Processo Penal

Como não julgar ou a proibição da reformatio in pejus

Como não julgar ou a proibição da reformatio in pejus[1]

No julgamento da Apelação nº. 0161038-67.2004.8.05.0001, a 1ª. Câmara Criminal (1ª Turma) do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, inovou: em um recurso exclusivo da defesa aumentou a pena-base aplicada na sentença de primeiro grau (de ofício, portanto). Aliás, sequer o parecer da Procuradoria de Justiça pugnou pelo tal (e inadmissível) aumento.

A razão, aparentemente, foi simples (apenas aparentemente, óbvio): como foi excluída uma causa de aumento de pena, prevista no art. 302, parágrafo único, inciso I do Código de Trânsito Brasileiro (antes da alteração feita pela Lei nº. 11.971/2014), entendeu a Câmara que poderia aumentar a pena-base, tendo em vista “o amplo efeito devolutivo das apelações.” No Processo Penal? Não! Isso só no Processo Civil. Eis o problema de se ensinar Teoria Geral do Processo nas Faculdades de Direito. Acabam confundindo as coisas.

Óbvio que se fez tabula rasa do princípio da proibição da reformatio in pejus. Aliás, com este entendimento, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº. 123115, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. O Ministro Celso de Mello afirmou que “não é permitido que o tribunal ad quem pronuncie uma decisão que seja desfavorável a quem recorre, quer do ponto de vista quantitativo, quer sob o aspecto meramente qualitativo.” (grifamos).

O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que “o art. 617 do Código de Processo Penal, na sua parte final, veda, em recurso exclusivo da defesa, o agravamento da situação exposta ao réu, na linha dos princípios que consagram a vedação da reformation in pejus e o tantum devolutum quantum apelatum.” (Habeas Corpus nº. 21.864 – Relator Ministro Paulo Gallotti).

Comentando este princípio, Galvão Rabelo, em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM (São Paulo, ano 17, n. 203, p. 16-18, out., 2009), ensina que ele, “em sua perspectiva direta, impede que o juízo ad quem, quando provocado por recurso exclusivo da defesa, piore a situação do réu. Obviamente, se a defesa recorre é porque busca uma melhora na situação do acusado. Se a interposição de recurso defensivo pudesse significar uma piora para o réu, estar-se-ia, pelo menos, desestimulando a defesa a utilizar mecanismos disponíveis para impugnação de decisões judiciais desfavoráveis. Com isso, restringir-se-ia indevidamente o princípio constitucional da ampla defesa e o devido processo legal.

Ressalte-se que tal proibição apenas não incide quando se trata de recurso do Ministério Público ou do querelante, pois “o fato de se tratar de recurso exclusivo do Ministério Público não impede que decisão seja reformulada para beneficiar o acusado.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Apelação nº. 993.06.072682-0 – Relator Desembargador Roger Benites Pellicani).

Com efeito, admite-se a reformatio in pejus apenas em relação à acusação, pois “o recurso de apelação do Ministério Público devolve ao tribunal o exame de mérito e da prova. Nessas circunstâncias, se o tribunal verifica que houve erro na condenação ou na dosimetria da pena, não está impedido de corrigi-lo em favor do réu, ante o que dispõe o art. 617 do Código de Processo Penal, que somente veda a reformatio in pejus, e não a reformatio in mellius. Argumentos de lógica formal não devem ser utilizados na Justiça criminal para homologar erros ou excessos.” (Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Assis Toledo – RT 659/335).

Aliás, “a apelação é regida pela regra tantum devolutum quantum appellatum. Cumpre, porém, distinguir na espécie o processo civil do processo penal. Naquele, a pedido; neste, não. O juiz confere o tratamento jurídico adequado ainda que contrarie a postulação do autor da ação penal. O processo penal (extensão material) não se esgota no Código de Processo Penal. A Constituição da República engloba a lei de ritos, amplia-a a fim de o direito de liberdade não ser molestado, ou se o for, fazer cessá-la. Daí, o habeas corpus (art. 5º, LXVIII). Ao Judiciário, cumpre fazer cessar a ilegalidade incontinenti. Consagrou-se, então, o chamado habeas corpus de ofício. A reformatio in mellius é a decorrência destes princípios. Útil para declarar a atipicidade da conduta” (Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial nº. 109194 – Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro).

Uma pena para o acusado que, tendo recorrido, viu-se em uma situação pior do que imaginara quando da interposição do apelo. Simples…



[1] Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal” e “Comentários à Lei Maria da Penha” (este em coautoria com Issac Guimarães), ambas editadas pela Editora Juruá, 2010 e 2014, respectivamente (Curitiba); “A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautelares” (2011), “Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo” (2013), “Uma Crítica à Teoria Geral do Processo” e “A Nova Lei de Organização Criminosa”, publicadas pela Editora LexMagister, (Porto Alegre), “O Procedimento Comum: Ordinário, Sumário e Sumaríssimo”, Florianópolis, Editora Empório do Direito”, 2015, além de coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal” (Editora JusPodivm, 2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Como não julgar ou a proibição da reformatio in pejus. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-penal/como-nao-julgar-ou-a-proibicao-da-reformatio-in-pejus/ Acesso em: 16 abr. 2024