar ou indiciar a possibilidade concreta de reiteração criminosa, segundo seja a experiência do conhecimento humano de cada época.

Os crimes sexuais, homicídios e lesões corporais graves, crimes como estratégias econômicas, organizações criminosas voltadas para atividades de grande risco de danos às pessoas, a tortura, o tráfico de drogas, enfim, toda essa conjunto de crimes para os quais o constituinte demonstrou claramente o alto índice de sua reprovação, ostentam esse perfil. Em tese, é evidente.

Não parece ser bastante para a determinação da prisão aquilo que se convencionou a chamar de “clamor público”, entendido como a repercussão midiática do crime, invariavelmente, objeto de leituras tendenciosas ao sensacionalismo retórico.

Porém, naturalmente, tanto o Direito Penal como o Processo Penal lidam diretamente com questões de aguda sensibilidade social, mas, o Direito há de se exigir o cumprimento de determinadas regras, condicionantes para a sua aplicação traduzidas e incorporadas na cláusula devido processo legal. E, fora dos limites jurídicos há também, diversas ideias associadas em maior ou menor escala visam à realização da Justiça.

Na jurisprudência[6] de nossos tribunais, já se tem por consolidado entendimento no sentido da insuficiência do clamor público para a determinação de prisões cautelares, havendo que se analisar também a gravidade do crime e as repercussões concretas colhidas no interior da comunidade envolvida.

É óbvio que devem ser evitados os juízos precários e sem fundamentação em elementos empíricos sobre a periculosidade do agente, de forma a impedir que a natureza do crime autorize novo processo de seletividade da população carcerária.

Entendo ser plenamente aceitável a decretação de prisão preventiva para a garantia da ordem pública, desde que fundamentada na gravidade do delito, na natureza e nos meios de execução do crime, bem como na amplitude dos resultados danosos produzidos pela ação.

Assim, renegar o risco de reiteração criminosa, bem como certos prognósticos quanto a essas conclusões, significa grave retrocesso, porque deve-se priorizar a ideia originária e fundamentadora da dignidade da pessoa humana, sem os condicionamentos da civilização moderna.

E, nesse sentido, merece destaque a Lei 12.403/2011 que prevê a possibilidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão com fim específico de se evitar a reiteração criminosa.

Embora haja prazos específicos para a realização de determinados atos processuais, sobretudo, para aqueles que determinam a restrição de direitos, o nosso CPP não cuidou de fixar um limite temporal para a duração das prisões cautelares.

As razões pelas quais isso se deu, ou, melhor, pelas quais isso não ocorreu, estão muito claras: o diploma legal partia da antecipação de culpa[7].

Assim é que, quando se tratar de réu preso, há prazos para:

(a) o encerramento do inquérito (10 (dez) ou 15 (quinze)dias Justiça Federal), podendo ser prorrogado este último;

(b) 5 (cinco) dias, para o oferecimento de denúncia;

(c) 10 (dez) dias para a resposta escrita, após a citação;

(d) até 60 (sessenta) dias para a audiência de instrução (art. 400, CPP), aos quais se somarão os prazos para despacho judicial, cumprimento de diligências (citação, por exemplo), e, eventualmente, de prisão temporária anteriormente (se) decretada;

(e) prazo para diligências, art. 402;

(f) 5(cinco) dias, sucessivamente às partes, para apresentação de alegações finais, se não forem feitas em audiência;

(g) 10(dez) dias para a sentença (art. 403 e art. 800, CPP), se não for proferida em audiência.

No Tribunal do Júri, há regras diferentes: o prazo de conclusão da formação de culpa (instrução preliminar) é de 90 dias, nos termos do art. 412, CPP

Há, ainda, ritos especiais, prevendo procedimentos com algumas variações de prazo, mantida, porém, a regra geral quanto ao tempo de investigação e de oferecimento de denúncia nos casos de réus presos (Lei nº 11.343/06 – Lei de Drogas – prazo de 30 (trinta) dias para conclusão do inquérito, com réu preso) .

A partir, então, da ausência de regulação expressa da matéria, a jurisprudência nacional procedeu a uma somatória geral dos prazos, chegando a uma média de 81 (oitenta e um) dias, nos quais teriam sido computados todos os prazos expressos, incluindo a sentença.

Na Justiça Federal, conforme se prevê o prazo de 15 (quinze) dias para a conclusão do inquérito, prorrogáveis por mais 15 (quinze), referido prazo final será de 101(cento e um) dias. Desde do ano de 2008, porém, com as modificações trazidas pela Lei nº 11.719, referido prazo de 81 (oitenta e um) dias deve ser alterado para 86 (oitenta e seis) dias (e de 106, na Justiça Federal).

No entanto, contraditoriamente, o aludido prazo de 8 6 dias não foi e não vem sendo utilizado como limite para a sentença, mas apenas para a conclusão da instrução criminal. Sublinhe-se, no particular, a Súmula 52, STJ: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”[8].

Outra, também do STJ, cuidando do excesso na instrução, provocado pela defesa: Súmula 64. E, ainda a Súmula 21, dando a pronúncia como limite para a alegação de excesso de prazo, no Tribunal do Júri.

Explica-se, afinal, diante do excessivo número de processos criminais e do baixo número de juízes para atender à semelhante demanda, a responsabilização pela soltura do acusado, após a superação do citado prazo (de 86 dias), recaiu inteiramente sobre os ombros do Poder Judiciário. Daí a solução de se limitar o prazo para o encerramento da instrução.

Apenas um diploma legal ainda cuida da matéria. Trata-se do disposto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 12. 850/13, que prevê o encerramento da instrução criminal em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis, porém, em até igual período, desde que por decisão fundamentada em necessidade pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuíveis aos investigados/processados.

Nesses casos, relativos às ações praticadas por meio ou em organizações criminosas, há que se considerar a maior dificuldade na apuração cabal dos fatos e das respectivas responsabilidades.

No entanto, tratando-se de réu já preso, pressupõe-se o adiantamento das investigações, sendo de admitir-se que o encerramento da instrução (fase de investigação incluída, se a prisão se der ainda naquele contexto), como regra, deverá ocorrer no prazo máximo de cento e vinte dias.

As prorrogações deverão ser a exceção, mas são possíveis, mas a exigir fundamentação expressa, a fim de se demonstrar a insuficiência do limite temporal previamente estipulado (120 dias).

A Lei nº 12.403/2011 somente autoriza a decretação da prisão preventiva autônoma, isto é, sem a anterior imposição de medida cautelar diversa, para crimes com pena superior a quatro anos (art. 313, I, CPP), seria ainda cabível a prisão temporária para crimes com pena inferior a este patamar (de quatro anos)? Em princípio, pareceu-nos que não, afirmou o doutrinador

Refletindo racionalmente, chegamos à conclusão que a nova legislação não altera as regras e os critérios da prisão temporária.

Alguns crimes, embora com pena máxima inferior a quatro anos, apresentam características de maior complexidade, no que toca à respectiva apuração, em razão da própria tipologia, quando não do bem jurídico atingido.

Exemplificando, o crime de associação criminosa (art. 288, CP, conforme a redação dada pela Lei nº 12.850/2013) , e também dos delitos de sequestro e/ou cárcere privado (art. 148, caput, CP), cuja pena máxima não ultrapassa três anos (feita a ressalva quanto às formas qualificadas do art. 148, § 1º e § 2º).

A configuração e a comprovação de tais delitos, pelas características que lhes são intrínsecas, são, em si mesmas, complexas, demandando maiores esforços para a respectiva investigação. Por isso, a razoabilidade recomenda a flexibilização das balizas temporais dos prazos.

Assim, embora de menor gravidade quanto à pena cominada, apresenta relevante e significativa censurabilidade, diante dos riscos gerais de danos neles contidos.

Não bastasse, a própria Lei nº 12.403/2011 manteve a vigência plena das prisões temporárias (art. 283, caput, CPP), nada ressalvando quanto aos crimes nela arrolados.

A prisão preventiva por sua essência acautelatória, há de se submeter à cláusula rebus sic stantibus, tão preciosa e afeta ao direito privado, na perspectiva da teoria da imprevisão. E, a decisão judicial deverá se manter no tempo apenas enquanto estiverem presentes as mesmas condições que a determinaram. Havendo modificação daqueles, deve-se reapreciar a necessidade de medida acautelatória.

Portanto, se presentes as razões legais para sua decretação, esta deve ser prisão preventiva incidir, e se, posteriormente, inexistentes aquelas, deverá ser revogada, ou substituída, se e quando cabível alguma outra medida cautelar diversa da prisão.

A revogação da prisão deve ser feita pelo mesmo juiz que a decretou, não se cuida de propriamente de revisão da decisão, na medida em qua nada se revê, no sentido de se emitir juízo distinto sobre a mesma matéria anteriormente analisada.

A revogação se justifica quando do exaurimento dos motivos que justificaram a adoção da prisão. E, na impede uma renovação da prisão preventiva, seja pelo mesmo ou por outro de seus fundamentos legais.

Atentemos para a jurisprudência:

[. . .] As prisões provisórias ou processuais – aí incluídas as prisões em flagrante, preventiva, temporária, decorrente de sentença condenatória recorrível e decorrente de sentença de pronúncia – devem, sob pena de constrangimento ilegal, cingir-se, fundamentadamente, aos termos do art. 3 1 2 do CPP.

A prisão decretada sem a devida fundamentação deve ser imediatamente relaxada, à luz dos arts. 5º, LXI e LXV, e 9 3; IX, da Constituição Federal.

A prisão preventiva, como medida excepcional, entretanto, deverá ser revogada quando os fundamentos que a esteiam não mais subsistem pois, do contrário, passa a constituir execução antecipada de pena, configurando constrangimento ilegal.

Ordem concedida para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, sem prejuízo de novo decreto de prisão, devidamente fundamentado, devendo assumir o compromisso de comparecer a todos os atos do processo, não se ausentar do distrito da culpa sem autorização judicial e manter informado o Juízo de seu endereço residencial e de trabalho (Habeas Corpus nº 1 14.957-GO, STJ, 5ª Turma, Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 04.02.2010, publicado no DJ em 08.03.2010).

Segundo dispõe as súmulas 21, 52 e 64 do STJ, respectivamente, que não caracteriza constrangimento ilegal o excesso de prazo: a) após pronunciado o réu, sobre o excesso de prazo na instrução; b) após encerrada a instrução criminal e c) aquele provocado pela defesa.

Embora tais súmulas ainda sejam aplicadas hodiernamente, não podem ser consideradas de forma absoluta, sob pena de transgredir os mais comezinhos princípios constitucionais e de direito processual penal, em especial o princípio da razoável duração do processo, da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme citado acima.

O enunciado da súmula 21 do STJ descreve que “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo da instrução”.

A regra, portanto, é que após a pronúncia, não há que se falar em constrangimento ilegal (passível de habeas corpus/relaxamento) por excesso de prazo. Contudo, o próprio Tribunal Superior admite a sua mitigação, quando, por exemplo, há descaso motivado pelo juízo.

Com relação à Súmula 52, “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”. Não obstante a regra geral de que após finda a instrução não há constrangimento ilegal, ante a aplicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade, é possível verificar que essa súmula também é mitigada ou relativizada.

Conforme ensinam Roberval Rocha Ferreira Filho e outro, “O constrangimento permitido pela lei torna-se, no entanto, ilegal, quando se constata que os prazos procedimentais não são observados pelo próprio Estado.

Configura grave injustiça submeter qualquer pessoa à privação de sua liberdade por tempo maior que o devido, em razão de não se conseguir realizar os atos processuais penais dentro dos prazos legalmente estipulados. (…)”. Porém, a coerência do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade não pode ser olvidada.

E continua: “Cabe salientar que tal conclusão somente pode ser aplicada aos casos em que as razões da demora possam ser atribuídas às falhas de atuação dos órgãos estatais” (Súmulas Superior Tribunal de Justiça. Organizadas por Assunto, Anotadas e Comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009. P. 501/502).

Referências:

ARAS, Vladmir. A “doutrina” brasileira do habeas corpus. Disponível em:  https://vladimiraras.blog/2012/09/09/a-nova-doutrina-brasileira-do-habeas-corpus/ Acesso em 12.10.2020.

Folha Política. Procurador explica como funciona o “habeas corpus canguru” destinado a “pular” instâncias até atingir o STF. Disponível em:  https://folhapolitica.jusbrasil.com.br/noticias/597598690/procurador-explica-como-funciona-o-habeas-corpus-canguru-destinado-a-pular-instancias-ate-atingir-o-stf Acesso em 12.10.2020.

O Antagonista Gilmar e o “habeas corpus canguru” Disponível em:  https://www.oantagonista.com/brasil/gilmar-e-o-habeas-corpus-canguru/ São Paulo. Publicado em 20;06.2018. Acesso em 12.10.2020.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2009.

PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários Ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.

Redação Juris Correspondente. O Excesso de Prazo e a Relativização das Súmulas 21,52 e 62 do STJ. Disponível em:  https://blog.juriscorrespondente.com.br/o-excesso-de-prazo-e-a-relativizacao-das-sumulas-21-52-e-64-do-superior-tribunal-de-justica/ Acesso em 12.10.2020.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Comentários Ao Anteprojeto de Lei Anticrime. Tripartido em três projetos de lei conforme versão enviada ao Congresso Nacional. Salvador: JusPODIVM, 2019.



[1] O Pacote Anticrime foi aprovado em 04.12.2019, entrou em vigência a partir de 23.01.2020 com projeto costurado com trechos de outra proposta elaborada no ano anterior por comissão de juristas coordenada pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes. O pacote Anticrime recebeu muitas críticas pela proposta de alteração da legítima defesa. Opositores políticos, especialistas e movimentos sociais apontaram que a alteração proposta dá carta branca para a polícia assassinar impunemente, o que coloca em risco principalmente as comunidades pobres, negras e periféricas.

[2] A Primeira Turma do STF firmou dois precedentes nessa inevitável reviravolta, que simplesmente levará ao cumprimento da Constituição, nos seus artigos 5º, 102 e 105, no tocante ao manejo do HC. O mais notável é que no primeiro deles a tese foi lançada pelo ministro Marco Aurélio, um dos juízes mais garantistas da Suprema Corte. O reajuste jurisprudencial – que era esperado desde que o ex-ministro Cezar Peluso propôs o anteprojeto da PEC dos Recursos, que ocorreu no julgamento do HC 109.956/PR (caso Ueno), julgado em 7 de agosto de 2012, por maioria, tendo como relator o ministro Marco Aurélio. O impetrante lançou mão do HC porque o juiz sumariante do júri indeferiu diligências requeridas pela defesa, numa ação penal por homicídio qualificado. O tema também foi aventado no HC 108.715/RJ, da mesma relatoria. No leading case, o ministro Marco Aurélio pontificou: “O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea ‘a’, e 105, inciso II, alínea ‘a’, tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição. Cumpre implementar – visando restabelecer a eficácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.” (STF, 1ª Turma, HC 109.956/PR, rel. Marco Aurélio, j. em 07/08/2012).

[3] O Habeas Corpus é instituto jurídico que em sua gênese teve a causa do autoritarismo do Estado contra a liberdade de locomoção dos cidadãos, tendo como natureza jurídica o caráter de ação penal constitucional. Trata-se de ação necessária a qualquer nação democrática e civilizada, sendo considerado preciosa garantia no devido processo legal. É previsto em quase totalidade dos países civilizados, e contido na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Nos termos do art. 647 do CPP, o habeas corpus está inserido dentre espécies de recurso. Entretanto, embora esteja presente como uma espécie recursal, a sua natureza jurídica é tema controverso na doutrina brasileira. Doutrina majoritária vem acatar a tese de que o habeas corpus tem caráter jurídico de ação independente ou sui generis, uma vez que não pode ser considerado recurso, já a sua instauração não necessita de estar vinculado a um processo pré-existente, requisito fundamental e inerente a qualquer recurso.

[4] É cediço que não há qualquer prisão cautelar obrigatório no ordenamento jurídico brasileiro, posto que afronta vários princípios que resguardam aqueles acusados da prática de crimes. De sorte que a privação de liberdade deverá ser sempre a exceção. Denota-se que prisão em flagrante tem basicamente duas funções primordiais, quais sejam: a de interceptar o fato criminoso, impedindo sua consumação ou mesmo seu exaurimento e, também, de possibilitar a colheita pronta e imediata de provas. Curial é a leitura ciosa do teor do artigo 310 e seu parágrafo único do CPP, que atenta que a prisão somente será mantida quando presente algum dos requisitos constantes do artigo 312 CPP. A decisão deverá vir fundamentada sobre o periculum libertatis do acusado.

[5] A interpretação conforme a Constituição é um método hermenêutico e de controle de constitucionalidade, que tem como fim garantir a compatibilidade da norma ao ordenamento constitucional, devendo ser utilizada, sempre para dar a lei o sentido adequado da Constituição Federal.

A interpretação conforme a Constituição é aquela em que o intérprete adota a interpretação mais favorável à Constituição Federal, considerando-se seus princípios e jurisprudência, sem, contudo, se afastar da finalidade da lei. Leciona o professor Pedro Lenza (2009) que esta forma ou princípio de interpretação possui algumas dimensões que deverão ser observadas, quais sejam: a prevalência da Constituição, que é a essência deste método, posto que enfatiza a supremacia da Lei Maior; a conservação da norma, visto que ao adotar a interpretação que vai ao encontro da Constituição propiciamos sua eficácia e evitamos que seja declarada inconstitucional e deixe de ser aplicada; a exclusão da interpretação contra legem, o que impossibilita que a lei seja interpretada contrariamente ao seu texto literal com o intuito de considerá-la constitucional; espaço de interpretação, que dita que este método só pode ser aplicado quando houver a possibilidade de opção, ou seja, deve existir mais de uma interpretação para então optar-se por aquela conforme a Constituição; rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais, em que sempre que o juiz analisar a lei utilizando todos os métodos existente e verificar que esta é contrária à Constituição deverá declarar a sua inconstitucionalidade; o intérprete não pode atuar como legislador positivo, ou seja, aquele que interpreta a lei não pode dar a ela uma aplicabilidade diversa daquela almejada pelo legislativo, pois, caso assim proceda considerar-se-á criação de uma norma regra pelo intérprete e a atuação deste com poderes inerentes ao legislador, o que proibido.

[6] A Primeira Turma do STF firmou dois precedentes nessa inevitável reviravolta, que simplesmente levará ao cumprimento da Constituição, nos seus artigos 5º, 102 e 105, no tocante ao manejo do HC. O mais notável é que no primeiro deles a tese foi lançada pelo ministro Marco Aurélio, um dos juízes mais garantistas da Suprema Corte. O reajuste jurisprudencial – que era esperado desde que o ex-ministro Cezar Peluso propôs o anteprojeto da PEC dos Recursos, que ocorreu no julgamento do HC 109.956/PR (caso Ueno), julgado em 7 de agosto de 2012, por maioria, tendo como relator o ministro Marco Aurélio. O impetrante lançou mão do HC porque o juiz sumariante do júri indeferiu diligências requeridas pela defesa, numa ação penal por homicídio qualificado. O tema também foi aventado no HC 108.715/RJ, da mesma relatoria. No leading case, o ministro Marco Aurélio pontificou: “O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea ‘a’, e 105, inciso II, alínea ‘a’, tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo, para o Supremo, contra decisão proferida por tribunal superior indeferindo ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de tribunal regional federal e de tribunal de justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-se novo habeas, embora para julgamento por tribunal diverso, impugnando pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de outras situações em que requerida, a jurisdição. Cumpre implementar – visando restabelecer a eficácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.” (STF, 1ª Turma, HC 109.956/PR, rel. Marco Aurélio, j. em 07/08/2012).

[7] O já célebre habeas corpus canguru ou australiano opera uma sucessão de pedidos liminares que tenciona levar o pedido rapidamente ao STF, onde os réus poderosos esperam e muitas vezes conseguem decisões favoráveis que colidem frontalmente com todas as instâncias inferiores do Judiciário. Tornou-se comum a impetração de sucessivos habeas corpus em instâncias superiores mesmo sem que obtenham decisão definitiva na origem. Para tanto, basta o relator do primeiro tribunal acionado indeferir liminarmente a ordem para que um novo HC seja impetrado em instância imediatamente superior, e assim por diante sucessivamente. Portanto, o chamado HC canguru é aquele que caminha de liminar em liminar em saltos pelas instâncias, chegando até a mais alta corte, o STF. Aliás, os cangurus mais abusados saltam direto da primeira instância para a última. Porém, cabe destacar que tamanha subversão não é a regra, posto que retira a autoridade e a jurisdição dos tribunais cujas turmas nem decidiram a matéria. Por essa razão e para debelar a supressão de instâncias, veio o STF editar o enunciado da Súmula 691: Não compete ao STF conhecer o habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. A única exceção admitida é quando houver flagrante constrangimento ilegal ao direito de liberdade, ou em situações manifestamente contrárias à jurisprudência do próprio STF. Percebe-se, ainda, que as exceções geralmente são aplicadas restritivamente pelos tribunais superiores.

[8] Ab initio, conforme se extrai do endereço eletrônico do Tribunal de origem, a instrução processual está encerrada. Neste contexto, o enunciado n. 52 da Súmula deste Corte Superior estabelece que: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Comentários ao artigo 316 do Código de Processo Penal brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/comentarios-ao-artigo-316-do-codigo-de-processo-penal-brasileiro/ Acesso em: 26 abr. 2024