Direito Previdenciário

Exame do anteprojeto de lei que dispõe sobre a cobrança de dívida ativa apresentado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e seu substitutivo

Exame do anteprojeto de lei que dispõe sobre a cobrança de dívida ativa apresentado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e seu substitutivo

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Considerações preliminares

 

Conforme se depreende da exposição de motivos, para subsidiar a elaboração do anteprojeto de lei de execução fiscal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional promoveu o levantamento de dados estatísticos acerca da dívida ativa da União. Desse levantamento os seguintes dados são relevantes para a análise do anteprojeto em questão:

 

a) o número de execuções fiscais ajuizadas corresponde a mais de 50% dos processos judiciais, em geral, em curso no âmbito do Poder Judiciário, sendo que no âmbito da Justiça Federal essa proporção é de 38,8%;

 

b) os dados de 2005 revelam que a taxa média de encerramento de controvérsias em relação às novas execuções fiscais ajuizadas é inferior a 50% e apontam um crescimento de 15% de estoque de execuções em 1ª instância na Justiça Federal, havendo uma taxa de congestionamento médio de 80% nos julgamentos de 1ª instância;

 

c) existem 2,5 milhões de execuções judiciais no âmbito da Justiça Federal, com baixíssima taxa de impugnação, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade;

 

d) no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, enquanto o processo administrativo tributário leva em média 4 anos, a execução judicial leva 12 anos para findar;

 

e) menos de 1% do estoque de dívida ativa da União de R$ 400 bilhões (R$600 bilhões se incluída a da Previdência Social) ingressam aos cofres públicos por via de execução fiscal, bem menos do que o percentual alcançado por medidas de parcelamento (REFIS, PAES e PAEX);

 

f) considerados os valores sob execução judicial e os que estão sob discussão administrativa a dívida ativa da União atinge a cifra de R$900 bilhões, ou seja, 1,5 vezes a estimativa de receita da União para o exercício de 2006.

 

Com base nesses sombrios elementos fáticos, a PGFN apresenta o anteprojeto de lei instituindo a execução fiscal administrativa nos âmbitos da União, dos Estados e do Distrito Federal, como instrumento de agilização da cobrança da dívida ativa.

 

Em que pesem os esforços dos autores, este anteprojeto representa um grande equívoco por não examinar as causas do estoque acumulado da dívida ativa, bem como da ‘morosidade’ do Judiciário. Além de padecer de vícios insanáveis do ponto de vista jurídico, em nada contribui para a pretendida agilização do processo de cobrança da dívida ativa. É como a Reforma da Previdência: enquanto continuarem ignorando as causas do déficit da Previdência (algumas delas bem visíveis), as reformas periódicas se imporão, pois os cálculos atuariais só levam em conta o binômio custo/benefício e não os costumeiros desvios de recursos ou a falência da máquina arrecadadora. O mesmo se diga em relação às Pecs sobre precatórios ‘impagáveis’.

 

Ora, se apenas 1% da dívida ativa está sendo efetivamente arrecadado pelo processo de execução fiscal e se há baixíssimo índice de impugnação da execução fiscal (embargos e exceção de pré-executividade), como sustentado na exposição de motivos, é porque não está havendo prévia seleção qualitativa das dívidas ativas a serem ajuizadas, nem está havendo a correta indicação do local onde se encontra o devedor e, tampouco, a indicação de seus bens passíveis de penhora.

 

Não se pode esperar eficiência se as execuções fiscais são ajuizadas em massa, sem o menor critério seletivo, misturando créditos tributários atingidos pelos efeitos da decadência, devedores presumivelmente insolventes ou não localizados, com créditos tributários de monta e de responsabilidade de empresas economicamente saudáveis. Não faz sentido concentrar os parcos recursos pessoais e materiais de que dispõe a Fazenda nas execuções contra devedores insolventes ou empresas inexistentes de fato.

 

Quem conhece a realidade dos Anexos Fiscais sabe muito bem que a paralisação dos processos executivos se deve, ou à falta de citação do devedor que se encontra em lugar incerto e não sabido, ou à ausência de indicação, pela exeqüente, dos bens penhoráveis causando aquilo que a PGFN chama de ‘taxa de congestionamento’ da ordem de 80% das execuções. O pior é que a maioria dessas execuções paralisadas é alcançada pela prescrição intercorrente, mas os respectivos autos continuam ocupando, inútil e desnecessariamente as prateleiras do Anexo Fiscal, por não ter quem tome a iniciativa de requerer a sua extinção e arquivamento. Resultado: devedores saldáveis do ponto de vista financeiro e de quantias consideráveis continuam se beneficiando, cujos processos ficam escondidos entre os milhares de processos fadados ao insucesso. Ora, isso é intolerável! Com tamanha desídia e falta de vontade política nenhum instrumento legal poderá propiciar a esperada eficiência! Por conta desse tumulto, decorrente da falta de planejamento, para dizer o mínimo, simples pedido de baixa da penhora por ter pago o débito, leva-se meses, às vezes, anos.

 

Logo, se há morosidade nas execuções fiscais, a culpa não é apenas do Judiciário. Por isso, parece óbvio que transferir a execução fiscal para o âmbito da Administração não irá resolver o problema.

 

Aliás, se a Administração Tributária leva 4 anos em média para ultimar o processo administrativo tributário, como afirmado na exposição de motivos (na verdade leva 56 meses em média), dos quais o contribuinte é responsável por apenas 75 dias (30 dias para impugnar, 30 dias para interpor recurso ordinário e 15 dias para eventual recurso especial), não se vê como possa a Administração agilizar a cobrança coativa da dívida ativa chamando para si tal atribuição.

 

Como se vê, o exame crítico dos dados apresentados pela PGFN está a recomendar outro tipo de providência legislativa, qual seja, o melhor aparelhamento material e pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional à altura de suas atribuições constitucionais e com recursos financeiros prioritários como prescreve o inciso XXII do art. 37 da CF. E acima de tudo é preciso alimentar muita vontade política de resolver o problema, ao invés de esperar que medidas legislativas supram o laborioso trabalho do servidor público e a eficiência do serviço público, que é um dos princípios constitucionais que rege a Administração Pública (art. 37 da CF).

 

Do exame do anteprojeto apresentado pela PGFN

 

Confundindo penhora administrativa, com execução fiscal administrativa e interesse público, com interesse privado do poder público, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional elaborou um anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, para tentar reduzir o tempo de tramitação dos processos judiciais e ultimar a rápida arrecadação da receita tributária. Reservou para o Judiciário apenas algumas tarefas de menor relevância. Representa mais uma manifestação da fúria fiscal ao lado de tantas outras: arrolamento fiscal; indisponibilidade universal de bens do devedor; exigência de certidão negativa de tributos para levantar valores depositados em juízo [01], bloqueio on-line de todas as contas bancárias [02], inscrição no Cadin, protesto da certidão de dívida ativa, proibição de obter talonários de notas fiscais; inabilitação do CNPJ como se criar obstáculos ao livre exercício da atividade econômica e denegrir a imagem das empresas em dificuldades financeiras momentâneas pudessem contribuir para o crescimento econômico e conseqüente aumento da receita tributária. Se for para liquidar as empresas em débito com o fisco, a nova lei de falências, que introduziu a recuperação judicial e extrajudicial de empresas em dificuldades econômicas, não teria razão de ser. É preciso mínimo de coerência na legislação como um todo. Não pode haver um instrumento normativo salvando as empresas em dificuldade financeira, enquanto que outro visa inviabilizar a continuidade da atividade produtiva motivada por débitos tributários, muitas vezes, discutíveis.

 

Abandona-se o meio regular de coerção, que assegura a observância dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (execução fiscal) substituindo-o por normas legais não conformadas com o Texto Maior dentro daquele princípio ‘o fim justifica o meio’.

 

Na verdade, esse cipoal de instrumentos normativos violentos vêm suprindo a falta de eficiência dos servidores públicos. Dia chegará em que o contribuinte nenhum direito terá. Tamanha é a fúria fiscal que é possível prever para o futuro não muito remoto um sistema jurídico-fiscal em que a Fazenda, em convênio com o Banco Central, programe seus computadores, para promover a compensação dos tributos que ela entender devidos com os saldos em contas correntes, inclusive, promovendo resgates antecipados das aplicações financeiras do contribuinte devedor. Assim, o empresário poderá ficar sem recursos para pagar o tributo retido na fonte, os fornecedores e os salários de seus empregados.

 

O anteprojeto sob análise é mais um instrumento de manifestação dessa fúria fiscal. São poupados os contribuintes de tributos municipais, já que os Municípios são useiros e vezeiros das tentativas de terceirização do serviço de cobrança da dívida ativa, exatamente, na contramão da diretriz traçada pelo art. 37, XXII da CF.

 

Ademais, a proposta legislativa mistura providências de natureza administrativa e providências de natureza judicial ao longo do processo de execução fiscal. Confere natureza administrativa ao processo de execução fiscal (art. 3º) remetendo ao Judiciário o controle dos atos praticados pelas Fazendas Públicas com manifesta violação do princípio do juiz natural (arts. 5º, XXXVII e LIII da CF), do devido processo legal (art. LIV da CF), confundido com mero ‘procedimento legal’ e com afastamento do princípio do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV). A penhora, avaliação, o arresto, a remoção dos bens apenhados, o seu registro, o reforço de penhora, a substituição do bem penhorado à critério da Fazenda e independentemente da observância da ordem legal e o leilão [03] são conduzidos pela administração, adentrando no campo reservado à jurisdição (arts. 10 e 19). Porém, se houver impugnação da avaliação cabe ao juiz decidir (§ 2º do art. 12). O arbitramento do percentual do faturamento para fins de penhora também é feito pelo juiz (art. 17). Por oportuno, é de se lembrar que não existe legalmente a figura da penhora de faturamento bruto, nos moldes pretendidos pela anteprojeto, que outra coisa não é senão uma intervenção branca na vida da empresa. O que existe é a penhora de estabelecimento empresarial ou de penhora de faturamento, seguida de nomeação pelo juiz de um depositário responsável pela sua administração (art. 677 e § 3º do art. 655-A do CPC), o que envolve necessariamente os pagamentos de encargos trabalhistas e tributários e de fornecedores. É bem diferente da penhora de um determinado percentual do faturamento bruto, figura abusiva e ilegal que pode implicar falência da empresa.

 

O anteprojeto contém, ainda, outros vícios. Cria, de forma indireta, a figura da responsabilidade tributária pessoal em relação à terceira pessoa que nada tem a ver com a situação que constitua o fato gerador da obrigação tributária (§ 3º, do art. 6º); cria nova hipótese de interrupção da prescrição [04] ao arrepio do CTN (§ 5º, do art. 7º); e permite a Fazenda proceder ao leilão na forma eletrônica (§ 3º do art. 20) antes do julgamento de eventuais embargos apresentados pelo executado (art. 23).

 

Ao estabelecer um sistema híbrido de cobrança coativa da dívida ativa, o anteprojeto em questão cria um tumulto processual, intercalando providências de natureza administrativa e de natureza judicial ao longo do processo de execução.

 

Nem mesmo nos países em que adotam o contencioso administrativo, existente, entre nós, no tempo do Império, permite-se a promiscuidade de atos administrativos e judiciais no bojo da execução fiscal.

 

Os ilustres autores, ao procurar ancorar o anteprojeto no princípio da auto-executoriedade de que é dotada a Administração, parece confundir interesse público com o interesse privado do poder público. A Fazenda é parte na relação jurídica tributária. O juiz Estado substitui as partes dessa relação para a solução da controvérsia. Há uma tremenda confusão, também, entre exigibilidade em que a Administração se utiliza de meios coercitivos indiretos como imposição de multas, nos casos expressamente previstos em lei, com executoriedade em que a Administração, independentemente de previsão legal, emprega meios de coerção direta para atendimento de uma situação emergencial que coloca em risco a segurança, a saúde ou o interesse coletivo (erradicação de pomar contaminado pelo cancro cítrico, demolição ou interdição de prédio ameaçando ruir, dissolução de uma passeata que ponha em risco a segurança das pessoas ou dos bens, internamento de pessoa com doença contagiosa etc), na precisa lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro [05]. Nessas hipóteses, o controle judicial ocorre a posteriori, se provocado pelo interessado.

 

Não é por outra razão que o ilustre Presidente da Comissão de Direito constitucional da OAB/SP, Prof. Antonio Carlos Rodrigues do Amaral em um artigo a nós encaminhado afirmou:

 

    Não é razoável – do ponto de vista jurídico – que o próprio credor da obrigação, o fisco, representado pelos procuradores, fiscalize, lance o tributo, inscreva-o na dívida ativa, penhore o bem, decida sobre eventuais defesas (p.ex. execução de pré-executividade) e exproprie o devedor. O ordenamento magno não se afeiçoa à hipótese de o próprio erário constranger, executar e expropriar o cidadão, fora do âmbito do Poder Judiciário (cf. inc. XXXV do art. 5º da CF).’

 

Se um particular pretendesse cobrar coativamente o seu devedor incorreria em crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do CP.

 

Parece fora de dúvida de que a cobrança do crédito tributário mediante expropriação de bens do devedor está submetido ao princípio da reserva de jurisdição, tanto quanto a inviolabilidade do domicílio da pessoa, ressalvada a hipótese de flagrante delito ou desastre.

 

Supor que a divisão das atividades próprias da execução fiscal entre os órgãos do Executivo e do Judiciário irá agilizar o desfecho das demandas é incorrer no equívoco elementar de quem não conhece a realidade. Como seria possível sustentar que a intervenção do Executivo poderia agilizar a execução fiscal, se os processos administrativos tributários no dizer da PGFN levam, em média, 4 anos para decisão final, dois quais, o contribuinte é responsável pela consumação de no máximo dois meses e meio, entre impugnação e recursos? Como um órgão administrativo, que timbra pela morosidade de seus atos, poderia agilizar a execução fiscal? Claro está que o acúmulo de executivos fiscais no Judiciário é mero pretexto para implementação de instrumentos normativos autoritários e arbitrários para arrecadar a todo custo o que fisco entende ser devido, anulando os princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa.

 

Seria preferível, mediante reforma constitucional, implantar o contencioso administrativo subtraindo da esfera do Judiciário a composição de lides de natureza tributária. A experiência tem demonstrado o bom desempenho dos tribunais administrativos ou dos Conselhos de Contribuintes. A imparcialidade e conseqüente confiabilidade das decisões proferidas por órgãos colegiados de segunda instância administrativa, compostos de profissionais especializados que lidam apenas com a matéria tributária, também, é pública e notória.

 

Exame do Projeto de lei nº 10/2005 apresentado pelo Senador Pedro Simon

 

Aparentemente os autores do anteprojeto ignoram o Projeto de Lei nº 10, de 2005 que institui a penhora administrativa e que se encontra em tramitação no Congresso Nacional.

 

Trata-se de projeto de lei apresentado pelo ilustre e combativo Senador Pedro Simon na linha daquele que havia sido apresentado pelo então Senador Lúcio Alcântara [06], e que contou com o endosso da Associação dos Magistrados Brasileiros.

 

Para melhor exame transcreve-se a integra desse projeto legislativo com a respectiva justificação.

 

    PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 10, DE 2005

 

    (Do Senador Pedro Simon)

 

    Institui a penhora administrativa, por órgão jurídico da Fazenda Pública, e dá outras providências.

 

    O Congresso Nacional decreta:

 

    Art. 1º Fica instituída a penhora administrativa executada pelas Procuradorias Fiscais ou da Fazenda Nacional da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Município e de suas autarquias.

 

    Art. 2º Após a inscrição da Dívida Ativa da União, dos Estado, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, pela respectiva Procuradoria ou pelo órgão jurídico competente estes poderão optar por executar a Dívida Ativa nos moldes da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, ou segundo o disposto nesta lei.

 

    Art. 3º Inscrito o crédito tributário ou não tributário, a respectiva Procuradoria ou órgão jurídico competente notificará o devedor, para pagá-lo, no prazo de cinco dias, amigavelmente, sob pena de proceder à penhora de seus bens, tantos quantos bastem para a garantia da dívida, na forma dos arts. 7º, IV, 8º, 9º 10 e 11 da Lei nº 6.830, de 1980, no que couber.

 

    Parágrafo único. A penhora será realizada por servidor habilitado, na forma do regulamento.

 

    Art. 4º Em caso de pagamento do crédito para com a Fazenda Pública, a penhora será desfeita, imediatamente, devendo essa tomar as providências cabíveis, no prazo impostergável de quarenta e oito horas, sob pena de responsabilidade de quem der causa à omissão.

 

    Art. 5º Realizada a penhora, o devedor poderá oferecer embargos, na forma da Lei nº 6.830, de 1980, perante o juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, o qual requisitará, de ofício, o processo administrativo em que se tiver efetivado a ordem de inscrição e a respectiva penhora administrativa.

 

    Parágrafo único. A Procuradoria ou o órgão jurídico competente deverá encaminhar ao juiz o referido processo, no prazo de quarenta e oito horas, sob as sanções da lei.

 

    Art. 6º Aplicam-se, no que couber, as disposições do Código de Processo Civil e da Lei nº 6.830, de 1980.

 

    Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

    Art. 8º Revoga-se o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

 

    Justificação

 

    Este projeto foi idealizado e apresentado pelo nosso ilustríssimo colega, o laborioso e eficiente ex-Senador Lúcio Alcântara, hoje grande Governador do Estado do Ceará. A proposição encontrou o amparo e o apoio da AMB, apesar de a proposição ter sido arquivada ela faz parte do pacote de projetos que a Associação dos magistrados Brasileiros consideram imprescindíveis à reformulação de nosso sistema processual. A proposta da AMB é um conjunto de diversas matérias que, sem exagero, pode ser encarado como a verdadeira reforma da Justiça e do Poder Judiciário. Muitas das propostas eu tive a honra de subscreve-las e aqui apresentá-las, neste sentido tomo a liberdade de endossar também este projeto de meu amigo e colega. Concordando em todo o grau com a proposição original, nada mais faço do que aqui reproduzir a justificação que acompanhou o PLS nº 608/99:

 

    “O presente projeto de lei visa ao aperfeiçoamento da cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública – tanto da União, quanto dos Estados, do Distrito federal e dos Município, bem assim dos respectivos entes autárquicos, sem ferir os direitos fundamentais do cidadão, embora se criem instrumentos eficazes para coibir a evasão fiscal.

 

    Não há dúvida de que o Estado necessita de instrumentos capazes de barrar a desenfreada sonegação e a mais absurda das injustiças praticadas contra o bom contribuinte, que paga em dia seus tributos; sem, entretanto, se esmigalhar o mais sagrado dos direitos fundamentais, consagrado através dos tempos, pelas civilizações modernas: a garantia e a preservação do juiz natural, estatuído em nossa Lei Maior (art. 5º, XXXV) como fundamento da democracia.

 

    Para obviar esses males, a doutrina vem pensando em soluções as mais diversas, destacando-se a introdução do contencioso administrativo, com poder jurisdicional, tal qual existente em diversos países, conforme ensinamentos dos Mestres Carlos M. Giuliani Fonrouge e Susana Tamila Navarrine (in Procedimento Tributário, ed. De Palma, Buenos Aires, 1995) e do Professor Leon Frej da Szklarowsky, Subporcurador-Geral da Fazenda Nacional aposentado (cf. Execução Fiscal, ed. Ministério da fazenda, Escola de Administração Fazendária, Brasília, 1984).

 

    O Professor Leon Frejda Szklarowsky, estudando os aspectos do Contencioso Fiscal e Admnistrativo no Brasil, enfrenta a questão fisco-contribuinte segundo o axioma garantia e agilidade: segurança para o administrado e presteza para o Estado-Fisco, na cobrança de sua dívida ativa, advogando a instituição da penhora administrativa (cf. “Reforma Tributária”, in Arquios do Ministério da Justiça, ano 39, nº 168, março de 1986, pp. 84 a 93), segundo modelo não tradicional, que propõe, e mais consentâneo com a consciência jurídica brasileira.

 

    E, mais recentemente, em seu trabalho ” A justiça Fiscal e a Reforma da Constituição” (in “Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas”, Revista dos Tribunais, vol. 10, ano 3, janeiro-março de 1995, pp. 207 a 210), fortalece a tese da penhora administrativa,sem, contudo, fissurar o princípio do juiz natural, nos seguintes termos:

 

    “Penhora administrativa.

 

    No âmbito processual tributário, há que se fazer também um remendo na lei, sem qualquer fissura no sistema, aproveitando a experiência alienígena e adaptando-a à realidade brasileira, sem romper os liames constitucionais e a tradição histórica do País, permitindo-se a realização da penhora administrativa.

 

    A penhora administrativa não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalta, enfaticamente, o Ministro Carlos Velloso.

 

    Na execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, a maior parte das execuções fiscais, não é embargada, ou seja, o pagamento dos débitos fiscais faz-se antes da penhora e da apresentação dos embargos, segundo estatísticas das Procuradorias Fiscais. Os embargos, por sua vez, segundo o direito vigente e a melhor doutrina, constituem ação, que, no magistério de Liebman, consubstanciada uma cão incidente do executado, vez que o procedimento executório, propriamente dito, não comporta defesa, já que fundado na idéia fundamenta de não haver matéria litigiosa a discutir e decidir.

 

    O executado passa a ser o autor, e o exeqüente.

 

    O réu, a fim de anular ou reduzir a execução ou suprimir ao título sua eficácia executiva, estando os embargos sujeitos aos requisitos da petição inicial.

 

    O devedor exerce verdadeiro direito de ação. Destarte, pode a lei assentir que, antes do ingresso em juízo, a Fazenda Pública, através do órgão jurídico competente Procuradoria Fiscal, ou da Fazenda, promova a execução forçada até a penhora, alicerçada na certidão de dívida ativa, que goza da presunção de legitimidade e auto-executoriedade.

 

    Contrariamente ao que ocorre no Direito Alemão e Espanhol, que conferem à administração fiscal a prerrogativa de promover a execução – forçada do crédito tributário, após o lançamento, propomos que aquele encargo caiba ao Procurador-Advogado do Estado ou da Fazenda Pública, após a inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, verificados os pressupostos de sua legitimidade e legalidade, sem quaisquer riscos, para o contribuinte e somente até a penhora. Esta, por ser ato puramente administrativo e não judicial, será executada por funcionário credenciado da Procuradoria, sob a supervisão do Procurador, no Juízo competente para propor a execução fiscal e interpor os embargos à execução. Em caso de embargos à execução, requisitará o juiz o processo administrativa respectivo, no qual se efetivou a ordem de inscrição como dívida ativa e de penhora.

 

    A Lei de Execução Fiscal – Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 – já disciplina o processo após os embargos, devendo uma lei própria regular a atividade do procurador e o processo, desde a inscrição da divida ativa até a penhora administrativa, aplicando-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.

 

    Não obstante, a Fazenda poderá optar por cobrar sua dívida, através da via execução, consubstanciada na Lei nº 6.830, prescindido da penhora administrativa.

 

    Como se concluir, nem a Lei de Execução Fiscal estará afetada, nem se furta da Fazenda Pública a faculdade de efetivar a cobrança pela elegida.

 

    Observe-se que ao devedor não fica suprimida a via judicial, expressamente consagrada no inc. XXIXV do art. 5º da Lei Maior, como corolário do principio constitucional expresso no art. 2º – harmonia e independência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

 

    Com efeito, não efetuando o devedor o pagamento após a inscrição – do crédito como dívida ativa e respectiva penhora administrativa, poderá, se, – o desejar, embargar a execução fiscal, de conformidade com o art. 16 da Lei – nº 6.830, ou ainda, valer-se das demais ações judiciais, inclusive de – mandado de segurança.

 

    Assim, o direito brasileiro estará inovando, porque permitirá à Fazenda Pública executar seu próprio ato administrativo, efetuando a penhora administrativa, por autoridade jurídica competente – o Procurador Advogado do Poder Publico, após a determinação da inscrição do crédito fiscal como dívida ativa, efetivando, previamente, o controle da legalidade, prevista na legislação, que abrigou essa atividade, exercitada, secularmente, pelo Procurador da fazenda, em caráter privativo.

 

    Isso ocorrerá, naturalmente, sem desmoronar o princípio do juiz natural.”

 

    De fato afigura-se revolucionária e de bom senso a proposta de penhora administrativa, por órgão jurídico da Fazenda Pública, desagarrada da administração ativa, alicerçada em garantias legais e constitucionais. Daí, o presente projeto de lei, que regula a matéria nos arts. 1º a 7º. Essa penhora administrativa não se opõe aos cânones constitucionais, por que, na verdade, não suprime nem impede o ingresso do devedor perante o Poder Judiciário, valendo-se da garantia fundamental que lhe oferece o inciso XXXV do art. 5º da (Constituição Federal, com assento no princípio básico da separação dos Poderes inserto no art. 2º da Carta Nacional.)

 

    A penhora, por não ser ato judicial, mas sim administrativo, independe de se realizar perante o juízo, mesmo porque não está defeso ao devedor valer-se das demais ações judiciais ou do mandado de segurança, como o faz, ordinariamente.

 

    O projeto de lei, por fim pretende revogar o art. 53 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (dispões sobre a organização da seguridade social e institui o plano de custeio).

 

    Esse dispositivo, inovou, sem qualquer propósito, na cobrança tributária da União, de suas autarquias e fundações publicas, o exeqüente, isto é, o credor poderá indicar bens à penhora que se efetivará concomitantemente à citação do devedor, ficando desde logo indisponíveis, o que caracteriza verdadeiro retrocesso, na opinião da melhor doutrina, e inverte, totalmente, o sistema do Código de Processo Civil e da citada Lei de Execução Fiscal (nº 6.830/80), reforçada, aliás pela Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1992 (institui medida cautelar fiscal, cuja decretação acarreta a indisponibilidade dos bens do sujeito passivo do crédito tributário ou não-tributário, até o limite da satisfação da obrigação, cf. art. 4º )

 

    Impõe-se, pois, a revogação do mencionado art. 53 da Lei nº 8.212, de 1991, por contrariar a lei nacional da execução fiscal desfigurando, total e inutilmente, o art. 8º da referida Lei nº 6.830, de 1980, que, adotando sensível evolução doutrinária e jurisprudencial ampliou para cinco dias, o prazo dado ao devedor para pagar a dívida ou garantir a execução, invertendo, desnecessariamente, a prerrogativa de o executado indicar bens à penhora.

 

    Espera-se, portanto, dos ilustres Pares a acolhida e, se possível, o aperfeiçoamento para o presente projeto de lei.

 

    Sala das Sessões, 16 de fevereiro de 2005.-Senador Pedro Simon’

 

Exame do projeto de lei nº10/2005 propondo algumas alterações com vistas à utilização da penhora administrativa como requisito da petição inicial de execução fiscal na formada Lei nº 6.830/80 que também deverá sofrer ligeiras alterações.

 

O objetivo deste estudo, nesta parte, visa uniformizar o processo de execução fiscal incorporando a penhora administrativa de que cuida o excelente projeto legislativo de iniciativa do nobre Senador Pedro Simon, mantendo a atual Lei 6.830/80 com as alterações sugeridas no tópico próprio, a fim de aproveitar a jurisprudência formada ao longo de seus 26 anos de vigência.

 

Trata-se de promover um casamento entre a Lei de Penhora Administrativa em gestação e a Lei de Execução Fiscal o que, seguramente, livrará o Judiciário de milhares de execuções fiscais mal aparelhadas e sem perspectivas de sucesso, quer porque o executado não é localizado, quer por que não foram encontrados bens para penhora, quer porque o estabelecimento executado não tem existência de fato etc.

 

Passemos ao exame de seus dispositivos sugerindo emendas reputadas necessárias ou oportunas.

 

O art. 1º, que institui a penhora administrativa guarda absoluta conformação com a ordem constitucional.

 

Justificação:

 

A excelente justificativa do culto Senador Pedro Simon, com lastro nos estudos feitos pela Associação de Magistrados Brasileiros e nas precisas lições do Professor Leon Frejda Szklarowisky, Sub-Procurador Geral da Fazenda Nacional aposentado, uma das maiores autoridades nessa matéria e um dos autores do anteprojeto que resultou na atual Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830/80, demonstra, de forma irretorquível que o ato de penhora ‘não configura atividade jurisdicional e, portanto, não necessita realizar-se sob as vistas do juiz, como ressalta, enfaticamente, o Ministro Carlos Velloso’.

 

Contudo, parcela ponderável dos estudiosos com que troquei idéias não abrem mão do concurso do Judiciário para a realização do ato de constrição. Todavia, ninguém conseguiu apresentar uma objeção de natureza científica para sustentar a tal reserva de jurisdição, apegando-se, ao que tudo indica, à velha tradição. É preciso saber inovar, ousar para dar solução a esse gravíssimo quadro representado pela montanha de processos de execução fiscal ‘intermináveis’ (como os precatórios ‘impagáveis’). A criação dos Anexos Fiscais já resultou de necessidade de não congestionar as Varas das Fazendas Públicas e não atrapalhar o andamento de processos de outra natureza.

 

Aos opositores da penhora administrativa eu pergunto: a penhora de um imóvel X ordenada pelo juiz competente causa constrangimento menor ao devedor do que a penhora do mesmo imóvel X ordenada pela autoridade administrativa competente? Claro que não! A penhora efetivada por ordem da autoridade administrativa competente oferece maior dificuldade de defesa do que aquela ordenada pelo juiz competente? A resposta negativa se impõe! Então, pergunto, por que a resistência? Por que o juiz deveria ficar vigiando o ato de penhora? Seria por causa da superstição?

 

O importante, o relevante juridicamente é assegurar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Se a penhora for excessiva ou se ela não obedecer a gradação prevista na lei sempre restará ao devedor impugnar essa penhora por ocasião dos embargos, regidos pelo princípio da eventualidade.

 

A penhora administrativa, portanto, é a medida que se impõe até mesmo para forçar a Administração a reaparelhar as Procuradorias, tanto para localização dos contribuintes devedores, como também para encontrar os bens penhoráveis. Não é, nem deve ser função do juiz ficar investigando o paradeiro do devedor. Sabe-se que a maior responsável pela paralisação dos autos em cartório é a espera de providências da exeqüente para localização do executado ou para indicar os bens penhoráveis. Em última análise, a morosidade, nestes casos, não é do Judiciário, mas da Fazenda exeqüente.

 

Quanto ao art. 2º entendo que a execução coativa da dívida ativa deve ocorrer obrigatoriamente na forma da Lei nº 6.830/80, sempre precedida de penhora administrativa, que deixa de ser uma opção do exeqüente como consta do projeto legislativo, mas pré-requisito para aparelhamento de execução fiscal.

 

Justificação:

 

A penhora como pré-requisito da execução fiscal insere-se no campo processual tributário legitimando a União dispor sobre a matéria de forma privativa (art. 22, I da CF). Assim, a lei federal pode instituir a penhora administrativa no âmbito nacional, respeitada a autonomia do entes políticos componentes da Federação no que tange a designação de órgãos e servidores públicos para execução do ato de penhora bem do devedor e sua avaliação. Além do mais é de extrema conveniência a unificação do processo de execução fiscal. Vedar a sua instituição no âmbito nacional seria o mesmo que vedar o estabelecimento de requisitos da inscrição da dívida ativa exaustivamente enumerados no art. 2º e parágrafos da LEF.

 

Quanto ao art. 3º convém indicar desde já a ordem de gradação da penhora, bem como as formalidades da penhora, como está no art. 11 da Lei nº 6.830/80, que restará revogada com a instituição de penhora administrativa, ou, fazer remissão a ele ou ao art. 655 do CPC, que estabelece a ordem de nomeação de bens. A penhora de estabelecimento empresarial, bem como a penhora de faturamento bruto, de origem pretoriana, serão incorporadas na LEF. Apresentamos abaixo a nova redação do art. 3º dentro da primeira alternativa:

 

    Art. 3º Inscrito o crédito tributário ou não tributário, a respectiva Procuradoria ou órgão jurídico competente notificará o devedor, para pagá-lo, no prazo de cinco dias, amigavelmente, ou, apresentar a exceção de pré-executividade ou nomear bens à penhora sob pena de penhora de seus bens, tantos quantos bastem para a garantia da dívida, obedecida a seguinte ordem:

 

    I – dinheiro;

 

    II – título da dívida pública, bem como título de crédito que tenham cotação em Bolsa;

 

    III – pedras e metais preciosos;

 

    IV – imóveis;

 

    V – navios e aeronaves;

 

    VI – Veículos;

 

    VII – móveis ou semoventes; e

 

    VIII – direito e ações.

 

    1º A penhora será realizada por servidor habilitado, exercente de cargo efetivo, na forma do regulamento a ser expedido pela entidade política competente, que procederá à sua avaliação.

 

    2º Feita a penhora será intimado o devedor, bem como seu cônjuge na hipótese de a penhora recair sobre bens de raiz.

 

    3º O termo ou o auto de penhora deverá deverá conter a avaliação na forma do parágrafo único.

 

    4º Apresentada a exceção de pré-executividde perante o juiz competente para a execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública será requisitado, de ofício, o processo administrativo em que se tiver efetivado a ordem de inscrição, devendo a Procuradoria ou o órgão jurídico competente encaminhar ao juiz o referido processo, no prazo de quarenta e oito horas, sob as sanções da lei.

 

Justificação:

 

É preciso facultar o pagamento ou nomeação de bens à penhora ao devedor, estabelecendo desde logo a ordem de nomeação de bens à penhora. A penhora deve ser realizada por servidor exercente de cargo efetivo, por força do disposto no art. 37, XXII da CF, na forma do regulamento que cada Fazenda Publica houver por bem disciplinar, em respeito à autonomia de cada ente político para organizar o seu quadro de servidores. Da penhora administrativa deve intimado o devedor e seu cônjuge se aquela recair sobre bens de raiz, devendo também conter a avaliação, para que o executado possa manifestar sua discordância por ocasião da apresentação dos embargos em juízo. Os §§ 2º e 3º representam reprodução de textos dos artigos 12 e 13 da EF, cuja revogação é proposta. O § 4º incorpora a criação pretoriana, a chamada exceção de pré-executividade, que os tribunais vêm acolhendo nas hipóteses que versam sobre matéria de direito que independem de dilação probatória. Se o crédito tributário estiver extinto pela decadência ou prescrição (art. 156, V do CTN), por exemplo, não há razão para submeter o executado à prévia constrição de seus bens como condição para se defender.

 

Quanto ao art. 4º, da forma como está redigido deixa de ter sua função no novo quadro legislativo, passando a ser substituído por novo texto, na forma abaixo:

 

    Art. 4º Se o devedor não tiver domicílio ou dele se ocultar será procedido o arresto de seus bens aplicando-se, no que couber, os dispostos nos parágrafos 1º a 3º do art. 3º.

 

Justificação:

 

O arresto de bens do devedor nas hipóteses mencionadas já está previsto no art. 7º, III da LEF, que fica revogado com a instituição de penhora administrativa. Se se pode fazer a penhora administrativa, nada impede de proceder também o arresto administrativamente, desde que nenhum prejuízo resulte à defesa do executado.

 

Art. 5º e seu parágrafo único

 

O art. 5º e seu parágrafo único, com a instituição da penhora administrativa como condição para propor a execução fiscal deixa de ter aplicação, sugerindo-se nova redação a esse dispositivo:

 

    Art. 5º Realizada a penhora ou arresto a Procuradoria Fiscal ou órgão jurídico competente da Fazenda Pública deverá ajuizar, no prazo de quarenta e oito horas, a execução fiscal na forma da Lei nº 6.860, de 22 de setembro de 1980, devidamente instruída da certidão de inscrição da dívida ativa e do auto de penhora ou de arresto.

 

Justificação:

 

É desejável a manutenção dos embargos após o ajuizamento da execução fiscal. A única diferença seria que o prazo de embargos contar-se-ia da data da citação e não da data de intimação da penhora.

 

Embora cabível os embargos, sem processo judicial de execução, porque aqueles têm natureza de ação, tal procedimento, além de burocratizar o processo de execução, cria dúvidas e incertezas acerca da prescrição do crédito tributário.

 

Requisitar o processo administrativo de inscrição da dívida ativa e de penhora administrativa, para cumprimento em 48 horas, mesmo ‘sob pena de lei’, como está no projeto legislativo, não irá agilizar o procedimento administrativo de apresentação do processo em juízo. Na prática, a Administração sempre tem atendido as requisições de processos administrativos com seis a nove meses de atraso, após reiteradas requisições. Cria, pois uma burocracia perfeitamente dispensável.

 

Por outro lado, suscita dúvidas e incertezas quanto ao termo inicial da interrupção da prescrição que, no regime jurídico atual, ocorre com o despacho do juiz que ordenar a citação na execução fiscal (inciso I do parágrafo único do art. 174 da CTN com a redação dada pela LC nº 118/2005). Antes só se dava com a efetiva citação. Não se pode esquecer que a prescrição está sob reserva de lei complementar como visto anteriormente.

 

Ora, nos embargos, por ser uma ação do executado contra a exeqüente não há despacho ordenando a citação ao devedor. Como fica o prazo de interrupção da prescrição? E da prescrição intercorrente, à falta de processo de execução fiscal judicial em andamento?

 

Por tais razões, é preferível incorporar a penhora administrativa como um dos requisitos da propositura de ação de execução fiscal, promovendo pequenos ajustes na atual Lei de nº 6.830/80 à luz da jurisprudência formada ao longo desses 27 anos de vigência como adiante proposto em forma de anteprojeto de lei.

 

Quanto aos artigos 6º e 7º nada a opor. Aliás, a bem proposta revogação do art. 53 da Lei nº 8.212/91 se impõe para uniformizar o processo de execução fiscal dos tributos de competência da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária, hoje, integradas na Secretaria da Receita Federal do Brasil.

 

Minuta de anteprojeto de lei de alteração da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980

 

Projeto de Lei nº…..

 

    Altera dispositivos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 e dá outras providências.

 

    Art. 1º Os dispositivos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, adiante menciondos ficam alterados e revogados……..

 

Alterações propostas

 

Art. 2º, § 3º

 

Alterar a redação do § 3º nos seguintes termos:

 

    3º A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feito pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e em se tratando de crédito não tributário suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 (cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

 

Justificação:

 

Em matéria tributária a prescrição está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF) e o CTN não prevê a figura da suspensão (art. 174 e parágrafo único). Daí porque a suspensão cogitada não pode abranger o crédito tributário sob pena de inconstitucionalidade.

 

Art. 6º, § § 1º e 2º

 

Alterar a redação dos parágrafos acima nos seguintes termos:

 

    1º – A petição inicial será instituída com a certidão da Dívida Ativa e com o Auto de Penhora ou de arresto, que dela farão parte integrante, como se estivessem transcritos.

 

Justificação:

 

Com a exigência de instruir a inicial com o auto de penhora, a ser feito na forma da lei de regência (a lei de penhora administrativa), impede-se o congestionamento do Judiciário com propositura de milhares de execuções fiscais fadadas ao insucesso pela não localização do devedor ou de seus bens. É forma de obrigar a administração a aparelhar melhor o seu órgão de cobrança da dívida ativa (art. 37, XXII da CF) e, ao mesmo tempo, induzir a Administração a eleger critério seletivo na cobrança do crédito tributário priorizando a cobrança de créditos de monta e de devedores solventes e com endereços definidos.

 

Libera-se o espaço físico da repartição judiciária competente, bem como o tempo necessário aos juízes e servidores do Judiciário para cuidar apenas de execuções viáveis. Ou a Administração se moderniza ou ela arcará com o estigma da morosidade, hoje, imputado aos Anexos Fiscais.

 

    2º – A petição inicial, a certidão de Dívida Ativa e o Auto de Penhora poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.

 

Justificação:

 

A alteração é uma decorrência da modificação do parágrafo anterior.

 

Art. 7º

 

Suprimir os incisos II, III e V passando o inciso IV a constituir-se no inciso II:

 

    Art. 7º – O despacho do juiz que deferir a inicial importa em ordem para:

 

    I – citação, pelas sucessivas modalidades previstas no art. 8º;

 

    II – O registro da penhora ou do arresto, independentemente do pagamento de custas e outras despesas, observado o disposto no art. 14.

 

Justificação:

 

São revogados os incisos II, III e V. O arresto é suprimido, porque a sua efetivação motivada por ausência de domicílio do executado ou sua tentativa de ocultar, como está no inciso III, pode ser feita pela Administração a exemplo da penhora administrativa. A avaliação dos bens penhorados ou arrestados também poderá ser feita pela Administração. Eventual impugnação a esse título poderá ser aduzida como preliminar de embargos do executado.

 

Art. 8º

 

Alterar a redação do caput nos seguintes termos:

 

    Art. 8º – O executado será citado para, no prazo de (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa ou apresentar embargos, na forma do art. 16, observadas as seguintes normas:

 

Justificação:

 

A alteração parcial da redação visa adequar o texto à introdução da penhora administrativa.

 

Arts. 9º e 10 – Revogados

 

Justificação:

 

Esses dispositivos perdem a finalidade e face da instituição da penhora administrativa.

 

Art. 11

 

Esse artigo passa a ser reformulado, com a transposição dos incisos I a VIII para a lei que cuida da penhora administrativa, mantendo a penhora judicial para as hipóteses do § 1º e da penhora de faturamento bruto, conferindo-lhe seguinte redação:

 

    Art. 11 Excepcionalmente, atendendo ao requerimento fundamentado da Fazenda, o juiz poderá:

 

    I – ordenar a penhora do estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como das plantações ou edifícios em construção;

 

    II – ordenar a penhora do faturamento bruto do executado;

 

    III – ordenar a remoção do bem penhorado para o depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exeqüente, em qualquer fase do processo, atendendo ao pedido fundamentado da Fazenda.

 

    1º Nas hipóteses dos incisos I e II caberá ao juiz nomear administrador, aplicando-se, no que couber, as disposições do art. 677 e 678, e do § 3º do art. 655A do CPC, respectivamente

 

    2º a penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito à disposição do juiz da execução.

 

Justificação:

 

. As penhoras previstas nos incisos I e II devem submeter-se ao princípio da reserva de jurisdição, por implicar nomeação de administrador eqüidistante das partes da relação jurídico-tributária. A remissão aos dispositivos do CPC resguarda os interesses da Fazenda e do Executado permitindo-lhe a continuidade de sua atividade econômica, que ficaria inviabilizado se limitasse simplesmente à penhora de um percentual do faturamento bruto retirado compulsoriamente da receita do executado sem atentar para os compromissos dele com os fornecedores, empregados e o próprio fisco (tributo retido na fonte). É mantido o § 2º da Lei atual com ligeira adequação de sua redação, como decorrência da penhora administrativa.

 

Art. 12 e 13 – Revogados

 

Justificação:

 

As formalidades da penhora, bem como a avaliação dos bens penhorados devem ser disciplinadas na lei que institui de penhora administrativa.

 

Art. 14

 

Alteração de sua parte final para se ajustar à renumeração do atual inciso IV do art. 7º:

 

    Art. 14 O oficial de justiça………………. de que trata o artigo 7º, II.

 

Justificação:

 

A alteração da parte final decorre da renumeração do inciso IV do art. 7º que passou a constituir o inciso II.

 

Art. 15

 

O inciso I passa a ser o caput e o inciso II é revogado.

 

    Art. 15 Em qualquer fase do processo, a requerimento do executado, será deferido pelo juiz a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária.

 

Justificação:

 

A substituição de que cuida o caput (em sua nova redação) só favorece a Fazenda. A revogação do inciso II se impõe em face da instituição da penhora administrativa e também porque ele viola a regra geral de gradação estabelecida em lei para penhora. Se a critério da Fazenda a penhora independesse de gradação, a lei que a institui não teria sentido algum. Não se pode alegar tratamento não isonômico, porque a substituição a pedido do executado só favorece a Fazenda.

 

Quanto ao reforço de penhora não é preciso constar expressamente do texto legal pois ele decorre do princípio da satisfação integral do débito, mediante expropriação de bens do devedor, ressalvados aqueles declarados em lei como absolutamente impenhoráveis.

 

Art. 16

 

Altera-se a redação do caput, com a supressão do § 1º e renumeração dos demais parágrafos e inclusão de novos parágrafos:

 

    Art. 16 – O executado oferecerá embargos no prazo de 30 (trinta) dias contados da data de sua citação.

 

    1º No prazo de embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, inclusive, quanto ao vício formal do auto de penhora, bem como do valor atribuído ao bem apenhado, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até 3 (três), ou a critério do juiz, até o dobro desse limite.

 

    2º Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimento, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.

 

    3º Se os embargos contiver impugnação da avaliação do bem apenhado, o juiz, ouvida a Fazenda, nomeará avaliador oficial para proceder a nova avaliação.

 

    4º Se não houver, na comarca, avaliador oficial ou este não puder apresentar o laudo de avaliação no prazo de 15 (quinze) dias, será nomeada pessoa ou entidade habilitada, a critério do juiz.

 

    5º apresentado o laudo, o juiz decidirá de plano sobre a avaliação.

 

    6º em qualquer fase do processo será assegurada a transação nos temos da lei.

 

Justificação:

 

Como a penhora antecede a propositura da execução fiscal, o prazo de embargos passará a fluir a partir da data da citação do executado, devendo argüir, inclusive, se for o caso, vícios da penhora e sua discordância quanto ao valor atribuído ao bem apenhado. Os §§ 3º, 4º e 5º são meras transposições dos parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 13 da LEF, cuja revogação já foi proposta. O § 6º permite colocar termo ao processo de execução fiscal, a qualquer tempo, na forma da lei de regência. Há um anteprojeto da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional regulamentado os arts. 171 e 172 do CTN, que cuidam respectivamente da transação e da remissão total ou parcial do crédito tributário, nos termos da autorização legislativa.

 

Art. 40 e §§ – Revogados

 

Justificação:

 

O dispositivo restou prejudicado com a instituição da penhora administrativa. Além do mais, sua parte final conflita com a regra da prescrição intercorrente. De fato, a prescrição qüinqüenal do art. 174 do CTN abrange a intercorrente, sendo inaplicável a parte final deste dispositivo (Resp. nº 67.254-PR, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 9-9-96, p. 32.328; Resp nº 208.345-PR, Relator Min. José Delgado, DJ de 1º-7-99, p. 154; Resp nº 255.118-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 14-8-00, p. 156; AGResp nº 440.181-RO, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 28-10-02, p.252; Resp nº 239.535-MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 23-9-02, p. 301; Resp nº 257.694-RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 7-10-02, p. 212; AGResp nº 418.162-RO, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 11-11-02, p. 231; AGEDAG nº 446.994-RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10-3-03, p. 111).

 

Notas

 

01 Já julgada inconstituicional pelo STF, Adin 3453-DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 16-3-2007.

 

02 Começou com o convênio celebrado entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central e hoje virou rotina.

 

03 O leilão extrajudicial de imóvel financiado pelo SFH de que cuidam os arts. 31 e 32 do Decreto-Lei nº 70/66 vem sendo considerado inconstitucional pelos nossos tribunais, à luz da ordem constitucional vigente, apesar da jurisprudência em contrário do STF, pela sua composição antiga, fundada na ordem constitucional antecedente. O acórdão proferido no RE nº 223.075-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão (DJ de 6-11-98) que considerou constitucional o leilão extrajudicial à luz da Constituição de 1988 está inteiramente fundamentado na decisão por ele proferida na AC nº 148.231-SC, quando integrava o extinto TFR (RTFR-161, 163). No RE nº 304.464-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, decidindo a questão à luz da Constituição de 1988 restou reconhecida a inconstitucionalidade do leilão extrajudicial por violação dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (DJ de 24-6-2003, p. 048).

 

04 Matéria sob reserva de lei complementar conforme art. 146, III, b da CF.

 

05 Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 17ª ed., 2004, p. 194.

 

06 Projeto de lei nº 174/96.

 

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.

Site: www.haradaadvogados.com.br

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Exame do anteprojeto de lei que dispõe sobre a cobrança de dívida ativa apresentado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e seu substitutivo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/previdenciario/exame-do-anteprojeto-de-lei-que-dispoe-sobre-a-cobranca-de-divida-ativa-apresentado-pela-procuradoria-geral-da-fazenda-nacional-e-seu-substitutivo/ Acesso em: 29 mar. 2024