Processo Penal

A monitoração eletrônica como medida cautelar alternativa à prisão – origem, finalidade e desafios

GABRIEL DE ALMEIDA MATOS[1]

RESUMO

A monitoração eletrônica tem origem nos Estados Unidos da América, no começo da década de 60, e o seu uso, neste país, foi popularizado a partir dos anos 80. No Brasil, esse instrumento foi implementado, pela primeira vez, como ferramenta da execução penal. Entretanto, com a chegada da Lei n° 12.403/2011, responsável por introjetar, no sistema cautelar brasileiro, as ideias liberalizantes que inspiraram a elaboração da Constituição Federal de 1988, a monitoração eletrônica passou a ser vista como uma medida cautelar alternativa à prisão, por ser mais adequada e bem menos gravosa à liberdade que a prisão cautelar. Apesar disso, a plena implementação da medida ainda enfrenta alguns desafios, dentre os quais se destaca os preços elevados de manutenção do sistema.

Palavras-chave: monitoração eletrônica, medida cautelar alternativa à prisão, Lei n° 12.403/2011.

ELECTRONIC MONITORING – ORIGIN, PURPOSE AND CHALLENGES

ABSTRACT

Electronic monitoring originated in the United States of America in the early 1960s, and its use became popular in the 1980s. In Brazil, this instrument was first implemented as a tool for criminal enforcement. However, with the arrival of Law no. 12,403/2011, responsible for introducing the liberalizing ideas that inspired the Federal Constitution of 1988, regarding the system of precautionary measures, electronic monitoring was seen as an alternative precautionary measure to imprisonment, for being more proper and far less burdensome to liberty than detention. Despite this, the full implementation of the measure still faces some challenges, among which the high maintenance prices of the system stand out.

Key words: electronic monitoring, alternative, Law n ° 12,403/ 2011.

1.INTRODUÇÃO

Antes da edição da Lei 12.403/2011 o sistema cautelar brasileiro não previa, pelo menos normativamente, alternativas à prisão cautelar que não a liberdade provisória. Nesse cenário, não havia ferramentas moderadas capazes de abrandar a tensão dialética existente entre o interesse do Estado por Defesa Social e os direitos individuais do indivíduo.

Por isso, a referida lei, responsável por adaptar, ao Código de Processo Penal, alguns dos anseios propagados pela Constituição Federal de 1988, foi responsável por institucionalizar diversas medidas cautelares alternativas à prisão, como forma de refrear o a(b)uso do encarceramento provisório. Dentre essas alternativas, destaca-se a monitoração eletrônica, instrumento por meio do qual se faz possível a vigilância telemática posicional à distância.

Diante disso, o presente artigo tem por objetivo estudar os principais elementos que envolvem a previsão legal da monitoração eletrônica como medida cautelar alternativa à prisão, levando em consideração desde os aspectos históricos, finalísticos e normativos, até aos desafios de ordem prática, no que diz respeito à plena efetivação e implementação da referida medida.

2. O SISTEMA CAUTELAR BIPOLAR QUE ANTECEDEU A EDIÇÃO DA LEI Nº 12.403/2011

O sistema processual penal brasileiro, antes da edição da Lei 12.403/2011, se caracterizava por ser um sistema bipolar que operava com “soluções antípodas”, posto que a “única medida cautelar alternativa à prisão ad custodiam em nosso país era a liberdade provisória (com ou sem fiança), que se qualificava, por ser mero substitutivo da prisão em flagrante, como uma contracautela (CRUZ, 2018, p. 174).

Nesse sentido:

Não havia a previsão de medidas alternativas à prisão, a não ser a fiança e o sistema era bipolar, girando em torno da prisão ou da liberdade provisória. Assim sendo, em razão da inexistência de medidas alternativas diversas da fiança, a inafiançabilidade levava à vedação da liberdade provisória. Portanto, ocorrendo a prisão em flagrante, havia, em geral, a manutenção da prisão do agente durante todo o processo, sendo a custódia, em regra, automática (MENDONÇA, 2011, p. 78).[2]

De fato, “a prisão era regra ao longo do procedimento e a liberdade provisória surgia para permitir a liberdade em situações excepcionais”. Na verdade, como considerada apenas como uma contracautela, a ideia de obter a liberdade provisória “[…] sempre esteve ligada a uma prisão anterior, não havendo necessidade, tamanha a sua excepcionalidade, de tratar da liberdade provisória para quem estivesse em liberdade” (MENDONÇA, 2011, p. 77). Assim:

Salienta-se, a propósito, que o sistema pátrio não admitia submeter alguém ao regime de liberdade provisória sem que estivesse previamente preso em flagrante. Em outras palavras, se alguém respondesse ao processo solto, não poderia ser submetido ao regime de liberdade provisória – que importava obrigações processuais -, pois esta pressupunha que o acusado tivesse sido preso em flagrante, ou, quando muito, preso em razão de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível, se admitida a autonomia jurídica dessas duas modalidades de prisão (CRUZ, 2018, p. 174/175).

Sendo assim, não havia falar em substituição da prisão preventiva, haja vista que a liberdade provisória era incompatível com esta medida. Desse modo, o acusado preso em razão desta espécie de prisão cautelar somente “poderia ser posto em liberdade, quer por revogação da cautela, ante sua desnecessidade, quer por relaxamento da prisão ou concessão de ordem de habeas corpus, em face da ilegalidade da custódia” (CRUZ, 2018, p. 175) e, nessa hipótese:

“[…] o réu era posto em liberdade sem assumir qualquer dever processual, sem sujeitar-se às obrigações a que aludiam os artigos 310, 327 e 328 do Código de Processo Penal, porque, repita-se, não era beneficiário da liberdade provisória, mas de liberdade pura e simples” (idem).

3. A EDIÇÃO LEI Nº 12.403/2011

A reforma estrutural protagonizada pela Lei nº 12.403/2011 surge como uma forma de ressignificar e adaptar o sistema penal cautelar à luz do sistema acusatório e das garantias individuais introjetadas no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição de 1988. Nesse contexto, o principal objetivo da novidade normativa consistiu em combater as prisões cautelares, por meio do abandono da bipolaridade que marcara o antigo sistema cautelar penal.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira (2009), a referida modificação legislativa surgiu da “manifesta e inquestionável” incompatibilidade entre o modelo adotado pelo Decreto-lei n° 3.689, de 1941 e da Constituição de 1988. Em verdade, “[…] a configuração política do Brasil de 1940 apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas abrigadas no atual texto constitucional” e essa perspectiva, parafraseando o brilhante jurista, não só não era pouco, como podia ser tudo.

De fato, segundo Cruz (2018, p. 171), “a partir do último quarto do século XX consolidou-se tendência mundial em adotarem-se formas de punição não mais adstritas ou centradas na pena privativa de liberdade”. Nesse cenário:

O novo diploma teve sua origem em anteprojeto elaborado por comissão constituída pelo Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, em 2000, que foi presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, e resultou na apresentação do Projeto de Lei 4.208/2001, cuja tramitação no Congresso Nacional demorou exatos 10 (dez) anos, com alterações importantes, o que revela a grande dificuldade de atualização da legislação processual-penal, à luz das exigências da ordem constitucional democrática instituída em 1988. (GOMES FILHO, 2011, p. 38).

Com a edição de Lei nº 12.403/2011, e tal como aconteceu no Direito Português e no Direito Italiano, o Código de Processo Penal instituiu nove medidas cautelares diversas da prisão, de forma expressa, nos incisos I a IX, de seu art. 319. Para Lopes Jr (2013, p. 662), não há dúvidas de que a “maior inovação da Lei n. 12.403/2011, ao lado da revitalização da fiança, é a criação de uma polimorfologia cautelar, ou seja, o estabelecimento de medidas cautelares diversas da prisão”, responsável por romper com o “binômio prisão-liberdade até então vigente”.

No mesmo sentido, leciona Gomes Filho (2011, p. 39):

[…] a mais importante novidade trazida pelo sistema da Lei 12.403/2011 foi a introdução de várias medidas alternativas ou substitutivas ao encarceramento cautelar. Ao contrário do que ocorria no sistema original do CPP – em que o legislador consagrava um critério de tudo ou nada, deixando ao juiz uma opção implacável entre prender ou deixar o réu solto -, na disciplina agora adotada abrem-se outras possibilidades de restrição cautelar. A privação completa do direito à liberdade passa a constituir providência de extrema ratio, que somente se justificará quando não for cabível restrição menos gravosa.

Com o novo regramento, portanto, são indicadas, no art. 319, diversas medidas cautelares “[…] hábeis a substituir a prisão preventiva, que há de ser reservada para os casos em que a providência menos gravosa seja considerada inadequada ou insuficiente à proteção do bem ameaçado pela irrestrita e plena liberdade do indiciado ou acusado” (CRUZ, 2018, p. 189).

São as seguintes:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica. (grifo nosso)  

Vale ressaltar, ainda, que as medidas cautelares previstas no Título IX do Código de Processo penal podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, bem como serão “decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (art. 282, §§1º e 2º).

Além disso, deverão ser aplicadas observando-se a “necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais” e, por outro lado, devem ser adequadas à “gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”, tudo nos termos do art. 282, I e II, do CPP.

3. O MONITORAMENTO ELETRÔNICO – ORIGEM HISTÓRICA E NORMATIVA.

De acordo com o Decreto Lei n° 7627/2011, que regulamentou a matéria prevista no art. 319, IX, do Código de Processo Penal, considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.

Em verdade, o monitoramento eletrônico é um dispositivo antigo, inventado no início da década de 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel, “já com a finalidade de controle de pessoas envolvidas com crimes e consistia em um bloco de bateria e um transmissor, capaz de emitir sinal para um receptor”. Curiosamente a invenção desse dispositivo se deu em 1977, no Estado do Novo México, onde o juiz de Albuquerque, Jack Love, inspirado por um episódio do super-herói homem-aranha, “convenceu um perito em eletrônica a desenvolver um dispositivo similar de monitoramento, tendo utilizado pela primeira vez em 1983, quando condenou o primeiro réu a usar o monitoramento eletrônico” (LOPES JR, 2013, p. 672). Assim:

No final da década de 80, o monitoramento já estava sendo utilizado por outros presos e popularizou-se na década de 90 (em que lá havia mais de 95.000 presos monitorados). A popularização do sistema de posicionamento global (GPS) barateou muito a tecnologia empregada, tornando-se amplamente acessível e de baixo custo. Atualmente é uma forma de controle empregada em vários países, tanto como instrumento de tutela cautelar, em qualquer fase da persecução criminal, como também na execução penal, auxiliando no controle do apenado nas diferentes fases do sistema progressivo de cumprimento da pena (LOPES JR, 2013, p. 672).

No Brasil, “em que pese leis estaduais de duvidosa constitucionalidade tratando do tema, como ocorreu no Estado de São Paulo (Lei n°12.906/08), fato é que a matéria foi devidamente regulamentada por força da Lei nº 12.258/10”, como incidente de execução da pena. (TÁVORA, 2014, p. 822/823). No caso:

“[…] O texto legal aprovado no Congresso Nacional previa amplo uso do monitoramento eletrônico pelo juízo da execução penal, mas o então Presidente da República vetou diversos dispositivos, restando apenas a possibilidade de aplicar o novo sistema nas autorizações de saída temporária e de prisão domiciliar do detento” (CRUZ, 2018, p. 216).

Com a chegada da Lei n° 12.403/2011, a possibilidade de utilização do monitoramento eletrônico “passa a permear toda a persecução penal, desde a fase investigativa, contemplando inclusive a evolução processual”, atuando como um “verdadeiro substitutivo do cárcere cautelar, para aferir a ida, vinda ou permanência do indivíduo em determinados lugares, por meio de aparato tecnológico não ostensivo, com impacto mínimo em sua rotina” (TÁVORA, 2014, p. 823).

Após a edição da referida lei, o Poder Executivo regulamentou a matéria da monitoração eletrônica no Decreto n° 7.627/2011, “sem, contudo, descer a detalhes sobre o meio técnico de execução da medida, e, mais, deixando sem regramento o monitoramento passivo”. Na ocasião, o referido decreto “foi inteiramente lacônico, quando não burocrático”, vez que apenas “limitou-se a deixar em mãos dos órgãos responsáveis pela gestão penitenciária a administração, a execução e o controle das medidas, e a garantir o respeito à integridade física, moral e social dos monitorados” (PACELLI, 2017, p. 243).

4. FINALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA MONITORAÇÃO ELETRÔNICA.

Como visto, a Lei nº 12.403/2011 deu ao monitoramento eletrônico o verniz de medida cautelar alternativa à prisão. Hoje, portanto, a monitoração eletrônica pode ser considerada uma medida cautelar alternativa “subordinada também ao fumus comissi delicti e, principalmente, à necessidade de controle que vem representada pelo periculum libertatis”. Além disso, por ser mais gravoso, seu uso “deve ser reservado para situações em que efetivamente se faça necessário tal nível de controle e, em geral, vem associado ao emprego de outra medida cautelar diversa” (AURY, 2013, p. 672).

Para Cruz (p. 214) tal alternativa pode ser encarada como uma medida subsidiária, “voltada a conferir maior grau de eficácia a outras medidas alternativas à prisão, nomeadamente aquelas que impõe ao sujeito passivo da medida permanecer em determinado local ou não se aproximas de pessoas ou lugares”

Sobre o assunto, aprofunda Lopes Jr (2013, p. 672):

Neste novo dispositivo legal, consagra-se o monitoramento como medida cautelar, em que a possibilidade de vigilância ininterrupta serve como tutela para o risco de fuga e a prática de novas infrações. Ao permitir o permanente controle sob a circulação do acusado, também serve de útil instrumento para dar eficácia às demais medidas cautelares diversas, tais como a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, a proibição de ausentar-se da comarca ou país e o recolhimento domiciliar. Cumpre assim, diferentes dimensões de tutela cautelar.

É fato que todas as medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, vez que previsto no art. 282 § 1º, do CPC, contudo, para Pacelli (2017, p. 243), o monitoramento eletrônico não deveria ser aplicado isoladamente, mas somente como garantia do cumprimento de outras garantias cautelares “que, pela natureza, demandem um grau mais sofisticado de fiscalização.

Do ponto de vista objetivo, a monitoração eletrônica possui três principais finalidades, quais sejam: a detenção, a restrição e a vigilância:

Como forma de detenção, o monitoramento eletrônico pode ser utilizado para assegurar que o indivíduo permaneça em determinado lugar; como forma de restrição, o seu uso destina-se a assegurar que o indivíduo não entre em áreas ou locais proibidos, ou se aproxime de certas pessoas; pode, ainda, servir como meio de vigilância, de modo a permitir o permanente acompanhamento de pessoa portadora do equipamento (BLACK E SMITH, 2003 in CRUZ, 2018, p. 214/215).

Para o devido cumprimento dessas finalidades, Cruz (2018, p. 215) demonstra que “existem dois tipos de sistema de monitoramento eletrônico”, que são o ativo, cujo dispositivo “é acoplado ao pulso ou tornozelo do indivíduo e emite um sinal contínuo que é monitorado por uma central, mais ou menos como se faz em relação aos sistemas de alarmes residenciais” e o passivo, em que o “indivíduo é contatado periodicamente por telefone no local onde deve permanecer e é identificado de algum modo (por senha, voz, impressão digital ou mesmo por scan de retina).

Com outras palavras, Pacelli (2017, p. 243) também explica que o monitoramento pode ser feito de duas maneiras:

Na primeira, denominado monitoramento ativo, é colocado junto ao monitorado um aparelho transmissor ligado a um computador central. Isso pode ser feito da maneira que menos danos cause à pessoa, no que toca à visibilidade da medida, permitindo maior mobilidade do usuário. Na segunda, monitoramento passivo, um computador é programado para efetuar chamadas telefônicas para determinado local, procedendo à conferência eletrônica do reconhecimento de voz e emitindo um relatório das ocorrências. A constatação da presença do monitorado no local pode também ser feita por meio de uma pulseira ou de uma tornozeleira eletrônica. Nesses casos, a medida impõe também o recolhimento domiciliar em determinados horários.

Para o referido autor, não há falar em inconstitucionalidade da monitoração eletrônica, desde que observados os limites impostos pela dignidade da pessoa humana, ainda mais porque “[…] a colocação de aparelhos eletrônicos junto ao corpo da pessoa constitui, por si só, inevitável constrangimento, na medida em que sinaliza, à evidência, tratar-se de alguém sob permanente monitoramento” (PACELLI, 2017, p. 244). Por isso:

“[…] a adesão e concordância do monitorado é fundamental. Naturalmente, na execução do monitoramento eletrônico passivo, em que o monitorado permanecerá na residência, não se exigiria a adesão deste. De todo modo, o que poderá ser questionável é a aplicação efetiva da medida e não a sua previsão em abstrato, já que justificada como alternativa ao cárcere. Em princípio, e quando se tratar de concreta alternativa à prisão, não se deve recusar a possibilidade do manejo do monitoramento eletrônico. Por isso, não se discute a sua constitucionalidade nos Estados Unidos. Inglaterra e Canadá também adotam o monitoramento.

Nesse sentido, Lopes Jr (2013, p. 673) defende que o monitoramento eletrônico “é um instrumento bastante útil de controle”, que, entretanto, deve ser utilizada em casos mais graves “como último passo antes da decretação da prisão preventiva, sob pena de sua banalização gerar um expansionismo ilegítimo de controle penal, com sérios riscos à liberdade individual e à própria dignidade da pessoa humana”. Sobre essa perspectiva, o brilhante autor alerta que:

[…] A cada dia a tecnologia aperfeiçoa o sistema de monitoramento por GPS, diminuindo o tamanho dos aparelhos e o incômodo por eles gerado ao estarem fixados no corpo do réu. Em que pese isso, é uma medida de controle extremo, que gera um grande controle sobre a intimidade do agente e que deve ser usada com seletividade por parte dos juízes. A diminuição do tamanho dos aparelhos melhorou a portabilidade, mas ainda assim, por ser levado preso ao corpo (seja como pulseira, tornozeleira etc.), além do desconforto, dá uma visibilidade do estigma do processo penal e do controle social exercido.

5. DESAFIOS NA IMPLANTAÇÃO DA MEDIDA

O elevado custo da estrutura eletrônica constitui o maior obstáculo para a sua plena implementação material. Nos EUA, por exemplo, “em dados de 1999, estimava-se um dispêndio entre 5 e 25 dólares por dia para cada usuário, o que redunda em um gasto anual individual oscilante entre US$ 1.825 A US$ 9.125 (ALBERTA, 2000 in CRUZ, 2018, p. 215).

Já no Brasil, “estima-se, com lastro em levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2015, que o custo mensal médio da monitoração eletrônica é de R$ 301,25” (CRUZ, 2018, p. 215), o que dá um custo anual médio de R$ 3.615,00, uma quantia significativa para o país que possui diversas outras prioridades.

Há que se ponderar, todavia, que o dispêndio com o monitoramento eletrônico de pessoas submetidas a restrições em sua liberdade ambulatorial é compensado pelas vantagens desse meio de fiscalização do cumprimento das medidas cautelares. As principais são a redução da população carcerária e o consequente alívio do sistema prisional, a possibilidade de o acusado manter algumas rotinas e atividades, como o trabalho e o estudo, e a faculdade de permanecer junto ao seu a habitat e ao seu grupo familiar e social. Mas a principal vantagem é, sem dúvida alguma, a de evitar todos os malefícios pessoais da prisionização (BLACK e SMITH, 2013, in CRUZ, 2018, p. 215).

Para Cruz (2018, p. 216), é inevitável a crescente utilização do monitoramento eletrônico, mas alerta que “ainda é preciso muito investimento dos governos estaduais nessa área, haja vista que, na entrada em vigor da Lei n° 12.403/11, a quase totalidade das unidades da Federação ainda não possuía o sistema de monitoramento em funcionamento”.

6. CONCLUSÃO

A Monitoração eletrônica, embora constitua uma medida bastante invasiva à esfera da liberdade do indivíduo e, de certa forma, ofenda a sua imagem perante à sociedade, é, sem dúvidas, um grande avanço da seara processual penal. Isso porque, como visto, a regra antes da Lei nº 12.403/2011 sempre foi marcada pela bipolaridade cautelar, e a prisão, sem dúvidas, é o modo mais extremo e violento de restrição à liberdade.

Sobre o aspecto da constitucionalidade, cabe destacar que a monitoração eletrônica, em si, não ofende aos ditames da dignidade da pessoa humana, vez que constitui uma ferramenta muito mais adequada do que a prisão para se lidar com a necessidade de defesa do direito de punir. No entanto, o prisma constitucional impõe certos limites à medida, de modo que se considerará inconstitucional a aplicação desmedida e autoritária do monitoramento eletrônico.

Tendo sido originada nos Estados Unidos da América, a importação da medida para o Brasil veio desacompanhada de maiores esclarecimentos técnicos acerca do assunto, vez que o Decreto Regulamentar n° 7.627/2011, nas já citadas palavras de Pacelli, “foi inteiramente lacônico, quando não burocrático”.

Entretanto, os doutrinadores conseguiram mapear bem as finalidades e os sistemas do monitoramento eletrônico, de modo que é possível avançar na correta implantação deste instrumento na prática forense. Assim, mesmo com o dispêndio financeiro exigido para a plena implementação da medida, entende-se que o investimento é valioso, eis que compensado por uma maneira eficiente e inteligente de combate à lógica violenta das prisões cautelares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Prisão Cautelar – Dramas, Princípios e Alternativas -. 4 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Medidas Cautelares e Princípios Constitucionais: comentários ao art. 282 do CPP, na redação da Lei 12.403/2011, In FERNANDES OG (coord). Medidas cautelares no processo penal: prisões e suas alternativas: comentários à Lei 12.403, de 04.05.2011. São Paulo: RT, 2011.

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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. – Salvador: Editora Podivm, 2014.



[1] Graduando do curso de direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA e Estagiário do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Seção Judiciária do Maranhão – São Luís/MA. Endereço eletrônico: gabriellf2@gmail.com.

[2] Com a reforma protagonizada pela Lei n° 6.416/77, foi introduzido um parágrafo ao artigo 310, do Código de Processo penal, que autorizava o juiz a conceder a liberdade provisória ao indiciado ou acusado preso em flagrante, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, quando o juiz verificasse a inocorrência de qualquer das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva.

Como citar e referenciar este artigo:
MATOS, Gabriel de Almeida. A monitoração eletrônica como medida cautelar alternativa à prisão – origem, finalidade e desafios. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/a-monitoracao-eletronica-como-medida-cautelar-alternativa-a-prisao-origem-finalidade-e-desafios/ Acesso em: 18 abr. 2024