Política

A Falência Ideológica dos Partidos Políticos

foto Robson

A ideologia dos partidos políticos deixou de ser critério definidor desde que passou a ser estudado pelas ciências sociais. Explico.

A reflexão mais profunda sobre política nos faz muitas vezes ser vistos como “românticos” na política, pois esta palavra sob a ótica dos fundamentos históricos, em discurso acadêmico idealista, destoa, e muito, do pensamento político contemporâneo, que não é nada romântico.

Mas vamos lá. Inicialmente, a necessidade de se buscar a definição de partidos políticos é de extrema importância para aprofundar o assunto. Muito antes das ciências sociais, grandes pensadores já tentaram definir partidos políticos, é o exemplo de Edmund Barke, que definiu partidos políticos como “um conjunto de homens unidos para promover por seus esforços comuns o interesse nacional com base em alguns princípios em torno dos quais estão todos de acordo”.

Outro grande pensador que buscou tal definição foi Beijamim Constam, que definiu partidos políticos como “a reunião de homens que professam a mesma doutrina. David Hume faz uma observação interessante que: “A ideologia é extremamente ao partido enquanto ele não existe”, ainda.” Mas tão logo os partidos entram em funcionamento, a ideologia deixa de ser o seu critério definidor.”

A verdade é que hoje ninguém mais define partido político por sua ideologia, o que vemos, mas é claro, sem generalizações, são muitos políticos buscando satisfazer os seus próprios interesses, muitas vezes escusos, pouco importando com aqueles com os quais o elegeram para representá-los no parlamento.

A presente reflexão tem por objetivo identificar a definição de partidos políticos segundo os pensamentos de dois grandes cientistas políticos, são eles, Joseph LaPalombara e Wainer na obra Politico Parties e Politico Developmens, cuja missão não é nada fácil. Esses pensadores tiveram uma tremenda coragem, submetendo-se ao risco de serem achincalhados na exaustiva tentativa de definir partidos políticos.

Ao longo do tempo, buscaram encontrar algo que era incomum entre todos os partidos políticos e, tentaram, diferenciá-los das organizações não partidárias, tarefa nada fácil, senão vejamos.

Eles propuseram 4 características, a saber: (i) Partidos Políticos é uma organização durável cuja expectativa de vida é superior aos de seus dirigentes (ii) É uma organização estruturada localmente e implantada nacionalmente (iii) É dotado de vontade deliberada de seus dirigentes nacionais e locais de tomar e exercer o poder do estado (iv) através do apoio popular.

A pergunta é: O que está por trás do doutrinador quando se propõe esses critérios? Pois, não são partidos políticos aquilo que chamamos de facções pessoais, como por exemplo, o que foi o Partido Nacional Socialista – PNS alemão de Hittler e o Partido Faxista de Mussolini? Dizer, portanto, que sobreviveram aos seus lideres, é esquisito, dizer que não eram partidos, é mais esquisito ainda.

Bom, a primeira (i) característica proposta para definir partidos políticos, refere-se à expectativa de vida superior a de seus dirigentes. Vejamos um exemplo, o PTB de Getúlio e após a sua morte – Na era de Getúlio o partido dava sustentação ao getulismo. Nessa época o PTB era o principal partido, o partido do poder. Mas Getúlio morreu, suicidou-se, e ai? O PTB não continuou? Sim. Do ponto de vista formal, incontestável, mas é muito fácil perceber que o PTB de Getúlio ao longo do tempo deixou de ser o mesmo sob o comando de Campos Machado, seu sucessor. O PTB que era um partido dominante, hegemônico, central, tornou-se uma sigla sem muita identidade, sem consistência e sem pretensão a uma vitória significativa, como era no tempo de Getúlio.

Veja, então, que o PTB continuou do ponto de vista formal! Não deixou de existir. Mas do ponto de vista ideológica clara, de envergadura, de significância e de potência e identidade partidária é perfeitamente possível dizer que o PTB morreu no dia em que o Getúlio morreu.

Outro exemplo é o PT – Governo Lula e depois – Importante lembrar que Getúlio e Lula são os mais populares personagens da historia política brasileira. Na época de Lula 1 e Lula 2, costumava-se a dizer que Lula era maior que o PT. Enquanto o PT nunca conseguiu passar de 20 ou 30% do eleitorado, enquanto partido, o Lula alcançou mais de 50% da votação popular nas eleições que venceu. Tem gente que não vota no PT, mas vota no Lula, então, Lula é maior que o PT. A presidente seguinte (Dilma) foi eleita nas condições que assistimos, alguém que só conseguiu se eleger pelo apoio de Lula, assim aconteceu com o Haddad e todos os outros mandatos do PT, então alguém dirá, o que acontecerá com o PT quando Lula não estiver mais, certamente podemos antecipar uma história semelhante ao caso do PTB de Getúlio.

Um último exemplo é o PSDB – Fernando Henrique Cardoso-FHC e depois – O PSDB teve um grande líder, o FHC teve dois mandatos de relevância e depois de seu afastamento aconteceu uma certa distribuição do capital do partido entre várias pessoas, de tal maneira que os efeitos da perda do seu líder maior tenderão ser menores ao partido. Claro que o Serra poderá continuar se candidatando reiteradamente, Alckmin e, Aécio, então se o FHC morrer hoje os efeitos não serão tão catastróficos.

Veja que a primeira proposta dos cientistas, quanto à (i) expectativa de vida dos partidos políticos além de seus idealizadores, ela não é identificada nos partidos políticos brasileiros, pois, os exemplos demonstrados acima, confirmam, portanto, a sua inexistência.

Partimos então para a segunda (ii) proposta. Nesta a característica é quanto a uma organização estruturada localmente e implantada nacionalmente, pretendeu-se excluir as organizações que só existiam em nível nacional, ex: Um grupo parlamentar, a bancada dos evangélicos no Congresso Nacional, não é partido, pois não tem implantação local, só nacional.

Também pretenderam excluir as organizações locais, que não possuíam nível nacional. Um bom exemplo disso é a República Velha: Começa com a República e termina com o Getúlio, Chamada República Café com Leite, por causa da hegemonia entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo, que alternadamente controlavam o poder.

Tinha-se uma implantação partidária chamada PRP – Partido Republicano Paulista e PRM – Partido Republicano Mineiro, assim, se um partido para existir, segundo a reflexão dos cientistas, tem que ter implantação Nacional, como esses partidos políticos puderam ter somente implantação local – São Paulo e Minas Gerais?

Atualmente, segundo as exigências legais, um partido político para existir legalmente, tem que possuir uma implantação nacional, neste ponto, então, encontramos uma pequena evolução, dentro da proposta.

A terceira (iii) proposta, refere-se a característica referente à vontade deliberada de seus dirigentes nacionais e locais de tomar e exercer o poder do Estado, então, o que se pretendeu excluir? A resposta é óbvia, ou seja, todas as organizações que não querem tomar e exercer o poder do Estado.

Por exemplo, no Brasil, existem essas organizações e, distingui-las de partidos políticos é essencial, são elas: Sindicatos, Instituições Religiosas, Associações, Grupos de pressão etc. Pretenderam também excluir os grupos que apenas buscam desestabilizar o governo, ou, forçar com que ele cumpra com o acordado, ou apenas revolucionar.

Por fim, a (iv) quarta e última proposta de LaPalombara e Wainer é o apoio popular. No âmbito político, todos os países que estão vinculados a uma eleição precisa do apoio popular, sem esse apoio é impossível se chegar ao poder.

Existem situações que o apoio popular vai sendo distanciado do real exercício do poder do Estado. Ex. Inglaterra: De tempos em tempos o deputado inglês faz campanha para se eleger em seu distrito. Como só existem dois partidos, ou a maioria é conservadora, ou a maioria é trabalhista, então só existem duas formas de governo, ou é líder dos trabalhadores ou dos conservadores.

Escolhido o Primeiro Ministro, todo o exercício do poder do Estado é feito a revelia do apoio popular. Pois o Primeiro Ministro goza da maioria no parlamento. Então ele consegue apoiar tudo o que ele quiser, a favor ou contra a opinião pública. Veja, portanto, que no sistema político Inglês, todas as decisões podem ser tomadas de costas aos eleitores.

Conforme visto, não foi possível identificar uma definição regente e atual de partidos políticos, segundo a ótica dos cientistas LaPalombara e Wainer, pois aquelas características são bastante discutíveis, distancia-se ainda mais a definição pretendida se tentarmos encontrar as quatro características juntamente em qualquer organização política.

Ora, se até aqui, não conseguimos encontrar uma boa definição de partidos políticos, passemos, então a falar sobre o pensamento de Max Weber, que define partidos políticos como “empresas de representação” isso porque, (i) elas fazem parte de um mercado; (ii) buscam um certo tipo de consumo – eleitorado; (iii) participam de uma concorrência; (iv) oferecem um certo tipo de produto e (v) adotam estratégias de marketing de mercado para conferir valor aos seus produtos.

Veja, portanto, que ideologia em partidos políticos tornou-se um produto como qualquer um outro para oferecer ao mercado em troca de voto. O Brasil é o país do achismo, acha-se tudo, todos tem uma opinião para todas as coisas, e, isso, é resultado de uma democracia, esta, que fomenta a necessidade de apenas oferecer um produto se existir um público consumidor para ele, do contrário, não terá demanda, é assim como acabam todos os produtos que abundam no mercado e logo perde o seu valor.

Parece-me que tem razão Max Weber, quando afirma que partidos políticos são como empresas que oferecem produtos e esses produtos podem ser de muitos tipos, inclusive ideias.

Tomemos por exemplo, a apresentação de um candidato qualquer em frente de uma câmera, sabe-se, muito bem, que o que importa, na verdade, não é o que é dito, mas, é quem diz e como diz. Apenas para descontrair, há um ditado que diz que “Se todo político falasse para qual objetivo ele quer ganhar as eleições ele certamente não seria eleito“. Para alguns, talvez tal ditado se encaixaria bem.

Muitos ainda discursam a necessidade de mudança e que vestirão a camisa da democracia e da república, mas, ao terem a palavra, oferecem Carisma como produto, ao invés de ideologia (propostas efetivas).

Veja, por exemplo, o Ex-Presidente Lula. Pergunta-se: Quando é que ele começou a ganhar? A resposta vai ao encontro do pensamento de Max Weber, ou seja, quando ele começou a investir em outro produto: No lugar de uma barba em batalha, uma voz vociferante e uma profunda convicção de seus propósitos, renova-se com uma barba bem aparada, um termo Armani e uma estrela vermelha de pelúcia no peito, além do discurso conforme o público.

Então, considerando que a definição de partidos políticos de Max Weber é a que identificamos nos dias atuais, torna-se perturbador uma reflexão, pois, isso nos mostra a absoluta certeza de que nada mudará nos dias vindouros, pois, certamente, aqueles que pretenderem mudar o cenário atual, terão que pagar o preço.

Portanto, que tipo de produto os partidos políticos deverão oferecer? Ora, obviamente cairão em si e entenderão que o produto a ser oferecido será aquele comprável, aquele que possa ser trocado em voto, pois do contrário, assim como qualquer outra empresa, ele falirá.

Aqui está a superioridade dos marqueteiros sobre o intelectual. Ele entendeu que a realidade da nossa cultura é o que é, e o cara vai votar no Lula somente quando ele estiver com a barba aparada alinhado ao discurso conforme o público, pois a nossa sociedade não compra autenticidade, compra-se o que se quer comprar – Depois vem a crítica da elite hipócrita e burra, que afirmam não assistirem novelas e nem propaganda de campanhas eleitorais televisivos, mas persistem reclamando que seu candidato nunca ganha.

Empresas políticas de representação,então, oferecem o que acham que possa ter demanda. É o exemplo do candidato que se conhece que não fala o que se sabe que ele pensa, mas porque ele não falaria? Porque ninguém vai comprar! Então ele fala exatamente aquilo que ele não pensa! Então essa vida é uma desgraça, é exatamente isso, cara pálida!

Portanto, agora você consegue entender porque Max Weber define partido político como empresa de representação, ainda chacoteando a ideia de que ideologia partidária é um produto como qualquer outro.

Por fim, com todas essas certezas realísticas, sobretudo, com a absoluta certeza da inexistência da tão marginalizada ideologia partidária, inevitavelmente, cheguei a uma conclusão até lógica para quem é minimamente politizado.

Muitos reclamam da política de nosso país, ainda culpam as pessoas por não saberem votar. Ok. Mas em quem votar? Como visto, além de identificarmos verdadeiras empresas políticas de representação, que vendem produtos segundo a demanda, elas ainda são altamente oligárquicas, a conservação do poder interno dos partidos políticos implicam na própria renovação partidária, determinante da própria renovação política do país.

O impedimento da ascensão profissional política dentro dos partidos políticos torna o clube cada vez mais seleto, tendo como consequência imediata o desinteresse de pessoas capacitadas pela própria carreira. Com isso, lamentavelmente assistimos a ocorrências bizarras como a aparição de figuras outsiders estilo “tiririca”, que muito mais revelam o vaco do que propriamente demonstram substância e consistência política.

Referências Bibliográficas

 I) O texto foi traduzido para o francês e apresentado na obra admirável de Jean Charlot, Les partis politiques, Paris, Colin, “Dossiês U2” 1971, que estabelece um dossiê completo e aprofundado das pesquisas internacionais de ciência política sobre os partidos, enriquecido com excelentes e sugestivas introduções.

II) Política de Max Weber, Universidade de Monique, Alemanha, Julho de 1919.

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Robson de Andrade Neves foto Robson

Possui graduação em Direito pela Universidade Paulista (2011), docente de Direito Público na Universidade Anhanguera de São Paulo, diretor jurídico do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa, presidente da Associação para o Desenvolvimento e Defesa da Democracia, advogado fundador do escritório Souza Cruz & Neves Advogados e Secretário de Planejamento e Estratégias de governo. 

Como citar e referenciar este artigo:
NEVES, Robson de Andrade. A Falência Ideológica dos Partidos Políticos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-falencia-ideologica-dos-partidos-politicos/ Acesso em: 29 mar. 2024