Política

O Mito do Prazo Improrrogável no PL 4.209/2001

O Mito do Prazo Improrrogável no PL 4.209/2001

 

 

Fábio Presoti Passos  *

 

 

INTRODUÇÃO

 

Vivencia-se um período em que a sociedade está cada dia mais incrédula frente ao Poder Público, e essa situação se agrava quando o assunto é criminalidade, tendo em vista afetar a todos.

 

Não são raras as vezes que o Poder Judiciário é criticado, mormente porque essa mesma sociedade quer ver resultados mais rápidos e pelo fato de ser a investigação criminal um ato complexo e demorado na maioria das vezes, agrava ainda mais a sensação de impunidade.

 

Dentre os diversos problemas existentes no ordenamento jurídico, um de grande importância é o tempo de duração das investigações criminais. Frente a esse problema, foi criada uma comissão que depois de tempos de estudos a respeito do assunto, elaborou um pré-projeto que foi apresentado à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 4.209/2001, em que um de seus objetivos é a busca da finalização da investigação criminal de forma mais célere.

 

No dia 11 de dezembro de 2008 foi aprovada a redação final e enviado ao Senado Federal. Apesar de propor alterações pontuais isoladas, o assunto que será abordado é o que trata do prazo para o término da investigação criminal estando o investigado solto, nos processos que tramitam perante a justiça comum estadual.

 

Com o grande aumento de delitos e conseqüentemente de investigações dos mesmos, o legislador propõe um prazo fixo para o encerramento dessas investigações. A mudança – usando o termo empregado no Projeto – “busca  dar maior agilidade à investigação ao mesmo tempo em que tenta diminuir a criminalidade”.

 

Mas determinar um prazo para encerrar as investigações que não admite ser prorrogado, não cercearia a autoridade policial de fazer uma investigação sob menos pressão e conseqüentemente mais minuciosa e cuidadosa? Ou determinar que a autoridade policial termine a averiguação dos fatos em um prazo fixo, independentemente do fato ocorrido,  se alcançará a diminuição da impunidade?

 

 

O MITO DO PRAZO IMPRORROGÁVEL

 

O Projeto de Lei 4.209/2001[1] determina que o inquérito policial deverá ser concluído no prazo de 10 dias no caso de estar o indiciado preso e no prazo de 60 dias caso o indiciado esteja solto[2].

 

Tendo como objetivo tornar mais rápida a investigação, o Projeto de Lei fixou o prazo de sessenta dias para o término das investigações caso esteja o indiciado solto; diferentemente do que vigora atualmente que é o prazo de trinta dias podendo ser prorrogado por inúmeras vezes.

 

A finalidade do Projeto de Lei quando determina um prazo que não admite ser prorrogado, é tentar evitar o que vem ocorrendo constantemente, que é a autoridade policial utilizando-se dessa prerrogativa sob o fundamento de que o caso em apuração é de difícil elucidação e por isso o prazo estabelecido pelo juiz foi exíguo para concluir o inquérito.

 

A improrrogabilidade do prazo de sessenta dias é tácita, uma vez que no Projeto de Lei não existe nenhuma disposição expressa dizendo que a mesma não é cabível, mas, ao mesmo tempo em que não diz nada a respeito, deixa claro que o inquérito “em qualquer caso, deverá ser concluído no prazo de sessenta dias”[3]. Como foi utilizado o vocábulo ‘deverá’ ao invés de ‘poderá’, interpretando-se o texto de lei frente à Exposição de Motivos, subentende-se não ser cabível a prorrogação do prazo.

 

Estabelecer um prazo que não admite ser prorrogado foi a solução encontrada pelo legislador para fazer com que a investigação não perdure por prazo superior àquele determinado em lei, o que se tornou uma praxe atualmente. Mas ao mesmo tempo em que a autoridade policial tem um prazo para ser obedecido, há de se indagar: esse novo prazo será respeitado ou será mera letra morta da lei?

 

Deve-se atentar ao fato de que em alguns casos de “fácil elucidação”, a investigação criminal será concluída dentro do prazo proposto, mas naqueles casos de maior complexidade, que exigem maiores trabalhos na apuração, não serão raras as vezes que o prazo será afastado.

 

Além disso, tanto naqueles fatos de difícil elucidação quanto naqueles que aparentemente são de menor dificuldade, poderá haver a necessidade de realizar provas que necessitam de um prazo maior para serem concluídas, como as perícias, algumas delas consomem mais de sessenta dias, como exemplos, o exame de DNA e o exame complementar de lesões corporais. Nesses casos, qual seria a solução cabível? No caso das perícias, o que possivelmente vai acontecer é que o prazo fatal de sessenta dias não será obedecido, tendo em vista serem as mesmas imprescindíveis para aquela investigação.

 

            O legislador deve se atentar a essas possíveis conseqüências para que a lei não entre em vigor e imediatamente seja descumprida e também para que não haja no futuro a necessidade de fazer mais alterações em sua redação. Estabelecer um prazo fatal e tão exíguo não conseguirá obter a eficácia que se espera quando de sua elaboração. O que provavelmente irá ocorrer é esse prazo não ser obedecido e o novo limite para o término do inquérito policial virar um mito.

 

Imagine um caso hipotético em que o Projeto de Lei se torne Lei e entre em vigor com a atual redação; após ocorrer uma infração penal, a autoridade policial tem dificuldades em encerrar as investigações, ficando demonstrado ser o fato de difícil elucidação e já ter decorrido noventa dias entre o dia da ocorrência do fato delituoso e o dia do pedido de prorrogação de prazo. Decorridos os sessenta dias de investigações, haverá constrangimento ilegal em relação àquele que está sendo investigado, sanável, p.ex., por habeas corpus? Existe direito líquido e certo do investigado ver o prazo para o término da investigação ser obedecido pelo Estado, podendo o mesmo ser exigível por mandado de segurança? Haverá a impossibilidade da utilização em ação penal daquilo que foi apurado após os sessenta dias?

 

Com o crescente número de delitos e os órgãos responsáveis pela investigação não tendo estrutura suficiente para absorver toda essa demanda, fatalmente esse prazo será um mito; infelizmente pode-se adiantar que o mesmo será desobedecido na maioria dos inquéritos policiais. Da forma como está sendo proposta a alteração, a intenção do legislador em busca da agilidade não será alcançada. Com relação à impunidade, haverá a impressão de aumento, porque mais uma regra será desobedecida por órgãos estatais nos quais a sociedade deposita confiança em fazer algo para melhorar.

 

O Projeto de Lei é incisivo em afirmar que o maior motivo da mudança é a busca da agilidade para finalizar as investigações. Mas será que o legislador se preocupou com a qualidade das investigações? Não basta somente o inquérito policial ser finalizado dentro do prazo de sessenta dias, deve ser lembrado que há um ser humano sob investigação que poderá sofrer restrições em sua liberdade. Por isso, antes mesmo de pensarmos somente em agilidade, faz-se necessário manter o foco também na qualidade, ou seja, no devido processo legal, assegurado constitucionalmente.

 

Caso a autoridade policial não consiga finalizar a investigação criminal dentro do prazo legal, o que será feito tendo em vista não poder haver acréscimo nesse prazo? Será a investigação encerrada nesse momento? Acredita-se que não.

 

Na exposição de motivos o legislador deixou expresso que um dos objetivos da mudança é a diminuição da impunidade, mas caso o inquérito policial não possa ter o seu prazo prorrogado, haverá conflito entre a norma escrita e sua verdadeira intenção, quando de sua elaboração, ou seja, a redução da impunidade. Ao estabelecer um prazo fatal, o mesmo poderá colidir com a finalidade da norma.

 

No que toca ao descumprimento de prazos tão exíguos, CHOUKR expõe o seguinte:

 

(…) no direito comparado, tal prazo vem acrescido de sanções (v.g. não utilização dos elementos de informação, no direito italiano) e de uma salutar válvula de escape (complexidade das investigações, por exemplo) para dar maior razoabilidade ao ordenamento. Sem o que, fora os casos de processos sumários nos regimes totalitários, prazos tão exíguos tornam-se motivo de escárnio (no  melhor estilo das cantigas medievais de D. Diniz) e são fadados ao descumprimento.[4]

 

O art. 10, parágrafo primeiro, do Projeto de Lei, diz:

 

Excedido qualquer dos prazos assinados à polícia judiciária, o ofendido poderá recorrer a autoridade policial superior ou representar ao Ministério Público, objetivando a finalização do inquérito e a determinação da responsabilidade da autoridade e de seus agentes.[5]

 

Caso o prazo para o encerramento das investigações policiais não se dê no prazo legal, a única alternativa ao ofendido (vítima) é aquela do parágrafo primeiro, do art. 10 exposto acima. Analisando em conjunto o art. 10 e seu parágrafo primeiro, pode-se perceber que, apesar do caput não admitir que o prazo para concluir o inquérito policial seja prorrogado, seu parágrafo primeiro dá uma alternativa àqueles que quiserem que a investigação continue mesmo após o prazo de sessenta dias ter se exaurido.

 

O próprio Projeto de Lei criou uma válvula de escape ao prazo improrrogável, que apesar de ser mais tormentosa para o ofendido a sua utilização, o mesmo tem meios de fazer a investigação continuar. Da forma como o Código de Processo Penal atualmente regula a matéria, basta que a autoridade policial solicite ao juiz a devolução do inquérito com o pedido acolhido, para que a mesma realize as diligências faltantes, assim, essas deverão ser cumpridas dentro do prazo assinalado pelo juiz.

 

Caso o Projeto de Lei 4.209/2001 venha a ser aprovado com sua atual redação, a sociedade é quem irá arcar com os maiores prejuízos, pois será o ofendido quem perceberá mais de perto as dificuldades para ver o fato no qual figurou como vítima ser apurado, pois, caso o prazo de sessenta dias se expire, terá ele que recorrer à autoridade policial superior ou representar perante o Ministério Público.

 

Um fato é previsível, a sensação de impunidade se agravará se a norma for aplicada ipisis literis. Caso o prazo legal não seja respeitado, somente uma minoria de pessoas irá acionar a autoridade policial ou o Ministério Público para dar continuidade à investigação criminal. Como é sabido, grande parte da população que se vê frente à justiça criminal desconhece esses procedimentos e prefere ver o fato em que é parte ofendida ficar sem solução do que buscar referidos meios, assim, mais uma vez permanecerá o sentimento de injustiça e impunidade.

 

No mês de julho de 2000, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em um de seus trabalhos, elaborou sua redação a respeito do assunto, que merece atenção:

 

Art. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventiva ou temporariamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir do ato de indiciamento.

§1º. A duração total da investigação não pode superar seis meses da data do fato investigado.

§2º. Quando a complexidade dos fatos exigirem, o prazo poderá ser duplicado, nunca excedendo o período de um ano a partir do termo mencionado no parágrafo precedente.

§3º. Superado o prazo mencionado nos parágrafos anteriores, e não tendo sido proposta ação ou promovido o arquivamento, os elementos de informação que possam ser renovados não poderão ser utilizados para embasar qualquer processo ou procedimento penal.

§4º. Uma vez ultimada a investigação, a pessoa ofendida será cientificada pelo meio mais rápido possível da conclusão do feito, a fim de, em sendo o caso, exercitar a ação penal privada subsidiária da pública.[6]

 

CONCLUSÃO

 

            A mudança proposta, caso seja aprovada com a redação que se encontra atualmente, provavelmente não terá a efetividade esperada porque quando o legislador estabelece esse prazo fatal, não leva em conta as possíveis conseqüências que podem advir em função dele. Alterações pontuais em qualquer legislação é passível de cometer esse erro; é um risco que o legislador assume devido não conseguir prever todas as conseqüências.

 

            A apuração de infrações penais não deve estar cerceada por um prazo improrrogável porque imprevistos podem aparecer a qualquer momento, até mesmo porque não há necessidade de se determinar um prazo fatal se o mais provável é que ele não será obedecido e continuará da forma como está atualmente.

 

A falha do legislador ocorreu por não ter vislumbrado os possíveis problemas que podem advir no transcorrer de uma investigação criminal. Juntamente com essas dificuldades está a falta de apoio do Poder Público à autoridade policial para atender toda a demanda de trabalho.

 

Como o Projeto de Lei 4.209/2001 ainda encontra-se no Senado Federal, poderia o legislador antever alguns prováveis problemas e repensar as alterações antes que o mesmo seja aprovado e entre em vigor no ordenamento jurídico. Uma sugestão seria manter o prazo de sessenta dias mas podendo ele ser prorrogado até que se atinja um limite máximo, pré-determinado em lei, talvez como sugerido pelo IBCCRIM, um ano para os casos de difícil elucidação, ou já que se quer criar um prazo único, determinar um prazo bem maior do que os sessenta dias para que haja possibilidade do mesmo ser obedecido.

 

            Vale ressaltar que tanto o Ministério Público quanto os Magistrados detém grande poder no que tange a esse assunto porque antes de ser concedido novo prazo, ambos se manifestam previamente a favor da concessão e na maioria das vezes não avaliam se aquele caso realmente é de difícil elucidação, conforme exigência legal.

 

 

REFERÊNCIAS

 

[1] Projeto de Lei nº 4209/2001. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à investigação criminal, e dá outras providências.

 

[2] Art. 10. O inquérito policial, em qualquer caso, deverá ser concluído no prazo de sessenta dias, contados do conhecimento da infração penal pela autoridade policial, salvo se o indiciado estiver preso, quando o prazo será de dez dias.

§1º. Excedido qualquer dos prazos assinados à polícia judiciária, o ofendido poderá recorrer à autoridade policial superior ou representar ao Ministério Público, objetivando a finalização do inquérito e a determinação da responsabilidade da autoridade e de seus agentes.

§2º. As diligências que dependerem de autorização judicial serão requeridas ao juiz competente pelo Ministério Público, autoridade policial, ofendido, investigado ou indiciado.

 

[3] Projeto de Lei nº 4209/2001. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à investigação criminal, e dá outras providências.

 

[4] CHOUKR, Garantias Constitucionais na Investigação Criminal , 2001, p. 246-247.

 

[5] Projeto de Lei nº 4209/2001. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à investigação criminal, e dá outras providências.

 

[6] Disponível em www.ibccrim.com.br apud CHOUKR, Garantias Constitucionais na Investigação Criminal, 2001.

             

 

* Advogado Criminalista, Especialista em Ciências Penais pela PUC-MG.  Tutor do curso de Especialização em Direito Ambiental da PUC-MG Virtual.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PASSOS, Fábio Presoti. O Mito do Prazo Improrrogável no PL 4.209/2001. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/o-mito-do-prazo-improrrogavel-no-pl-42092001/ Acesso em: 18 abr. 2024