Direito Previdenciário

Do Direito ao Auxílio-Doença e a Aplicabilidade da Legislação

 

Sumário: Introdução; Do auxílio-doença; Da aposentadoria por invalidez; Da concessão do auxílio-doença ao segurado possuidor de doença preexistente; Da perícia; Da ilegalidade da alta programada; Da tutela antecipada; Da gratuidade judiciária. Considerações finais; Referências.

Resumo

O auxílio-doença tem por finalidade amparar os segurados que por ventura forem acometidos por certa patologia que os incapacite para as atividades laborais. A legislação previdenciária é cristalina neste sentido, concedendo o benefício àquele trabalhador que de fato é inscrito e filiado junto à Previdência Social. Contudo, na prática, a aplicabilidade do dispositivo que garante a concessão do benefício de auxílio-doença é falha no sentido de que a incapacidade deve ser avaliada de acordo com a atividade desempenhada pelo segurado, o que não ocorre na maioria das vezes. Assim, vários institutos foram criados para mitigar os direitos dos segurados, como por exemplo, a Alta Programada. Tal mecanismo visa cessar o benefício, quando concedido, tendo este prazo pré-fixado quando da realização da perícia médica, ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana fundante da Constituição Federal. Desta forma, o presente estudo visa demonstrar a ilegalidade da Alta Programada em face da concessão do benefício de auxílio-doença, deixando de fazer justiça frente ao ordenamento jurídico.

Palavras-chave: auxílio-doença; segurados; Previdência Social; Alta Programada; princípio da dignidade da pessoa humana.

Abstract

The sickness is intended to protect policyholders who perchance are affected by certain pathology involving incapacity for work activities. Pension legislation is crystal clear in this regard, giving the benefit to that employee that actually enrolled and is affiliated with the Social Security. However, in practice, the applicability of the device ensures that the granting of the benefit of sick pay is flawed in the sense that failure should be evaluated according to the activity performed by the insured, which does not occur in most cases. Thus, several institutes were created to mitigate the rights of the insured, such as the High Program. This mechanism aims to terminate the benefit, when granted, that period when the pre-set performance of medical expertise, injuring the principle of human dignity founding of the Federal Constitution. Thus, this study aims to demonstrate the illegality of High Programmed face in granting entitlement to sick pay, failing to do justice against the law.

Keywords: sickness; insured; social security; high Scheduled; principle of human dignity.

Introdução

Dentre os benefícios destinados a quem contribui para a Previdência Social, destaca-se o benefício de auxílio-doença, disposto no artigo 59 da Lei nº 8.213/1991.

Tal benefício é concedido quando o segurado da Previdência Social está impossibilitado de exercer suas atividades laborativas ante à incapacidade por doença existente.

Ao que dispõe o parágrafo 3º, do artigo 6º, da Lei nº 8.080 de 1990, entende-se por saúde do trabalhador, um conjunto de atividades que se destina, por meio das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, os quais são submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

O benefício de auxílio doença é concedido ao segurado que, por mais de 15 (quinze) dias fica afastado de suas atividades laborais em decorrência de doença (ou acidente), conforme dispõe os artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213 de 1991.

O auxílio-doença é um benefício de caráter previdenciário destinado a quem não tem condições de prover sua própria subsistência (ou de seus familiares), pois, por motivos de enfermidade não pode exercer suas atividades corriqueiras a partir do 16º (décimo sexto) dia de afastamento e cessa com a recuperação total do segurado, podendo este voltar a exercer suas atividades normais.

Após determinado prazo em que o segurado está em gozo do benefício o mesmo é cessado sem nova perícia médica, pois na consulta inicial o médico já soube quando a incapacidade acabaria.

Ocorre que, apesar de ter muitos casos que pode sim ser previsto o fim da incapacidade, nenhum organismo reage igual ao outro em casos parecidos, em doenças iguais, outros reagem mais fácil e rápido, outros nem tanto, ante a um assunto de tamanha subjetividade, a existência de um prazo fixado inicialmente para o término da incapacidade, ou seja, de recuperação total do segurado é um tanto quanto incabível.

Contudo, vale ressaltar que, não é todo tipo de doença que tem direito ao recebimento do benefício de auxílio-doença, a doença precisa incapacitar o segurado de exercer suas atividades temporariamente, pois o que pode incapacitar uma pessoa de exercer suas atividades, pode não incapacitar outra.

1. Do auxílio-doença

A legislação previdenciária nº 8.213/91 é clara ao dispor sobre a concessão do benefício de auxílio-doença. Sendo assim, o segurado que pretender ingressar com ação correspondente deverá preencher os requisitos contidos na respectiva lei, bem como, anexar os documentos que demonstrem que o segurado possui sérios problemas de saúde, e que por este motivo, está totalmente ou parcialmente impossibilitado de exercer qualquer tipo de atividade laboral.

A incapacidade para o trabalho, tanto a gerada por acidente do trabalho quanto a originada de causas comuns, confere ao segurado o direito ao gozo de benefícios, observados os requisitos exigidos para cada uma das espécies. A diferença básica entre os benefícios desta categoria reside no grau da incapacidade. [1]

Os documentos são indispensáveis, uma vez que o magistrado, ao apreciar as peças processuais, analisará a real situação do requerente ali demonstrada nos autos, verificando se o mesmo está impedido de exercer qualquer tipo de atividade laboral, e ainda, que a não concessão do benefício de auxílio-doença acarretará o totaldesamparopor parte da Previdência Social, pois o benefício que pretende ver concedido é essencial para a sua sobrevivência.

Necessário destacar que o auxílio-doença foi feito para amparar o trabalhador incapaz profissionalmente, seja por portar problemas físicos e/ou mentais, e que tenha contribuído por determinado período.

Assim dispõe os artigos 59 e 60 da Lei 8.213/91,

Art. 59 – O auxílio doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Art. 60 – O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do 16º (décimo sexto) dia do afastamento da atividade, e no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz (Redação dada pela Lei. 9.876, de 26 de novembro de 1999).

Insta salientar que o problema de saúde que acomete o segurado exterminou sua capacidade para o exercício de sua atividade laboral habitual como para qualquer outra, o que lhe dá ensejo a concessão do auxílio-doença, cujo escopo é assegurar a sobrevivência do segurado durante a sua incapacidade.

Embora não haja uma delimitação da duração máxima do auxílio-doença, trata-se de um benefício de duração continuada concedido para existir de forma precária, não devendo ser mantido perpetuamente, principalmente, quando o caso clínico do segurado não seja passível de recuperação.

Assim, a moléstia persistindo por longo tempo, sem perspectiva de recuperação, e sem a possibilidade de reabilitação do segurado, o benefício deve ser convertido em aposentadoria por invalidez, o que nem sempre acontece.

Na mesma linha, decidiu o Excelentíssimo Desembargador Federal Dr. Eustáquio Silveira do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, veja-se,

TRF – PRIMEIRA REGIÃO – Classe: EIAC – EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL – 01000347581 – Processo: 200201000347581 UF: MG Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO Data da decisão: 18/06/2003 Documento: TRF100152828 – DJ DATA: 21/08/2003 PAGINA: 20 – Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EUSTAQUIO SILVEIRA.

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL. LAUDO PERICIAL. DATA DA INCAPACIDADE DEFINITIVA. EPILEPSIA CONVULSIVA GENERALIZADA E TRANSTORNO PSICÓTICO DA PERSONALIDADE. QUADRO CLÍNICO PERMANENTE, REFRATÁRIO E PROGRESSIVO.

1. Concluindo-se, à vista do conjunto probatório dos autos, que à época do requerimento do auxílio-doença a segurada já se via acometida de moléstia incapacitante cujo quadro clínico apresentava-se, por ocasião do exame pericial, permanente, refratária e progressiva, é de se fixar o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez a partir do requerimento de auxílio-doença .

2. Embargos infringentes improvidos.

 

E ainda,

TRF – PRIMEIRA REGIÃO – Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 01000892729 – Processo: 200001000892729 UF: MG Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão: 13/11/2002 Documento: TRF100139328 – DJ DATA: 25/11/2002 PAGINA: 102 – Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EUSTAQUIO SILVEIRA.

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA O TRABALHO. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. AUXÍLIO-DOENÇA. EPILEPSIA. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO (LEI Nº 8.213/91, ART. 15, I). CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS.

(…)

3. Prescreve o art. 42, caput, da Lei nº 8.213/91, que “a aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição “.

4. Evidenciada a qualidade de segurada e demonstrada a incapacidade total e permanente da apelada, correta a sentença que lhe deferiu o benefício de aposentadoria por invalidez (Lei 8.213/91, art. 42, § 2º, I, e art. 59, parágrafo único) .

(…).

O artigo 42 da Lei 8.213/91 estabelece que,

a aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação profissional, para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Nota-se que para a concessão da aposentadoria por invalidez há quatro requisitos, a saber,

1. Manutenção da qualidade de segurado;

2. O cumprimento da carência exigida: 12 contribuições mensais, se for o caso;

3. Incapacidade total para o exercício de qualquer atividade laboral para a qual o(a) segurado(a) possua qualificação;

4. Improvável reabilitação para o trabalho.

Reunindo todo o conjunto probatório nos autos, do estado clínico do segurado e da legislação, o magistrado deverá posicionar-se no sentido de conceder o auxílio-doença, ou se for o caso, a sua conversão em aposentadoria por invalidez.

1.1 Da aposentadoria por invalidez

A aposentadoria por invalidez é benefício que guarda como pressuposto a incapacitação para o exercício de atividade que garanta ao postulante meios de subsistência, fato cuja edificação demanda prova especificamente pericial, que restará produzida no curso da ação.

Cabe ressaltar que os segurados que chegam ao judiciário, a fim de pleitear algum benefício ofertado pela Previdência Social, na maioria das vezes, são pessoas simples, de pouca instrução, e ainda, não têm aptidão para exercer outras atividades e muito menos saúde para competir com tantos profissionais no mercado de trabalho, tendo em vista as consequências que seu problema de saúde o acomete.

O fundamento do beneficio, como contingência sujeita à proteção social, é a incapacidade total e permanente para o trabalho. Incapacidade total é expressão que indica não ter o segurado condições e exercer qualquer atividade laboral, enquanto incapacidade permanente tem a conotação de que não há prognostico de que possa vir o segurado recuperar a capacidade de trabalho para a mesma ou outra atividade. A incapacidade poderá ter origem em doença ou acidente de qualquer natureza. [2]

E como é cediço, o sistema previdenciário rege-se pelos princípios constitucionais consagrados pela nossa Carta Magna, dentre os quais se pode citar o da solidariedade e da proteção social, e o maior de todos, que é fundamento da própria Constituição Federal, o princípio da dignidade humana, conforme leciona Jediael Galvão Miranda,

A dignidade da pessoa humana é valor fundamental que dá suporte à interpretação de normas e princípios da seguridade social, de molde a situar o homem como o fim de seus preceitos, e não como objeto ou instrumento. Em tema de seguridade social, garantir o mínimo existencial (um dos núcleos do princípio da dignidade humana) significa proporcionar condições materiais mínimas (prestações e serviços) para assegurar subsistência digna e vida saudável ao indivíduo atingido por determinadas contingências sociais. [3]

Ingo Wolfgang Sarlet entende por dignidade da pessoa humana

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimos para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. [4]

Assim, se a patologia apresentada pelo segurado persistir por longo tempo, entenda-se até o final da vida, sem perspectiva de recuperação e sem a possibilidade de reabilitação do mesmo, deve ser concedido o benefício da aposentadoria por invalidez.

No mesmo sentido jurisprudência do TRF da 1ª Região que segue,

 

TRF – PRIMEIRA REGIÃO – Classe: AC – APELAÇÃO CIVEL – 01000892729 – Processo: 200001000892729 UF: MG Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA – Data da decisão: 13/11/2002 Documento: TRF100139328 – DJ DATA: 25/11/2002 PAGINA: 102 – Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EUSTAQUIO SILVEIRA.

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA O TRABALHO. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. AUXÍLIO-DOENÇA. EPILEPSIA. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO (LEI Nº 8.213/91, ART. 15, I). CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS.

(…)

3. Prescreve o art. 42, caput, da Lei nº 8.213/91, que “a aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição “.

4. Evidenciada a qualidade de segurada e demonstrada a incapacidade total e permanente da apelada, correta a sentença que lhe deferiu o benefício de aposentadoria por invalidez (Lei 8.213/91, art. 42, § 2º, I, e art. 59, parágrafo único) .

(…).

Finalmente, é preciso deixar claro que os segurados pela Autarquia, diante dos reflexos das enfermidades e da incapacidade que as mesmas provocam, jamais poderão ser reabilitados para outra função, pois está claro que não conseguirão disputar uma vaga no atual mercado de trabalho em igualdade com pessoas que não possuem limitações.

 

1.2 Da concessão do auxílio-doença ao segurado possuidor de doença preexistente

 

Para que se faça jus aos benefícios da Previdência Social, necessário se faz realizar a inscrição junto ao INSS e, após, proceder à filiação. Aquela se diferencia desta sendo que se trata de mero ato administrativo de registro, enquanto que esta se refere ao recolhimento propriamente dito que, quando efetuado, diz-se que o beneficiário adquire a qualidade de segurado.

Além da inscrição e filiação, os benefícios previdenciários exigem o cumprimento de carência, a qual corresponde ao número mínimo de contribuições para que o segurado faça jus ao benefício pretendido. No caso do auxílio-doença a carência é de 12 meses.

Cumprida a carência, o segurado deve apresentar quadro de doença incapacitante quando do requerimento do benefício de auxílio-doença para que seja concedido.

A discussão é que se essa doença for antes da inscrição e filiação o segurado não faz jus ao auxílio-doença. Contudo, se o segurado já possuía a doença à época da filiação e esta se agravou, por algum motivo, incapacitando-o para a vida laborativa, é garantido a concessão do benefício.

A doença ou lesão preexistente à filiação ao RGPS é óbice à concessão de aposentadoria por invalidez, salvo se a incapacidade for decorrência de progressão ou agravamento da moléstia ou lesão após a respectiva filiação. [5]

Verifica-se que o momento do surgimento da doença distingue-se da real incapacidade em casos de doenças preexistentes, sendo que o segurado pode ser portador de alguma doença que não influencie no exercício de sua profissão, mas que com o passar do tempo progrediu.

A Medida Provisória 242/2005 modificou o parágrafo único do art. 59, dispondo que, para se configurar o direito ao beneficio, a progressão ou agravamento da doença ou lesão causadoras da incapacidade deveria ocorrer após cumprido o período de carência. Foi uma tentativa de diminuir o rol de beneficiários.

Entretanto, a vigência da MP 242 foi suspensa por decisão liminar proferida no STF e, posteriormente, rejeitada pelo Senado Federal. Continua em vigor a redação do art. 59, parágrafo único, do PBPS, sem a alteração trazida pela MP 242/2005. [6]

Assim, nota-se que a lei respalda o segurado mesmo que este tenha uma doença preexistente à filiação ao INSS, a qual venha a se agravar e impossibilitar suas atividades laborativas.

1.3. Da perícia

A incapacidade é comprovada por meio de perícia médica a cargo do INSS, se administrativamente, ou perito judicial em âmbito processual.

É comum que o segurado, tendo sido indeferido o benefício na via administrativa, ajuíze ação contra o INSS visando a concessão do auxílio-doença. Ocorre que, em algumas situações, o segurado requer judicialmente a aposentadoria por invalidez. Feita a pericia judicial, conclui-se pela inexistência de incapacidade total e permanente, mas o laudo pericial conclui pela incapacidade temporária. A jurisprudência maciça adota o entendimento no sentido de que o auxílio-doença pode ser concedido, judicialmente, mesmo quando o pedido inicial tenha sido de aposentadoria por invalidez, não se configurando julgamento extra petita. Entende-se, no caso que o auxílio-doença é um minus em relação à aposentadoria por invalidez.

Contudo, nem sempre a incapacidade parcial, sob o argumento puramente técnico, é fator decisivo para obstar a concessão de aposentadoria por invalidez. Há situações em que, apesar da conclusão médica de incapacidade parcial, existem elementos que indicam a impossibilidade de reinserção do segurado no mercado de trabalho, diante de fatores como idade avançada, baixa escolaridade e baixa qualificação profissional, tornando inviável a reabilitação profissional. Na hipótese, não se pode negar que as condições sociais e pessoais do segurado, aliadas aos aspectos físicos da sua saúde, configuram a invalidez para o trabalho, autorizando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.

2. Da ilegalidade da alta programada

É notório que o INSS, para conceder o benefício de auxílio-doença determina que o segurado realize exame médico, o que é feito por seus médicos-peritos.

Quando o médico-perito emite seu parecer ou atesta pela incapacidade do segurado, este fixa a data de encerramento do benefício, estabelecendo o tempo necessário para a recuperação. Tal previsão é denominada de alta programada.

Tal ato nada tem a ver com a enfermidade ou com a capacidade laboral do segurado.Nada mais é que redução de custos quanto à manutenção do benefício de auxílio-doença que fora concedido.

A famigerada alta programada coloca o segurado em uma situação vulnerável, já que ao final do prazo estipulado pelo médico-perito do INSS para a cura, o segurado deverá obrigatoriamente retornar ao trabalho independentemente da situação em que se encontra.

Denota-se que há uma grave ofensa e/ou lesão quanto ao direito à integridade física, moral, à saúde, à vida e à dignidade humana, o que é repudiado pelo nosso ordenamento jurídico.

Será que é possível um médico, sem realizar os devidos exames, estipular com precisão a data em que o segurado estará apto a retornar à atividade que habitualmente exercia, contrariando exames médicos, atestados e relatórios emitidos por médicos particulares ou até mesmo do S.U.S.?

O ato administrativo praticado pelos médicos-peritos do INSS que, estabelecem a famigerada alta programada é totalmente ilegal e inconstitucional, pois fere todas as garantias fundamentais de preservação da vida, à saúde, da integridade física, mental, e à dignidade humana.

O julgador deverá fazer uma leitura do sistema da seguridade social a partir da Constituição, e não a partir dos atos normativos impostos pelo INSS.

Necessário destacar que em matéria previdenciária, não é possível render-se aos atos praticados na via administrativa, principalmente nas altas impostas pelos médicos-peritos do INSS, que não encontra embasamento legal, mas somente técnico, redução de custos em detrimento dos segurados.

A alta programada viola diversas normas, principalmente a constitucional, em especial o artigo 196 que diz que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

3. Da tutela antecipada

O instituto da tutela antecipada, regulamentada no Brasil por meio da Lei 8.952, de 13.12.94, modificou o artigo 273, do Código de Processo Civil, representando uma das mais revolucionárias alterações do nosso ordenamento processual.

Tem se entendido por prova inequívoca aquela a respeito da qual não mais se admite qualquer discussão. É a prova extreme de dúvidas, que não deixa outra opção ao julgador, ou no dizer de Luiz Fux “é a alma gêmea da prova de direito líquido e certo necessária à concessão do mandamus”.

A verossimilhança, conceito subjetivo, é a razoável aceitabilidade da versão, plausibilidade ou probabilidade de ser, bem como a verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas.

Dano concreto quando as circunstâncias, de maneira evidente, revelam o risco do dano, e o dano presumido, a manutenção da situação não enseja evidente risco de dano, mas são facilmente presumíveis.

Nos casos apresentados face ao sistema da Seguridade Social, há fatos incontestes e questões exclusivamente de direito que dispensam a prova inequívoca para que se reconheça a verossimilhança da alegação e se conceda a tutela.

Além de tudo que já fora exposto, verifica-se de forma cristalina que o fundamento das demandas propostas é de suma relevância, porquanto versa sobre uma questão fundamental, qual seja, a concessão de benefício.

Insta ressaltar que o Código de Processo Civil, em seu artigo 273, autoriza à autoridade judiciária a adoção de medidas que impeçam a ocorrência de danos de difícil reparação, que segue,

Art. 273 – O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; (…).

Impõe-se, desta forma, nas concessões de benefício de auxílio-dença, a necessidade de concessão da medida inaudita altera pars, uma vez que se encontram patentes e presentes todos os pressupostos jurídicos necessários para a concessão.

A verossimilhança das alegações torna-se indiscutível com base no direito defendido e amplamente demonstrado no corpo dos autos, notadamente no que diz respeito aos preceitos contidos na Lei 8.213/91, além das inúmeras razões jurídicas já expostas e dos documentos acostados aos autos.

Por fim, quanto ao “fundado receio de dano irreparável” necessário salientar que o caráter da verba requerida é alimentar, e devido ao estado de saúde e pela situação financeira do segurado, a falta desta, gerará ao mesmo, incalculáveis e irreparáveis prejuízos.

4. Da gratuidade judiciária

A assistência judiciária é regulamentada pelas Leis 1.060/50 e 7.510/86, e pela Constituição Federal em seu artigo 5º, LXXIV, que são aplicadas subsidiariamente ao instituto da gratuidade judiciária.

A concessão do benefício da gratuidade judiciária aos segurados, faz-se necessário, ante o caráter alimentício da pretensão.

Desta forma, caso os segurados que pleiteiam a concessão de benefícios previdenciários junto ao judiciário forem hipossuficientes na acepção jurídica do termo, e não possuírem condições econômicas para pagar as custas do processo e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento, devem requerer a concessão dos benefícios da justiça gratuita, nos termos da Lei.

Considerações Finais

A existência de um instituto que interrompe a concessão do benefício previdenciário de auxílio doença fere os direitos inerentes à pessoa humana, contudo, a Lei Maior prevê, em seu artigo 1º, inciso III, que a dignidade humana é direito fundamental de todos os brasileiros, e, fica evidente que, a alta programada fere os direitos que a constituição resguarda a todos.

A dignidade humana é o princípio base para a interpretação e aplicação das normas constitucionais.

Contudo, ante a inexistência de algo positivado que possa afirmar a inconstitucionalidade da Alta Programada, é possível dizer apenas que ela é ilegal, ao passo que, tudo que vai contrario as disposições da lei é ilegal, e, notoriamente, a alta programada vai de encontro aos princípios norteadores da Constituição Federal de 1988.

O instituto denominado Seguridade Social tem por finalidade a busca da “Justiça Social”, em que, o Estado, dentre suas atribuições, através das divisões da Seguridade Social, promove a justiça social amparando quem dele necessita.

A Seguridade Social subdivide-se em Saúde, Assistência Social e Previdência Social, meios pelo qual o Estado ampara e reduz a desigualdade social, proporcionando uma vida digna a todo e qualquer cidadão que venha dele precisar.

Por mais que exista a possibilidade de o segurado ingressar novamente com pedido de concessão do benefício previdenciário de auxílio doença, se este encontrar-se incapacitado para o trabalho e tiver seu beneficio suspenso pela Alta Programada, até que este benefício volte a ser concedido, o segurado não terá alternativa a não ser voltar a exercer suas atividades laborais, pois muitas vezes, quem recorre à previdência social para requerer benefícios é porque não tem condições de prover a subsistência dos seus.

As consequências em decorrência do retorno indevido do segurado ao trabalho pode não ser somente para ele, como também para terceiros, sejam esses funcionários da empresa, o empregador, o consumidor, dentre outros, pois, é sabido que, em um ambiente de trabalho todo cuidado é pouco, pois sempre envolve mais de uma pessoa.

 

Referências Bibliográficas

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HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin. 2008.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. A Seguridade Social na Constituição. São Paulo: LTR, 1992.

MIRANDA, Jediel Galvão. Direito da Seguridade Social: direito previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

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SARLET, Ingo Wolfang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

________. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988.Porto Alegre: Livraria do Advogado Ltda, 2002.

* Christiane Splicido é Advogada. Bacharela em Direito pelo Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA. Pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná – Núcleo Londrina – EMAP. Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Professora de Direito Previdenciário no curso de Direito da Faculdade de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena – AJES. Organizadora do livro “Teoria Geral do Direito: ensaios sobre a dignidade humana e fraternidade”, publicado pela Boreal Editora, em 2011. Membro do Conselho Editorial da Revista IurisPrudentia da Faculdade de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena – AJES.E-mail: [chrisplicido@gmail.com].

** Vinicius Roberto Prioli de Souza é Advogado, Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente, Professor de Direito Empresarial na Faculdade de Direito de Itu – FADITU e Professor no curso de Direito da Faculdade de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena – AJES. Ainda muito jovem pontuou a sua trajetória intelectual, publicando artigos, sendo que, vários deles são de produção técnica-científica. Possui inúmeros artigos publicados em periódicos especializados e diversos trabalhos em anais de eventos, bem como, vários itens de produção técnica e livros, participando também de muitos eventos em todo o país. Coautor do livro “Propriedade Intelectual: Setores Emergentes e Desenvolvimento”, publicado em 2007. Autor da obra “Contratos Eletrônicos & Validade da Assinatura Digital”, publicado pela Juruá, em 2009. Coautor da obra “Visão Histórico Jurídica sobre a Comarca de Itu. Estudos Jurídicos em homenagem aos 400 anos da cidade de Itu”, publicado pela Editora Ottoni, em 2010. Coautor do livro “Estabelecimento Empresarial Virtual”, publicado pela Editora Ottoni, em 2010. Coautor e Coordenador da obra “Propriedade Intelectual. Alguns aspectos da Propriedade Industrial e da Biotecnologia”, publicado pela Juruá, em 2011. Coautor do livro “Manual Básico de Direito Empresarial – Especial para Estudantes e Concursos”, publicado pela Juruá, em 2013. Colunista Jurídico do “Jornal da Comarca” – Palmital/SP. E-mail: [vinicius_demolay@yahoo.com.br]. Web Site: [www.viniciusprioli.com.br].



[1] MIRANDA, Jediel Galvão. Direito da Seguridade Social: direito previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 176.

[2] MIRANDA, Jediel Galvão. Direito da Seguridade Social: direito previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 180.

[3] MIRANDA, Jediel Galvão. Direito da Seguridade Social: direito previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 24.

[4] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 8.ed. ver. atual. eampl. – Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 70.

[5] MIRANDA, Jediel Galvão. Direito da Seguridade Social: direito previdenciário, infortunística, assistência social e saúde. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 181.

[6] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 250.

Como citar e referenciar este artigo:
SPLICIDO, Christiane; SOUZA, Vinicius Roberto Prioli de. Do Direito ao Auxílio-Doença e a Aplicabilidade da Legislação. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/previdenciario/do-direito-ao-auxilio-doenca-e-a-aplicabilidade-da-legislacao/ Acesso em: 25 abr. 2024