Judiciário

A Justiça como Sistema Pedagógico

 

      Infelizmente, há ainda muita gente que entende o trabalho da Justiça como sendo de mero aplicador das leis em vigor, sejam elas boas ou más. Essa forma de pensar lembra muito o período românico do Direito, quando nenhuma reflexão havia sobre o ser humano como agente e paciente do Direito. Naquela época, simplesmente julgavam-se as condutas das pessoas com a frieza e a rudeza características de uma civilização pagã. Os que pensam dessa maneira são adeptos de reducionismo jurídico que nos provoca calafrios pela sua dureza.

 

Os operadores do Direito não devem ser cumpridores de regras burocráticas, mecânicas, frias. Se assim fizerem, poderão ser substituídos por programas de computador com total vantagem para estes últimos, que nunca erram naquilo para o qual foram programados. Mas, nunca sentem nenhuma emoção ou compaixão…

 

Aplicar o Direito é um ato de sensibilidade humana, atividade que só é bem exercida por pessoas que chegaram a um ponto razoável de compaixão pelas contradições e fragibilidades humanas.

 

Todavia, sob o pretexto de compreenderem-se as fraquezas humanas, não se pode permitir que abusos sejam cometidos, em detrimento das regras da Ética, necessárias à convivência social.

 

Conhecer, o mais profundamente o ser humano, por dentro e por fora, é essencial para esse trabalho.

 

A Psicologia auxilia nesse estudo.

 

Vêm a propósito as informações de ROBIN ROBERTSON em Guia Prático de Psicologia Junguiana, Cultrix,1992:23-29, sobre o cérebro triuno de PAUL MACLEAN:

 

“Em The Dragons of Eden, Carl Sagan popularizou o modelo triuno de cérebro proposto por Mac Lean, segundo o qual o cérebro que cerca o chassi neurológico consiste em três cérebros separados, cada um deles situado sobre o outro e cada um deles representando um estágio da evolução. Indo do mais antigo para o mais recente, esses três cérebros seriam caracterizáveis da seguinte maneira:

 

1) o complexo R, ou cérebro réptil, que “desempenha um importante papel no comportamento agressivo, na territorialidade, no ritual e no estabelecimento das hierarquias sociais”. O complexo R provavelmente apareceu com os primeiros répteis, há cerca de um quarto de bilhão de anos;

 

2) o sistema límbico (que inclui a glândula pituitária), ou cérebro mamífero, que controla em grande parte nossas emoções. Ele “governa a consciência social e os relacionamentos – a sensação de pertinência e importância afetiva, a empatia, a compaixão e a preservação grupal”. Provavelmente apareceu há não mais que 150 milhões de anos, e finalmente,

 

3) o neocórtex, o cérebro primitivo, “mais orientado que os outros para os estímulos externos”. Este controla as funções cerebrais superiores como o raciocínio, a deliberação e a linguagem. O neocórtex também controla tarefas complexas de percepção, especialmente o controle da visão. Na realidade, embora nenhum acrônimo descreva com exatidão sua complexidade, denominar o neocórtex de “cérebro visual” não está assim tão longe de uma exatidão terminológica. Embora seja provável que tenha aparecido nos mamíferos superiores “há várias dezenas de milhões de anos…seu desenvolvimento acelerou-se grandemente nos últimos milhões de anos, quando surgiram os seres humanos”. […]

 

As afirmativas seguintes de ROBIN ROBERTSON valem como esclarecimento e alerta:

 

“…uma boa parte de nossas vidas ainda é governada pelo cérebro réptil, a saber: é esse sistema que nos impele a proteger e ampliar o nosso “território”, conceito que se tornou generalizado nos humanos num sentido que em muito ultrapassa o território físico.

 

Embora possamos estar inconscientes quanto à dinâmica subjacente de nossas ações quando estas são mobilizadas pelo cérebro réptil, estamos conscientes dentro dos parâmetros estipulados por esse cérebro. Quando o cérebro réptil está no comando, somos em grande medida movidos por instintos antigos e profundos, mas estes são instintos sobre os quais temos um certo grau de controle, pelo menos o suficiente para adaptá-los ao nosso meio ambiente.” […]

 

Tudo isso é importante para a análise dos seres humanos envolvidos nas lides que chegam ao Judiciário aguardando solução.

 

Não há como analisarem-se as lides separadamente das pessoas às quais elas dizem respeito.

 

No meio social onde vivemos, apesar de todos os esforços da Filosofia, da Religião, da Pedagogia e demais Ciências Sociais, há muita gente que pensa a atua com predominância do cérebro réptil, ou seja, impelida pela agressividade e astúcia. São pessoas realmente perigosas, mesmo quando escondem sua verdadeira intimidade sob o verniz da cultura formal e da polidez aparente.

 

Para esses a Justiça deve ser um dos meios de educação, conscientização dos valores da solidariedade, do respeito aos direitos alheios, da auto-disciplina como instrumentos para a boa convivência social.

 

Muito mais do que castigá-los, é importante levá-los à compreensão pelos meios pedagógicos da persuasão.

 

Uma das reflexões a que se deve conduzir cada pessoa é a lembrada por PARAMAHANSA YOGANANDA:

 

“A verdadeira personalidade começa a desenvolver-se quando você consegue sentir, pela intuição profunda, que não é o corpo sólido e, sim, a corrente divina e eterna da Vida da Consciência dentro do corpo. “

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. A Justiça como Sistema Pedagógico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/a-justica-como-sistema-pedagogico/ Acesso em: 16 abr. 2024