Direito Previdenciário

Prescrição nas ações regressivas acidentárias

1. AS AÇÕES REGRESSIVAS AJUIZADAS PELO INSS

A ação regressiva de indenização, ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é o instrumento processual que viabiliza a autarquia
previdenciária a alcançar o ressarcimento do erário, em razão das despesas realizadas com o pagamento de benefícios decorrentes de acidentes do trabalho,
por culpa dos empregadores que descumprem as normas de saúde e segurança do trabalho.

Fundamenta-se a ação regressiva no artigo 120 da Lei 8.213/91, o qual preconiza: “Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene
do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”.

Aliás, não poderia ser diferente, pois, se a concessão do benefício acidentário somente se deu em razão de atos ilícitos praticados pelo empregador, nada
mais plausível que assegurar, à Previdência Social, o direito de ver-se ressarcida pelas despesas que, injustificadamente, terá que arcar em razão da
negligência de outrem e em prejuízo da integridade dos recursos públicos, pois o erário e, em última análise, a sociedade que o custeia, não podem assumir
o prejuízo decorrente do ato ilícito:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM SERVIÇO. ATROPELAMENTO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS PELO INSS .

1. No dia 04 de novembro de 1993, cerca de 23:00 horas, trafegava a ré na direção do automóvel Chevette, no Bairro União, em Belo Horizonte, quando em
razão da alta velocidade que imprimia no veículo (100 km/h), e ainda, por não haver dado prioridade de passagem a Marco Antônio da Cruz, que efetuava
travessia, atropelou e matou a vítima.

2. Legitimidade ativa do INSS. O artigo 121 da Lei nº 8.213/91 autoriza o ajuizamento de ação regressiva contra a empresa causadora do acidente do trabalho
ou de outrem.

3. Interesse de agir do INSS. A finalidade da ação regressiva é o ressarcimento, pelo INSS, dos recursos que foram gastos com acidentes de trabalho, que
poderiam ter sido evitados, se os causadores do acidente e do dano não tivessem agido com culpa.

4.
O risco que deve ser repartido entre a sociedade, no caso de acidente de trabalho, não se inclui o ato ilícito praticado por terceiro,
empregadores, ou não
.

5. Sendo públicos os recursos administrados pelo INSS, é necessário o ressarcimento, pelo causador do acidente de trabalho, de despesas com o
pagamento de benefícios à vítima do acidente ou beneficiários seus.

6. A culpa da motorista restou comprovada, a despesa do INSS e o nexo causal entre a conduta imprudente da ré e o dano também.

7. Apelação da ré improvida.” (TRF1, AC 1997.01.00.039881-5/MG, Relator Juiz Mário César Ribeiro, DJ de 25.06.99).

Com o manejo de tais ações regressivas, a Previdência Social visa a dois grandes objetivos: diretamente, zelar pela integridade econômica do fundo social
resultante da arrecadação das contribuições sociais, o qual não pode, simplesmente, deixar-se lesar por atos ilícitos praticados por outrem, ao arrepio do
art. 7o, XXII, da CF/88; e, indiretamente, gerar incentivos para que as empresas cumpram com as normas de segurança e de higiene do trabalho,
compatibilizando os primados da livre iniciativa com a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III e IV, c/c art. 170,
caput, da CF/88).

2. A Prescrição das Ações Regressivas do INSS

Prescrição é a perda da oportunidade de ajuizamento de uma ação pelo transcurso do tempo em respeito à necessária segurança jurídica que deve harmonizar o
convívio em sociedade. Noutras palavras, a prescrição extintiva é fenômeno jurídico que induz o perecimento da ação atribuída a algum direito em razão do
seu não exercício em determinado lapso temporal.

Ocorre, porém, que, excepcionalmente, e por expressa previsão constitucional, a pretensão de ressarcimento ao erário é imprescritível, nos termos do artigo
37, §5º, da CF/88. De acordo com o texto da Carta Maior, os ilícitos praticados por qualquer agente que causem prejuízo ao erário submetem-se à prescrição
estabelecida em lei, exceto as respectivas ações de ressarcimento.

Por esse motivo, tem-se que o fundo de direito da pretensão de ressarcimento nas chamadas Ações Regressivas Acidentárias é imprescritível.
Quanto a isso, nada se discute.

Fundo de direito, aliás, é a expressão utilizada para identificar a situação jurídica fundamental a caracterizar a essência e a base de um dado direito. No
caso, a obrigação de ressarcir o erário por prejuízo decorrente de um ato ilícito praticado.

Entretanto, nas relações jurídicas de trato sucessivo – como o caso da concessão de benefício acidentário pelo INSS, a prescrição incide progressivamente
sobre cada uma das prestações individualmente, à medida que elas forem completando o prazo estabelecido pelo ordenamento, ou seja, continuamente o marco
inicial do prazo prescricional é renovado até a extinção total do direito de ação. E é aqui, neste ponto, que se abre uma celeuma acerca do prazo
prescricional da ação de regresso a ser considerado.

Como é cediço, no caso das pretensões deduzidas pela Fazenda e contra ela, o prazo prescricional fixado é o de cinco anos, consoante o disposto no artigo
1° do Decreto 20.910, de 06/01/1932:
“As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal,
seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

E, no conceito de Fazenda Pública, se inserem não somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mas também suas autarquias e fundações
públicas (artigo 2° do Decreto-lei n. 4.597/1942).

Todavia, muitos juízes em todo o país têm entendido, diversamente, que o prazo prescricional a ser aplicado nas ações regressivas do INSS é o de apenas
três anos, previsto no artigo 206, §3º, V, do Código Civil, contrariando a regra exposta acima.

Segundo os defensores desta tese, a ação regressiva para ressarcimento de dano proposta pelo INSS tem natureza civil, e não administrativa ou
previdenciária. Prosseguem explicando que o sistema previdenciário é securitário e contributivo, daí porque os valores que a autarquia persegue não são
produto de tributo, mas de contribuições vertidas à seguridade social, pelo que, em sentido estrito, não se trata de erário, aplicando-se, quanto à
prescrição, o art. 206, §3º, V, do Código Civil, e não o Decreto nº 20.910/1932.

Vejamos o seguinte acórdão neste sentido:

“INSS. AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO NÃO OBSERVADAS. ART. 20 DA LEI Nº 8.213/91. PRESCRIÇÃO. ART.
206, §3º, V, DO CÓDIGO CIVIL.

(…)

2- No caso o INSS ajuizou ação contra empresa, para obter ressarcimento dos valores pagos a título de auxílio-doença e auxílio-acidente,
nos termos do art. 120 da Lei nº 8.213/91. Alega que a pessoa jurídica ré teria desobedecido as normas de segurança do trabalho, o que deu
ensejo ao acidente que vitimou o segurado da Previdência Social. Entretanto, não foi observado o prazo prescricional de três anos, previsto
no art. 206, §3º, V, do Código Civil, pois a demanda é de ressarcimento, fundada nos artigos 186 e 927 do CC, e art. 120 da Lei 8.213.

3. A sentença resolveu adequadamente a questão, ao assinalar que “o prazo de 3 (três) anos estipulado pelo art. 206 do Código Civil
refere-se à prescrição do próprio fundo de direito”. 4. Reforma-se a sentença apenas no que tange à condenação do INSS nas custas
processuais, tendo em vista a isenção legal. 5. Remessa e apelo parcialmente providos.”

(TRF 2ª Região, 6ª Turma Especializada, AC 200850010115712, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, E-DJF2R 18.08.2010, p. 296);

Como se afere, o fundamento para aplicação do Código Civil é simplesmente a inexistência de prazo prescricional específico.

No entanto, cabe salientar que, nas hipóteses de inexistência de norma sobre prescrição, quando se trata de ação judicial do Poder Público em face do
administrado, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando a aplicação principiológica da isonomia, estabelecendo um paralelo entre o prazo de que dispõe o
administrado para acionar a Administração com o que a Fazenda Pública poderia ter contra o particular, aplicando as disposições constantes do Decreto n.
20.910/32, que estabelece prazo quinquenal[1].

Dessa forma, caso não exista previsão legal de prazo de prescrição para as ações ajuizadas pelo Poder Público, não é o caso de se aplicar a lei civil.

Ademais, o INSS não atua, no âmbito da ação de regresso, como um particular, se submetendo às normas de origem civil, mas sim, busca evitar que o custo do
ato ilícito seja suportado por toda a sociedade, financiadora da Previdência Social. Pretende que a empresa, ao desrespeitar normas atinentes à segurança e
higiene do trabalho, seja responsabilizada por tal ato, a fim de que outros atos dessa mesma natureza sejam evitados.

Em resumo, diante da ausência de regulamentação legal expressa, e por aplicação ao princípio da isonomia – considerando que o prazo de que dispõe o
particular para acionar a administração pública é de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32) – a melhor interpretação é a de que o prazo a ser
aplicável às ações regressivas é este mesmo prazo legal. Afinal, a aplicação do prazo fixado pelo Código Civil ao caso sob comento representaria tratamento
desigual entre o Erário e o administrado em face de uma mesma situação jurídica.

REFERÊNCIAS

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO – AGU. Cartilha de Atuação nas Ações Regressivas Acidentárias, Brasília, 2009.

CAHALI, Yussef Said. Prescrição e Decadência. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2008.

MACIEL, Fernando. Ações Regressivas Acidentárias. Editora LTR, 2010.

OLIVEIRA, Julio César. Ações Regressivas Propostas pelo INSS face às Empresas.

Editora Conceito, 2010.

Nota:

[1] Superior Tribunal de Justiça STJ; REsp 1.057.754; Proc. 2008/0105563-5; SP; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julg. 23/03/2010; DJE 14/04/2010

Como citar e referenciar este artigo:
MARINHO, Cláudia Gaspar Pompeo. Prescrição nas ações regressivas acidentárias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/previdenciario/prescricao-nas-acoes-regressivas-acidentarias/ Acesso em: 26 abr. 2024